Sangha Virtual

 Estudos Budistas

Tradição do Ven. Thich Nhat Hanh

 

À procura de felicidade

 

Quando olhamos para nossa situação, vemos que em algum nível nós — juntamente com todos os seres — queremos felicidade, paz e alegria. Queremos resolver nossas dificuldades. Isso é natural. Esta é a natureza humana. Esta também é a raiz da descoberta do Buda e é uma grande coisa! No entanto, se formos realmente honestos conosco mesmos, temos que admitir que continuamos a procurar nos lugares errados. Continuamos a procurar por coisas erradas. Depositamos a nossa confiança em coisas que só fornecem uma correção temporária, algo ou alguém fora de nós mesmos que achamos que vão curar essa ferida que temos dentro. Sempre procuramos a coisa que achamos que vai nos curar. Achamos que precisamos de mais uma condição, só mais uma coisa.

 

Se mantivermos esta atitude, mesmo que sutil, começamos nossa vida de prática não confiando profundamente em nossa própria bondade inata e na bondade inata dos outros, mas pelo contrário, nos vemos como "quebrados", como precisando ser “consertados”.

 

Aproximamo-nos da prática com uma atitude de falta, ao invés de uma atitude de abundância. Estamos procurando por algo, alguém, uma condição que achamos que está fora de nós mesmos e isso vai "nos consertar", nos tornar melhores. Com essa mentalidade, o foco de nossa vida espiritual se torna apenas o conserto de nós mesmos. Pensamos que somos maus, e então nós mesmos criamos em um projeto de conserto. Noto que sempre que eu fazia um projeto, além de me tornar mais duro e crítico em relação a mim mesmo, tornava-me bastante duro e crítico em relação aos outros, e então as outras pessoas se transformavam em meus projetos de consertos.

 

No discurso sobre as oito realizações dos grandes seres, um sutra que nosso professor ama muito e que está incluído no livro de cânticos de Plum Village, “Chanting from the Heart” - há uma frase muito poderosa. Está dito, “Nossa mente está sempre procurando fora de si mesma e nunca se sente satisfeita”. Está sempre correndo atrás da próxima coisa. Isto é onde o ensinamento do Buda é muito radical, porque o Buda basicamente nos diz, "você não precisa de mais uma coisa; você já é o que quer se tornar."

 

Entre as muitas histórias contadas sobre o despertar do Buda, há uma que eu sinto que é importante para entendermos profundamente antes de irmos mais longe: é uma das primeiras coisas que são relatadas que o Buda teria dito quando despertou, "Uau, isso é estranho... Não só eu, mas cada ser vivo tem a semente da bondade infinita, de infinita gentileza, do despertar, dentro de si. Cada ser vivo se tornará um Buda." Chamamos esta capacidade a semente da bodhicitta, a mente do amor.

 

Para colocar isto de outra forma: a abordagem da prática budista é trazer a tona a integridade inata que sempre esteve presente — o estado natural da sua mente. Como Thay diz, "nós já somos o que queremos nos tornar."

 

Enquanto escrevo estas linhas, estamos em período de férias de fim de ano. Nos Estados Unidos, isto começa com o dia de Ação de Graças no final de novembro e se estende até as férias de inverno. Esta época é um grande momento do ano para refletir sobre nossa relação com a abundância. Um dos ensinamentos importantes para o nosso tempo é o Mantra das Três Palavras, "Tenho o suficiente" ou "Temos o suficiente." Muitos de nós, especialmente no mundo desenvolvido, desfrutamos de muita abundância material em nossas vidas. A Ação de Graças é uma oportunidade para realmente olharmos e vermos as condições de felicidade que já temos.

 

Muitos de nós fazem isso muito bem no dia de Ação de Graças; celebramos as bênçãos que temos. A coisa intrigante para mim é que no dia de Ação de Graças, depois de já comemorarmos todas as maravilhosas condições que já temos, começamos a procurar por outra coisa. Black Friday, como o dia depois de ação de Graças é chamado, é o maior dia do ano em termos de vendas, quando as pessoas saem para comprar isso, comprar aquilo, porque achamos que precisamos de algo mais, ou queremos mais uma coisa para outra pessoa, especialmente a preço de banana. Acho isso muito interessante, esta vontade de correr atrás de coisas no dia seguinte de passarmos um dia de gratidão pelo que já temos!

 

Aqui em Deer Park também celebramos o dia de Ação de Graças à nossa maneira. Temos uma palestra de Dharma sobre as Quatro Gratidões; uma meditação caminhando durante a qual podemos refletir sobre as muitas gentilezas que recebemos durante o ano anterior; assim como uma cerimônia para expressar nossa gratidão aos nossos ancestrais de sangue, espirituais, nossos ancestrais da Terra e uns aos outros; e então temos um almoço de Ação de Graças. No dia antes de Ação de Graças, normalmente vamos aos nossos vizinhos e todo o comércio — em uma área geográfica muito ampla — e lhes oferecemos crepes caseiras — é como reverter “doces ou travessuras”.

 

Anos atrás, Thay me chamou em sua cabana e disse, "Ao invés de correr à procura de pequenos confortos para aliviar sua insatisfação, seu desconforto, você precisa descobrir o grande conforto." Essas pequenas coisas que podemos ir correndo atrás — fama, posição, aprovação de outras pessoas, melhorar gratuitamente da classe econômica para a primeira classe (que nunca aconteceu comigo, a propósito) — são descritos em comentários os budistas como "lamber mel na borda de uma lâmina": é temporariamente muito doce, mas se você lamber muito mel, você vai experimentar outra coisa quando começar a chegar na lâmina. Muitos de nós estamos nessa lâmina, não estamos?

 

Em vez disso, tente reconhecer profundamente de uma vez por todas a verdade do mantra, "tenho o suficiente". Você tem tantas condições curativas e maravilhosas na sua vida e coração e você — sim, você -  tem a capacidade de transformar o seu sofrimento, despertar e ser um recurso para os outros no caminho. Todas estas condições estão disponíveis para você neste exato momento e você não tem nenhuma necessidade de sequer uma condição extra. Há grande poder nesse reconhecimento. "Mas" — ouvi você dizer, "e sobre o meu _____ (Insira seu problema ou condição)?".  Você tem o suficiente. O que te impede de deixar aquela luz e beleza brilharem neste momento?

 

Prática Sugerida:  liste suas condições de apoio

 

Quais são algumas das condições de apoio que você experimenta? Elas podem ser externas, como um trabalho que você gosta, um bom relacionamento, boa saúde, tempo para a prática espiritual e assim por diante ou elas podem ser internas, tais como a capacidade de perdoar, uma mente afiada, motivação. Faça uma lista com elas e celebre-as, mesmo se eles pareçam insignificantes. Salve sua lista de condições de apoio em um lugar seguro e retorne a ela muitas vezes, especialmente nos momentos difíceis. Você pode adicionar itens nessa lista ao longo do tempo.

 

(Do livro “Nothing to It: Ten Ways to Be at Home with Yourself”)

Phap Hai é professor de Dharma e o monge sênior da tradição de Plum Village)

(Traduzido por Leonardo Dobbin)

 

 

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