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 Estudos Budistas

Tradição do Ven. Thich Nhat Hanh

 

A Segunda Nobre Verdade: o caminho ignóbil (parte 1)

 

Uma vez que passamos a chamar o nosso sofrimento pelo seu nome verdadeiro, precisamos olhar profundamente para ver de onde este sofrimento vem. Se aceitarmos a primeira verdade do sofrimento, temos que aceitar que existem causas para esse sofrimento, porque tudo tem as suas raízes. Quando olhamos profundamente as raízes e as examinamos, já começamos a transformar o nosso sofrimento. Como o mal-estar surgiu? Nós não precisamos encontrar a resposta acreditando que Buda ou Deus criaram o sofrimento por razões misteriosas. Nós só precisamos usar nossas mentes e corações calmos para olharmos profundamente e vermos as causas. Existem formas de perceber e modos de vida que levam ao mal-estar. Esta é a Segunda Nobre Verdade: as causas do sofrimento.

 

A Segunda Nobre Verdade pode ser concebida como um caminho. Mas não é um caminho que leva à felicidade e ao bem-estar. É um caminho que leva ao sofrimento. Muitos de nós têm tomado o caminho que leva à raiva, discriminação, violência, ignorância e desespero. O caminho do sofrimento é o caminho ignóbil da visão errada, pensamento errado, fala errada, ações erradas, modo de vida errado, diligência errada, plena atenção errada e concentração errada. Se entendermos como e porque estamos trilhando o caminho do sofrimento, então poderemos ver o seu oposto. O Nobre Caminho Óctuplo, o caminho para o bem-estar, se revelará.

 

Por que estamos em meio a uma crise econômica? Por que há tanta poluição, terrorismo e mudanças climáticas? Quando fazemos estas perguntas, precisamos de tempo e espaço para realmente olharmos profundamente e tentarmos encontrar a resposta. Não importa quais sejam as nossas origens religiosas, temos que reconhecer os verdadeiros sofrimentos de nosso mundo e sentarmos em conjunto para tentar encontrar as causas.

 

Alguns professores budistas dizem que o desejo é a causa básica de todo o mal-estar. Não é verdade. O desejo é apenas uma pequena parte do caminho errado. O nosso verdadeiro bloco de sofrimento é causado pela visão errada, que por sua vez leva a um pensamento errado, e assim por diante. O sofrimento do mundo e o nosso próprio sofrimento tem sido criado por visões errôneas e pensamentos errados. Quando começamos a ver que estamos criando nosso próprio sofrimento, podemos começar a ver como podemos transformá-lo.

 

Se queremos transformar a situação do aquecimento global, por exemplo, precisamos entender o que está produzindo o monóxido de carbono. Usinas a carvão são a maior fonte de poluição por dióxido de carbono nos Estados Unidos, que produzem 2,5 bilhões de toneladas de CO2 a cada ano. Automóveis, a segunda maior fonte, criam cerca de 1,5 bilhões de toneladas de CO2 anualmente. Nós também temos que olhar para o que nós consumimos todos os dias e que contribui para a mudança climática. Nós dirigimos carros, usamos eletricidade e gás, e destruímos as florestas a fim de criar gado para comer. Todas essas coisas contribuem para a mudança climática global. Se dirigirmos muito, se mantivermos as luzes acesas, se comermos muita carne, então as causas do nosso sofrimento se acumularão.

 

Se olharmos profundamente para a Segunda Nobre Verdade, não só veremos as causas do nosso próprio sofrimento, mas veremos como transformá-lo. Se nos cuidarmos e ficarmos menos estressados, causaremos menos sofrimento a nós mesmos, menos irritação e conflito com nossos entes queridos, e estaremos mais propensos a manter-nos saudáveis. Se não comermos carne, os agricultores não vão criar gado de corte para nosso uso. Se não dirigirmos, vamos produzir muito menos monóxido de carbono. Se insistirmos que as grandes empresas também parem de poluir, estaremos ativamente fazendo algo para criar menos sofrimento e mais paz no mundo.

 

O que nós consumimos é a causa de muito do nosso sofrimento. O Buda falou de quatro tipos de alimentos, que podem nos trazer tanto o bem-estar ou mal-estar. Felicidade e sofrimento podem ser entendidos em termos de alimentos, os nutrientes que consumimos todos os dias.

 

O Buda disse: "Se você olhar profundamente para a natureza do que surgiu, ou seja, o seu mal-estar, a sua depressão e identificar a fonte dos nutrientes que criaram isso, você já estará no caminho da transformação e cura ".

 

O primeiro tipo de alimento é o alimento comestível, o que realmente colocamos em nossas bocas, mastigamos, deglutimos ou bebemos. Se é boa comida, comida saudável, então não haverá problema, haverá bem-estar. Se não for o caso, então, podemos ficar doentes. Então, antes de comer, devemos olhar para os pratos sobre a mesa, inspirar e expirar para ver se esse tipo de comida é bom para nós ou não. Podemos remover um prato que julgarmos que não seja bom para a nossa saúde.

 

O consumo consciente de alimentos comestíveis também afeta a forma como nós compramos. Conscientemente fazer compras na mercearia ou mercado significa que você sabe o que comprar e o que não comprar. Podemos escolher alimentos saudáveis. Consumo consciente afeta a maneira como cozinhamos. Quando cozinhamos, temos outra oportunidade de praticar a atenção plena. Quando nos sentamos ao redor da mesa para comer, temos mais uma oportunidade de estar conscientes. Podemos comer de tal forma que possamos reduzir o sofrimento dos seres vivos. Apenas pela forma como comemos, podemos ajudar a preservar o nosso planeta, se soubermos como comer corretamente de tal forma que possa nos ajudar a cultivar a compaixão. Sabemos que, sem compaixão, não poderemos ser felizes, porque não poderemos nos relacionar com outros seres vivos.

 

Para ilustrar o primeiro alimento, alimento comestível, o Buda contou a história de uma jovem família que teve que atravessar um deserto. Durante a viagem eles ficaram sem alimentos. Depois de muito pensar e debater, os pais decidiram matar o menino e comer sua carne para sobreviver. Depois de contar essa história, o Buda perguntou aos monges: "Meus queridos amigos, você acha que o casal gostava de comer a carne do seu filho?" Os monges disseram: "Não, meu caro professor, não é possível. Ninguém pode gostar de comer a carne de seu próprio filho." O Buda disse: "Quando comemos, devemos comer de tal forma que possamos preservar a compaixão em nós, caso contrário, será como se estivéssemos comendo a carne de nossos próprios filhos."

 

Quando comemos sem consciência, podemos muito bem estar comendo a carne de nossos próprios filhos ou filhas. Mais de quarenta mil crianças morrem diariamente por causa da falta de alimentos ou de nutrição. No entanto, em muitos países do Ocidente as pessoas desperdiçam uma quantidade enorme de comida. Usamos o cereal que cultivamos para fazer álcool e na alimentação animal. Queremos comer frango, porco e carne, mas para fazer um quilo de carne, temos que usar dez a vinte vezes mais cereal. No entanto, as pessoas no mundo não têm o suficiente de grãos, arroz e milho para comer. Assim, quando olhamos profundamente para o nosso pedaço de carne, sabemos que ela foi feita a partir de uma enorme quantidade de grãos que poderiam ter sido usados ​​para salvar as pessoas que estão morrendo de fome e desnutrição.

 

Plena atenção nos ajuda a ver coisas que outras pessoas não podem ver. É por isso que antes de comer, devemos olhar para a nossa comida para ver se vai prejudicar a nossa compaixão ou vai ajudar a desenvolvê-la. A seguinte contemplação na refeição pode ser muito útil:

 

Vamos comer de tal forma que possamos manter nossa compaixão viva através de uma alimentação que alivie o sofrimento dos seres vivos, preserve nosso planeta e reverta o processo de aquecimento global.

 

 

(Do livro de Thich Nhat Hanh - "Good Citzens” - Tradução Leonardo Dobbin)

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