Sangha Virtual

 Estudos Budistas

Tradição do Ven. Thich Nhat Hanh

 

A arte da autocura

 

Cerca de quinze anos atrás, conheci um jovem em Montreal. Ele me disse que ia morrer. Ele tinha câncer. Os médicos disseram que ele tinha cerca de três semanas de vida, talvez menos, talvez mais. Eu estava sentada ao lado dele na mesa do café da manhã. Comi meu café da manhã conscientemente, sem pensar em como ajudá-lo. Eu apenas comi meu café da manhã conscientemente. Quando terminei, me virei para ele e conversei sobre como viver profundamente no momento presente. Mesmo que você tenha apenas uma ou duas semanas de vida, ainda pode praticar a vida em cada momento.

 

Eu disse a ele que algumas pessoas vivem por sessenta, setenta ou oitenta anos, mas não sabem como viver profundamente cada momento de suas vidas diárias. Elas não tiveram a chance de fazer isso. Setenta ou oitenta anos podem não significar muito. Se você sabe viver profundamente cada momento da sua vida diária, três semanas é muito. Ele estava interessado no que eu disse e lhe dei instruções sobre como respirar e caminhar. Mesmo com o diagnóstico, ele continuou a viver por outros onze anos. Ele recebeu os Cinco Treinamentos da Consciência e eu dei a ele o nome do Dharma de “Vida Verdadeira”.

 

O Buda disse que, se você tem uma ferida em seu corpo ou em sua mente, pode aprender a cuidar dela. Há muitas maneiras. Você permite que a ferida em seu corpo e alma se cure. Você não fica no caminho de sua cura. Mas muitas vezes fazemos exatamente isso. Proibimos que nosso corpo se cure; nós não permitimos que nossa mente, nossa consciência, se cure por causa de nossa ignorância. Sabemos que nosso corpo tem a capacidade de se curar. Quando cortamos nosso dedo, não precisamos fazer muito. Nós apenas limpamos e permitimos a cura - talvez por um ou dois dias. Se mexermos na ferida, se nos preocuparmos demais ou fizermos muitas coisas, ela pode não se curar. Especialmente quando nos preocupamos muito com isso.

 

O Buda deu o exemplo de alguém que é atingido por uma flecha. A pessoa sofre. Se logo depois uma segunda flecha o atinge exatamente no mesmo ponto, a dor não é apenas o dobro, é dez vezes mais intensa. Se você tem uma ferida em seu corpo e amplifica-a com sua preocupação e seu pânico, ela se tornará mais séria. Seria útil praticar a inspiração e expiração e compreender a natureza da ferida. Inspirando, pensamos: “Estou ciente de que isso é apenas uma ferida física. Ela pode ser curada se eu permitir que isso aconteça.

 

Se precisar, peça a um amigo ou médico que confirme que sua ferida é pequena e que você não deve se preocupar. Você não deve entrar em pânico, porque o pânico nasce da ignorância. Preocupação e pânico são formações mentais. Elas pioram a situação. Você deve confiar no seu conhecimento de seu próprio corpo. Você é inteligente. Não imagine que você vai morrer por causa de uma ferida menor em seu corpo ou alma. Saiba que quando um animal é ferido, ele procura um lugar calmo para descansar. A sabedoria está presente no corpo do animal. Ele sabe que o descanso é a melhor maneira para se curar. Ele não faz nada, nem mesmo come ou caça; apenas se deita. Alguns dias depois, pode levantar-se. Está curado. Os seres humanos perderam a confiança em seu corpo.

 

Nós entramos em pânico e tentamos fazer muitas coisas. Nós nos preocupamos muito com o nosso corpo. Nós não permitimos que ele se cure. Nós não sabemos como descansar. A respiração consciente nos ajuda a reaprender a arte de descansar. A respiração consciente é como uma mãe amorosa segurando seu bebê doente em seus braços dizendo: "Não se preocupe, eu vou cuidar bem de você, apenas descanse."

 

Temos que reaprender a arte de descansar. Muitos de nós sabem como aproveitar nossas férias. Muitas vezes estamos mais cansamos depois de umas férias do que antes. Espero que possamos reunir nossas ideias sobre como descansar em nossas discussões do Dharma.

 

Temos que acreditar na capacidade do nosso corpo de se curar. O poder de autocura é uma realidade, mas muitos de nós não acreditamos nisso. Em vez disso, tomamos muitas vitaminas e remédios que às vezes podem ser mais prejudiciais ao nosso corpo. Um animal sabe que quatro ou cinco dias sem comida não o prejudicarão. Isso ajudará. Mas temos medo de jejuar. Pensamos que, se não comermos, ficaremos enfraquecidos e a cura não ocorrerá. Isso não é verdade. Nos tempos antigos, as pessoas muitas vezes jejuavam por várias semanas. É uma maneira maravilhosa de começar a cura em nosso corpo e em nossa consciência. Em Plum Village, temos retiros em jejum. Nós não comemos por duas ou três semanas. Isso é algo que todos nós podemos fazer.

 

Durante o nosso jejum, seguimos nosso cronograma normal. Continuo dando palestras sobre o Dharma e pratico meditação andando ao ar livre com a Sangha. Eu continuo a praticar sentado e faço meus trabalhos diários. Se você está com medo, pode não conseguir fazer isso. Você precisa de confiança. Seu corpo pode ficar sem comida por várias semanas. Você começa pulando o jantar e usando esse tempo para relaxamento total ou meditação andando lenta. Quando você tiver experimentado a alegria do jejum, você terá fé na prática. A capacidade de autocura é uma realidade em seu corpo e sua consciência.

 

(Do livro “The Path of Emancipation”– Thich Nhat Hanh)

(Traduzido por Leonardo Dobbin)

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