Sangha Virtual

 Estudos Budistas

Tradição do Ven. Thich Nhat Hanh

 

14 Treinamentos da Ordem do Interser (parte 4)

 

O DÉCIMO TREINAMENTO

Protegendo a Sangha

 

Consciente de que a essência e o objetivo de uma Sangha é a prática da compreensão e da compaixão, estou determinado a não usar a comunidade budista para ganhos pessoais, proveitos, ou transformar nossa comunidade num instrumento político. Uma comunidade espiritual deve, contudo, tomar uma posição clara contra a opressão e a injustiça e deve empenhar-se para mudar a situação, sem se engajar em conflitos partidários.

 

Políticos frequentemente buscam apoio de comunidades religiosas, mas seu objetivo é usualmente político. O objetivo de uma comunidade religiosa é guiar as pessoas no caminho espiritual. Portanto, transformar a comunidade religiosa em um partido político a desvia de seu verdadeiro objetivo. Líderes religiosos podem ficar tentados a apoiar seu governo em troca do bem estar material de sua comunidade. Isto ocorreu através da história. De forma a assegurar o apoio de seu governo, comunidades religiosas frequentemente evitam falar contra a opressão e injustiças cometidas por seu governo. Permitir que políticos usem a sua comunidade religiosa para fortalecer seu poder político é entregar a soberania espiritual de sua comunidade.

 

“Uma comunidade espiritual, contudo, deve tomar uma posição clara contra a opressão e a injustiça...” Isto deveria ser feito com uma voz clara, baseado nos princípios das Quatro Nobres Verdades. A verdade relacionada com a situação injusta deveria ser claramente exposta (a Primeira Verdade: sofrimento). As várias causas da injustiça deveriam ser enumeradas (a Segunda Verdade: as causas do sofrimento). O objetivo e desejo de remover as injustiças deveriam ficar óbvios (a Terceira Verdade: a remoção do sofrimento). As medidas para remover a injustiça deveriam ser propostas (a Quarta Verdade: o caminho para encerrar o sofrimento).

 

Embora as comunidades religiosas não tenham poder político, elas podem usar sua influência para mudar a sociedade. Falar é o primeiro passo, propor e apoiar medidas apropriadas para mudar é o próximo. Mais importante é transcender todos os conflitos partidários. A voz do cuidado e entendimento deve ser distinta da voz da ambição.

 

O DÉCIMO PRIMEIRO TREINAMENTO

Meio de Vida Correto

 

Consciente de que grande violência e injustiça têm sido impingidas ao meio ambiente e à sociedade, comprometo-me a não viver com uma vocação que seja prejudicial aos homens e à natureza. Farei o melhor possível para escolher um meio de vida que ajude a realizar o meu ideal de compreensão e compaixão. Consciente da realidade econômica, política e social global, terei comportamento responsável como consumidor e como cidadão, não investindo em empresas que privem outros seres da chance de viver.

 

O Meio de Vida Correto é um elemento do Nobre Caminho Óctuplo. Ele nos urge a praticar uma profissão que não fira nem os humanos nem a natureza, fisicamente ou moralmente. Praticar plena consciência no trabalho nos ajuda a descobrir se nosso meio de vida é correto ou não. Vivemos em uma sociedade onde empregos são difíceis de achar e é difícil praticar o Meio de Vida Correto. Mesmo assim, se nosso trabalho envolve ferir a vida, deveríamos tentar ao máximo achar um outro. Não deveríamos afundar no esquecimento. Nossa vocação pode nutrir nosso entendimento e compaixão ou pode acabar com eles. Nosso trabalho tem muito a ver com nossa prática do Caminho.

 

Muitas indústrias modernas, incluindo a fabricação de alimentos, são danosas aos humanos e à natureza. A maioria das atuais práticas na agricultura estão longe do Meio de Vida Correto. Os venenos químicos usados pelos fazendeiros modernos ferem o ambiente. Praticar o Meio de Vida Correto se tornou uma tarefa difícil para eles. Se não usarem os pesticidas químicos, pode ser difícil competir comercialmente. Não muitos fazendeiros têm a coragem de praticar a agricultura orgânica. O Meio de Vida Correto deixou de ser uma questão puramente pessoal. É o nosso karma coletivo.

 

Suponha que eu sou um professor e acredito que nutrindo amor e entendimento nas crianças seja uma ocupação bonita, um exemplo de Meio de Vida Correto. Eu rejeitaria se alguém me pedisse para parar de ensinar e me tornar, por exemplo, um açougueiro. Contudo, se eu meditar na inter-relação de todas as coisas, veria que o açougueiro não é o único responsável pela matança de animais. Ele os mata por todos nós que compramos pedaços de carne crua, embalada de forma limpa e exposta no nosso supermercado local. O ato de matar é coletivo. No esquecimento, podemos nos separar do açougueiro, pensando que seu modo de vida é errado, enquanto o nosso é correto. Contudo, se não comermos carne, o açougueiro não matará ou matará menos. É por isso que o Modo de Vida Correto é uma questão coletiva. O modo de vida de cada pessoa nos afeta e vice-versa. O filho do açougueiro pode se beneficiar dos meus ensinamentos, enquanto meus filhos, como comem carne, dividem a mesma responsabilidade pelo modo de vida de matança do açougueiro.

 

Milhões de pessoas tiram seu sustento da indústria armamentícia, fabricando armas “convencionais” e nucleares. Estas chamadas armas convencionais são vendidas aos países do Terceiro Mundo, a sua maioria sub-desenvolvidos. As pessoas nesses países precisam de comida, não armas, tanques ou bombas. Os Estados Unidos, a Rússia e a Inglaterra são os principais fornecedores destas armas. Produzi-las e vendê-las certamente não é um modo de vida correto, mas a responsabilidade por essa situação não repousa apenas nos trabalhadores da indústria armamentícia. Todos nós – políticos, economistas e consumidores – dividimos a responsabilidade pela morte e destruição causada por essas armas. Não vemos claramente o bastante, não nos manifestamos e não organizamos debates nacionais suficientes sobre esse enorme problema. Se pudéssemos discutir essa questão globalmente, soluções poderiam ser encontradas. Novos empregos devem ser criados de forma que não tenhamos que viver dos lucros da fabricação de armas.

 

Se formos capazes de trabalhar numa profissão que nos ajude a realizar nosso ideal de compaixão, deveríamos ser muito gratos. Cada dia, deveríamos ajudar a criar empregos apropriados para nós mesmos e para os outros viverem corretamente – de forma simples e sã. Despertar a nós mesmos e aos outros e nos ajudar e aos outros são a essência do Budismo Mahayana. O karma individual não pode ser separado do karma coletivo. Se você tem a oportunidade, por favor, use sua energia para melhorar ambos. Esta é a realização do primeiro dos Quatro Grandes Votos.

 

O DÉCIMO SEGUNDO TREINAMENTO

Reverência à vida

 

Consciente que as guerras e os conflitos causam muitos sofrimentos, estou determinado a cultivar a não violência, a compreensão e a compaixão em minha vida diária, promovendo a educação para a paz, a mediação plenamente consciente e a reconciliação dentro das famílias, comunidades, nações e no mundo. Estou determinado a não matar e a não deixar que outros matem. Praticarei diligentemente a observação profunda junto à minha Sangha para descobrir maneiras melhores de proteger a vida e evitar a guerra.

 

Em cada país do mundo, matar seres humanos é algo que é condenado. O treinamento budista de praticar não-matar estende mais ainda, para incluir todos os seres vivos. Contudo, ninguém, nem mesmo um Buda ou um bodisatva, pode praticar este treinamento de plena atenção perfeitamente. Quando damos um pequeno passo ou fervemos uma xícara de chá, matamos muitos minúsculos seres. A essência deste treinamento é fazer todo o esforço possível para respeitar e proteger a vida, continuamente movendo na direção da paz e da reconciliação. Podemos tentar ao máximo, mesmo se não pudermos ter sucesso 100%.

 

Este treinamento de plena atenção é ligado proximamente com o décimo primeiro. Nossos padrões de modo de vida e consumo têm muito a ver com as vidas e a segurança de humanos e outros seres vivos.

 

Há muitos tipos de violência. Entre as sociedades, se manifesta como guerra – frequentemente causada pelo fanatismo ou estreiteza ou pelo desejo de ganhar influência política ou poderio econômico. Violência pode ser também a exploração de uma sociedade por outra que é tecnologicamente ou politicamente mais forte. Podemos nos opor a guerras uma vez que tenham começado, mas é melhor fazer o nosso máximo para preveni-las. O modo de fazer isso é fazer paz.

 

Atingimos isso primeiramente em nossa vida diária através do combate ao fanatismo, apego a visões e trabalhando pela justiça social. Temos que trabalhar vigorosamente contra as ambições políticas e econômicas de qualquer país, incluindo o nosso. Se questões importantes como essas não forem debatidas no nível nacional ou internacional, nunca seremos capazes de prevenir a violência na sociedade.

 

Começamos estudando e praticando este treinamento de plena atenção de não matar na nossa vida diária e então poderemos levar as questões reais de violência e paz para toda a nação. Se não vivermos nossas vidas diárias plenamente conscientes, nós mesmos seremos responsáveis, em alguma extensão, pela violência estrutural. A quantidade de grãos usada nos países ocidentais para fazes bebidas alcoólicas e para alimentar o gado, por exemplo, é enorme. O professor François Peroux, diretor do Instituto de Matemática e Economia Aplicada e Paris, sugeriu que se houvesse redução do consumo de carne e álcool pela metade no ocidente, os grãos que estariam disponíveis, seriam suficientes para resolver toda fome e desnutrição no Terceiro Mundo. Mortes causadas por acidentes automobilísticos e problemas cardiovasculares no ocidente também reduziriam se o consumo de álcool e carne diminuísse.

 

Os orçamentos de defesa no ocidente continuam a ser gigantescos, mesmo depois dos cortes feitos depois do fim da Guerra Fria. Estudos mostram que se pudermos parar ou diminuir de forma significativa a fabricação de armas, teríamos mais dinheiro para eliminar a pobreza, fome, muitas doenças e a ignorância do mundo. Na nossa vida diária atribulada, temos tempo suficiente para olhar em profundidade para este treinamento de plena atenção de não matar? Quantos de nós podem honestamente dizer que estamos fazendo o suficiente para praticar esse treinamento?

 

 

(Traduzido do livro “Interbeing” – Thich Nhat Hanh)

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