Sangha Virtual

 Estudos Budistas

Tradição do Ven. Thich Nhat Hanh

 

A arte de ser paz

 

Podemos muito bem descrever a prática do budismo como a prática de um tipo de arte. A arte de ser paz, a arte de promover a paz na sociedade e no mundo. Como budistas, como a continuação do Buda, todos nós devemos aprender essa arte. Como ser paz e como promover a paz em nossa família, em nossa comunidade, em nossa sociedade.

 

Se você olhar profundamente em nós mesmos, podemos perceber que existem elementos de guerra que já estão em nós: nossa tensão, a tensão em nosso corpo, nossas emoções, como medo, raiva, violência, ódio, desespero e nossos pensamentos errôneos, nossas percepções errôneas, estão em nós. Eles podem ser descritos como elementos de guerra. Praticar o budismo é, antes de tudo, reconhecer esses elementos negativos dentro de nós para cuidar deles, para transformá-los.

 

Quando voltamos à nossa respiração e nos tornamos conscientes de nosso corpo, podemos reconhecer o fato de que há muita tensão, estresse, dentro de nosso corpo. Por causa dessa consciência, podemos querer fazer algo para liberar a tensão em nosso corpo. Em um sutra sobre respiração consciente, Satipatthana Sutta, o Buda nos fornece a prática para liberar a tensão em nosso corpo. O terceiro exercício de respiração consciente e o quarto exercício de respiração consciente são para isso. “Inspirando, estou ciente de todo o meu corpo, com toda a tensão nele. Expirando, eu libero a tensão dentro do meu corpo.”

 

Com alguns minutos de respiração consciente, podemos liberar todas as tensões do nosso corpo. Sabemos que a tensão em nosso corpo, se continuar a ser acumulada, trará muitos problemas e muitos tipos de doenças. Os cientistas de nosso tempo perceberam que se formos capazes de liberar a tensão em nosso corpo, ele terá a capacidade de se curar. Não precisamos de muitos remédios, precisamos liberar a tensão em nosso corpo. De repente, nosso corpo terá a capacidade de curar sua doença.

 

Quando somos capazes de fazer as pazes com nosso corpo, podemos começar a fazer as pazes com nossos sentimentos e emoções. Temos sentimentos dolorosos, temos emoções fortes. Não sabemos lidar com eles. O Buda no sutra da respiração consciente nos diz, nos mostra o caminho para reconhecer os sentimentos dolorosos, as emoções dolorosas em nós, a fim de abraçá-las e trazer alívio, e finalmente, transformá-las. O sétimo exercício de respiração consciente é para isso. “Inspirando, reconheço a sensação dolorosa, a emoção dolorosa dentro de mim.” E no oitavo exercício, “expirando, libero a tensão em meus sentimentos, em minhas emoções,”

 

Aprender a reconhecer, abraçar e transformar nossas emoções, como medo, raiva, ódio, ciúme, desespero. é muito importante. Isto é a arte de fazer as pazes com nós mesmos, cuidando do nosso corpo e cuidando de nossos sentimentos e emoções.

 

Então o Buda passa a nos ajudar a reconhecer nossas formações mentais. Entre elas, o nosso pensamento. Sabemos que ainda temos muitos pensamentos errados em nós. O pensamento errado trará a fala errada e as ações erradas que causarão guerra dentro de nós e da outra pessoa, entre nosso grupo e o outro grupo, entre a nossa nação e a outra nação. É por isso que a prática budista começa com o retorno a si mesmo. Reconheça os elementos de tensão, dor, conflito interior para restaurar a paz em nosso corpo, em nossos sentimentos e também em nossas formações mentais – nossa mente.

 

Se os pais conhecerem a prática, farão seus filhos felizes. Eles vão fazer sua vida familiar feliz. As crianças que crescem dessa família aprenderão a reconhecer as dificuldades, o estresse em seu corpo, a reconhecer seus sentimentos, suas emoções e aprender a lidar com elas. Os pais, quando praticam, podem ensinar os filhos a praticar também a prática de ser paz.

 

Quando as crianças vão para a escola, o professor deve poder ajudá-las também porque há crianças que não tiveram oportunidade na sua família. Elas não tiveram a chance de aprender a amar, a dar, a fazer a felicidade de outras pessoas em uma família. Então os professores, se conhecem a prática, podem ajudar as crianças, e podem dar a seus alunos uma segunda chance. Assim, a escola pode se tornar um segundo tipo de família e os professores podem se tornar uma espécie de pais para ajudar seus alunos.

 

Hoje em dia temos muitos problemas na família e na escola. Há muito mal-entendido, muita raiva, muita violência – tanto na família quanto na escola. É por isso que se pais e professores aprenderem a prática de ser paz, ajudarão seus filhos e seus alunos a aprenderem também a arte de ser paz. Esperamos que, se você está no campo da educação, por favor, reflita sobre isso e tente trazer esse tipo de aprendizado, esse tipo de prática, originada do budismo para a vida familiar e escolar.

 

Nos 30 anos de ensino no Ocidente, oferecemos esse tipo de prática de ser paz a amigos em muitos países. Inúmeras pessoas lucraram com a prática e se reconciliaram com o pai, com a mãe, com o filho, a filha, o parceiro e trouxeram de volta a felicidade.

 

Também compartilhamos o ensinamento da prática de ouvir com compaixão e usar a fala amorosa para restaurar a comunicação. Hoje em dia, temos muitos meios de comunicação sofisticados mas a comunicação entre marido e mulher, pai e filho, mãe e filha, tornou-se muito, muito mais difícil. Testemunhamos o fato de que muitos pais não podem falar com o filho, muitos filhos e filhas não podem ouvir o pai. E se não houver comunicação, como podemos esperar ajudar uns aos outros a remover nossas percepções erradas para fazer as pazes uns com os outros?

 

Em Plum Village, França, durante muitos anos convidamos grupos de palestinos e israelenses para virem praticar conosco. Aprendemos muito com eles. Esses grupos, ao chegar, não conseguiam olhar uns para os outros porque há muito sofrimento, medo, raiva, desconfiança em todos os grupos. A Sangha em Plum Village os ajudou a praticar, em primeiro lugar, a liberar a tensão em seu corpo, a praticar respiração, a praticar caminhada consciente, a praticar meditação sentada para reconhecer a dor, a tristeza, o medo, a emoção dentro deles, a fim de obter alívio, a prática de relaxamento profundo proposta pelo Buda.

 

A prática de reconhecer as emoções proposta pelo Buda ajudou tremendamente esses dois grupos a praticar. Após a primeira semana liberando a tensão, reconhecendo emoções dolorosas, eles são iniciados a praticar a escuta profunda um do outro e usar a linguagem da bondade amorosa.

 

Quando você sofre, gostaria de tornar seu sofrimento conhecido pela outra pessoa. Se você souber usar um tipo de fala que não seja de culpa, condenação, acusação, o tipo de discurso que é chamado, no budismo, de “fala amorosa”, então você pode contar à outra pessoa sobre seu sofrimento, suas dificuldades e sua profunda aspiração. E se você é o ouvinte, pratica inspirar e expirar para se acalmar, para lembrar que ouvir a outra pessoa é uma prática de compaixão. Porque se você souber ouvir profundamente com compaixão, em uma hora, você pode ajudar a aliviar muito sofrimento na outra pessoa.

 

No Budismo Mahayana temos o Bodhisattva Avalokitesvara que é muito hábil na prática da escuta compassiva. Se aprendermos a arte da escuta compassiva por alguns dias, então você será capaz de ouvir com compaixão a outra pessoa, o outro grupo de pessoas. Sabemos que ouvir assim por uma ou duas horas já pode trazer muito alívio para a pessoa. Essa pessoa pode não ter nenhuma chance. Ninguém foi capaz de ouvi-lo. Agora, você está praticando como um Bodhisattva da compaixão. Você está ouvindo-o. Você está ouvindo aqui com compaixão e isso é tremendamente útil.

 

O outro lado, o outro grupo, deve lhe contar tudo. Todo tipo de sofrimento e dificuldades que eles suportaram, como os palestinos. Os israelenses ficavam muito quietos para ouvir. A Sangha de Plum Village sentava-se com eles para apoiá-los em uma prática de escuta profunda. Depois de ouvir por uma hora, a situação já mudava. Você percebe que no outro lado, as pessoas sofreram exatamente como no seu lado. Adultos, crianças – eles sofreram, quase o mesmo tipo de sofrimento que você sofreu do seu lado.

 

Por causa disso, pela primeira vez, você pode olhar para eles com os olhos da compaixão. Você os reconhece como seres vivos, seres humanos como você. Antes disso, você acha que só o seu lado sofria. O outro lado nunca sofreu. O outro lado só quer que você sofra. Mas agora, depois de algumas sessões de escuta profunda e escuta compassiva, você reconhece que eles sofreram tremendamente como o seu lado. Ouvir assim os ajudou a sofrer menos e a você a sofrer menos ao mesmo tempo.

 

Finalmente, após dez dias de prática, as pessoas puderam dar as mãos. Os dois grupos podem dar as mãos e praticar a meditação andando, sentar e compartilhar uma refeição em fraternidade e irmandade. A prática adotada por grupos de israelenses e palestinos em Plum Village foi sempre bem-sucedida. No final do período de prática, os dois grupos sempre se reuniam e relatavam a Sangha sobre o fruto de sua prática. Eles sempre prometiam que ao voltar para casa criariam uma Sangha ou um centro de prática para que outras pessoas, israelenses e palestinos pudessem vir e praticar de forma a sofrer menos.

 

(Palestra de Dharma de Thich Nhat Palestra de Dharma em 13 de maio de 2008 durante a 5a Conferência Budista Internacional – transcrito do vídeo do YouTube

https://youtu.be/ySchl9P-26E)

Traduzido por Leonardo Dobbin)

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