Sangha Virtual

 Estudos Budistas

Tradição do Ven. Thich Nhat Hanh

 

A energia do amor

 

Inspirando, eu sei que estou inspirando.

Expirando, eu sei que estou expirando.

 

Quando invisto todo o meu ser em minha respiração, este exercício se torna um mantra. Confio totalmente na minha respiração e sei que estou seguro. Respirar atentamente é minha âncora. Muitos jovens sofrem porque não sabem o que fazer em momentos de forte emoção. Eles precisam da âncora de sua respiração. Algumas semanas atrás, compartilhei a técnica de respiração abdominal com um grupo de alunos do quinto ano. Eu disse a eles para usá-la em momentos de emoções fortes. Eles ouviram com atenção e praticaram muito bem. Esses jovens precisam de nossa ajuda para entrar no coração do Buda e aprender a se refugiar em sua ilha segura do eu.

 

Minha família fugiu do Vietnã em um barco muito pequeno. Nenhum de nós sabia nadar. Antes de partirmos, meu pai amarrou oito flutuadores em ambos os lados do barco. Em mar aberto, nosso barco foi atingido por uma terrível tempestade. O motor do barco parou. Eu espiei para fora do barco. As ondas estavam tão altas que tudo que eu podia ver era água - sem céu, sem horizonte, apenas água em todos os lugares. Se meu pai não tivesse amarrado flutuadores no barco, estaríamos todos na barriga dos peixes. A respiração consciente é como os flutuadores de nosso pequeno barco. Ao segurar nossa respiração, somos capazes de passar com segurança pelas tempestades da vida.

 

Permitir que nosso corpo relaxe é a chave para desfrutar de nossa respiração. A respiração faz parte do corpo. Quando o corpo está em paz, a respiração se torna natural e relaxada. Visto que a respiração consciente é uma ponte que conecta o corpo e a mente, a respiração também faz parte da mente. Quando a respiração está calma, acalma a mente. Gosto de ver minha respiração como um travesseiro no qual descanso:

 

"Inspirando, estou descansando no travesseiro da minha inspiração. Expirando, estou descansando no travesseiro da minha expiração."

 

A prática da respiração consciente é a prática de parar. Alguém perguntou quando parar. A resposta é "agora". Há tanta confusão, mal-entendido e sofrimento em cada um de nós e no mundo de hoje que é importante aprendermos e praticarmos a habilidade de parar. Quando descobrimos que estamos sofrendo um acidente, nosso único desejo é poder parar. E podemos conseguir parar segurando em nossa âncora da respiração consciente. Parar nos ajuda a perceber a ausência de acidentes - a presença de segurança e felicidade. Um meio sorriso é o fruto dessa compreensão. O esquecimento é o tipo de energia que nos faz fugir do momento presente e é a causa de muitos de nossos acidentes. Perder nossos passos enquanto caminhamos na terra é um acidente. Sentir falta dos olhares e dos sorrisos dos nossos entes queridos à mesa de jantar é outro acidente. No momento em que voltamos a respirar, o esquecimento está se transformando em lembrança, atenção plena, felicidade e compaixão.

 

A prática da respiração consciente é, de fato, o início e a base da prática do amor. A prática de um meio sorriso sempre acompanha a prática da respiração consciente. Um sorriso é um meio e um fim. Sorrimos para reconhecer e nutrir a alegria que está presente, para que nossa alegria continue a crescer. Quando a felicidade permeia todo o nosso ser, um meio sorriso floresce em nossos lábios, em nossos olhos e sob nossos passos - sem qualquer esforço. Várias pessoas perguntaram: "Como posso sorrir se não há alegria em meu coração?" O sentimento de alegria pode não estar presente, mas a semente de alegria está lá. Ela só precisa ser tocada e regada. A respiração consciente nos ajuda a regar as sementes da alegria, conectando-nos com os elementos de alegria dentro de nós e ao nosso redor:

 

"Inspirando, sinto o sangue fluindo em meu corpo. Expirando, estou em contato com o som da água escorrendo no riacho."

 

Amigos na prática podem nos ajudar a tocar nossa semente de alegria. Nosso sorriso também pode nos ajudar a tocar nossa semente de alegria. Não precisamos sentir alegria para sorrir. Sorrimos para despertar a semente da alegria adormecida no solo da nossa mente. Pode não parecer muito difícil sorrir para os outros, mas pode parecer estranho sorrir para nós mesmos. Mais do que ninguém, merecemos nosso sorriso. Se não podemos sorrir para nós mesmos, algo está no caminho, impedindo-nos de aceitar e amar a nós mesmos.

 

Suponha que, em um dia de inverno, cheguemos em casa e a casa esteja fria. Acendemos a lareira. Depois de um tempo, o quarto fica quente e confortável. Nossa energia de plena consciência abraça nossa dor da mesma maneira. O ato de fazer uma fogueira nasce da percepção de que o ambiente está frio e do desejo de aquecê-lo. Quando percebemos que estamos sufocando em nossa dor, no fundo de nosso coração nasce o desejo de aliviar nosso sofrimento.

 

Nosso meio sorriso é a manifestação desse despertar e desejo. Nosso meio sorriso é uma lufada de ar fresco que traz alívio imediato à nossa dor. Isso prova que temos compaixão por nós mesmos. Antes do fósforo ser riscado, as toras não podem produzir ar quente. Da mesma forma, devemos tocar a semente da autocompaixão para respirar atentamente, para produzir a energia necessária para a transformação. A respiração atenta é a prática da compaixão:

 

"Inspirando, eu sorrio para minha inspiração. Expirando, eu sorrio para todo o meu corpo."

 

Tornar nossa respiração mais longa é uma arte. Requer autotreinamento e prática. Ao nos nutrirmos com a calma e a alegria da respiração consciente enquanto as emoções fortes não estão presentes, lembraremos de voltar a respirar quando as emoções fortes começarem a surgir. Se nossa instabilidade é tão grande que não podemos nos agarrar e sentir uma sensação de segurança na respiração, um dos métodos a seguir pode ser usado.

 

Primeiro, podemos reavivar a confiança em nós mesmos e na prática, lembrando qualquer sentimento de paz e estabilidade que foi produzido por nossa respiração consciente no passado. Isso pode ser feito mais facilmente quando estamos em um ambiente favorável à prática, como em um parque ou à beira de um rio. A energia da confiança nos ajuda a nos reconectar e nos confiar novamente na respiração. Em segundo lugar, podemos pedir apoio de nossos irmãos e irmãs da Sangha que são bastante sólidos e amorosos. Sua presença e suas palavras nos trazem alívio e nos permitem saborear a segurança de nossa respiração novamente. Terceiro, podemos nos permitir ser abraçados por uma comunidade amorosa e solidária que tem como base a prática da paz, alegria, estabilidade e compaixão.

 

Respiração é vida. Se não podemos experimentar a segurança da respiração consciente e a alegria de estarmos vivos, somos como flores murchas. Uma comunidade de prática é um bom solo onde cada praticante é treinado para ser um jardineiro habilidoso. Um bom solo e jardineiros bem treinados juntos podem transformar flores murchas em flores frescas.

 

Refugiar-se na Sangha é nos entregarmos completamente à prática e sabedoria da Sangha. A Sangha é a âncora. Se a Sangha for uma verdadeira Sangha, seremos capazes de experimentar a alegria da respiração consciente para sermos curados e transformados.

 

Em um retiro, uma mulher expressou que não conseguia sentir a respiração. A respiração da barriga não funcionou para ela. É verdade que, quando nossa mente e corpo ficam muito tensos, podemos não ser capazes de sentir nossa respiração. Pedi-lhe que se deitasse e se permitisse ser abraçada com ternura nos braços da Mãe Terra enquanto vários exercícios de imaginação ativa eram oferecidos para ajudá-la a relaxar. Após 20 minutos, ela começou a sentir sua inspiração e sua expiração. Mais tarde, no retiro, quando as lágrimas surgiram em seus olhos, ela compartilhou com amigos sua sensação de paz com a prática da respiração abdominal. Este milagre não poderia ter acontecido sem uma Sangha amorosa e solidária.

 

É outono na Virgínia. Todos os dias, recebo muitas folhas lindas de nosso filho de cinco anos, Bao-Tich. Sempre que ele passa pela porta, seu rosto está tão radiante quanto a folha em suas mãos. Olhando para Bao-Tich, percebo como ele ficou feliz em encontrar a folha, pegá-la, trazê-la para casa e oferecê-la para mim. Para ele, cada folha de outono é uma verdadeira maravilha. Ele encontra cada folha como se fosse tudo. Ele parece tão feliz e satisfeito! Todo mundo já foi uma criança como Bao-Tich. Estávamos felizes e satisfeitos com "pequenas coisas" como as folhas, os seixos, os ramos, as bolotas.

 

Olhamos para o céu e conversamos com os pássaros. Nosso sorriso mostra nosso desejo de reviver essa capacidade. Um sorriso é a chuva e o sol. Ele tem o poder de nos libertar da inimizade por nós mesmos e pelos outros. Um sorriso pode transformar a terra seca em solo fértil. Nosso sorriso nos sela para o momento presente. Um praticante de atenção plena é um tecelão do amor. Quando praticamos a respiração consciente - seja sentados, em pé, caminhando ou deitados - cada respiração é um fio tecido em um berço de amor. Graças a este berço, temos um lugar para segurar e nutrir nossa alegria, para segurar e embalar nossa dor. As transformações acontecem exatamente neste berço.

 

(Artigo da professora de Dharma Anh-Huong,– revista Mindfulness Bell, número 23

Traduzido por Leonardo Dobbin)

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