Sangha Virtual

 Estudos Budistas

Tradição do Ven. Thich Nhat Hanh

 

Andar com os pés de Buda

 

É possível andar com os pés de Buda. Nossos pés, fortalecidos pela energia da consciência plena, se tornam os pés de Buda. Você não pode dizer “eu não consigo andar com os pés de Buda, eu não os tenho.” Isto não é verdade. Os seus pés são os pés de Buda, e é você quem decide se quer realmente usá-los. Se você levar a energia da atenção plena para seus pés, os seus pés se tornam os pés de Buda e você anda por ele. E isto não requer algum tipo de fé cega. Isto é tão claro. Se você está habitado pela energia da consciência plena, você está agindo como um Buda, você está falando como um Buda, você está pensando como um Buda. Isto é a budeidade em você. Isto é algo que você pode experimentar; não é uma teoria.

 

A prática do sentar em paz e a prática do caminhar em paz é muito básica em Plum Village. Nós aprendemos a sentar de tal modo que a paz seja possível durante todo o tempo sentado. Aprendemos a caminhar de tal modo que durante todo o tempo de caminhada exista paz. E confiamos em nossa atenção, em nossa concentração para tanto. Também nos beneficiamos da energia coletiva da mente atenta da Sanga para fazer isto. Se tivermos êxito em um dia, podemos ter êxito outro dia e assim por diante. Temos que estar determinados a ter sucesso na prática.

 

Se durante a meditação caminhando formos, por exemplo, capturados por um pensamento: o que temos que fazer quando formos para casa, perdemos a caminhada, perdemos a oportunidade. Estamos andando com a Sanga, mas não estamos lá. Não somos capazes de nos estabelecer no aqui e agora, e, portanto, não podemos dar um passo feliz, em paz. Ou, se estivermos preocupados com algo, se estivermos enraivecidos com alguém, não somos capazes de dar passos pacíficos e perdemos tudo.

 

Sabemos que podemos não estar livres enquanto caminhamos. E caminhar é uma prática que nos liberta. Deveríamos andar como uma pessoa livre. Liberdade torna a paz possível, para que a felicidade esteja conosco. Temos que investir cem por cento em nós mesmos a cada passo para nos tornarmos livres. Se, enquanto estivermos andando, formos capturados e surgir um sentimento de raiva, ou preocupações, ou pensamentos do passado ou do futuro, de outros lugares, nós não estamos livres.

 

Não estamos realmente andando com a Sanga porque estamos em outro lugar. Isto é um desperdício. Inspirando, podemos estar cientes disto: Eu não estou realmente aqui, e me arrependerei disso depois. Estou tendo a oportunidade, mas não estou tocando as condições de felicidade que repousa no aqui e agora. Sou capaz de ser livre? Sou capaz de ser a paz neste exato lugar e agora? Perguntamos. Desafiamo-nos.

 

Por que se você não for livre, se não conseguir ser livre agora, não poderá ser livre depois. Portanto você tem que estar determinado a ser livre neste exato lugar e momento. Embora a formação mental da preocupação ou raiva surja muito fortemente, sabemos que existe profundamente dentro de nós a semente de liberdade, a semente da paz, e devemos fazer algo para que estas sementes se manifestem. Não somos apenas a preocupação, a raiva dentro de nós, somos mais do que a nossa preocupação, e a nossa raiva. E cada pessoa tem que encontrar caminhos efetivos de se libertar.

 

Quando temos insight, somos capazes de ver a verdadeira natureza da impermanência. Geralmente, tentamos tão fortemente fazer com que as coisas sejam estáveis em nossa vida que a idéia de impermanência provoca ansiedade. Mas se contemplarmos profundamente a natureza da impermanência, podemos na realidade achá-la muito confortante.

 

Quando você dá um passo, você pode visualizar que sua mãe está dando aquele passo com você. Isto não é algo difícil porque você sabe que os seus pés são uma continuação dos pés de sua mãe. Na medida em que praticamos a contemplação profunda, vemos a presença de nossa mãe em cada célula do nosso corpo. Nosso corpo também é uma continuação do corpo de nossa mãe. Quando você dá um passo, você pode dizer: “Mãe, ande comigo.” E subitamente você sente sua mãe dentro de você andando com você. Você pode notar que, durante a vida dela, ela não teve muita chance de andar no aqui e agora e tocar o chão como você. Então subitamente nasce a compaixão, nasce o amor. E isto se dá porque você consegue ver sua mãe andando com você – não como algo imaginado, mas como uma realidade. Você pode convidar o seu pai a andar com você. Você pode querer convidar as pessoas que você ama a andar com você no aqui e agora. Você pode convidá-los e caminhar com eles sem eles precisarem estar fisicamente presentes.

 

Nós continuamos nossos ancestrais, nossos ancestrais estão totalmente presentes em cada célula do nosso corpo. Então quando damos um passo em paz e sabemos que todos os nossos ancestrais estão dando aquele passo conosco, milhões de pés estão fazendo o mesmo movimento. Com técnicas de vídeo você consegue criar àquele tipo de imagem. Milhares de pés estão dando um passo juntos. E é claro que sua mente consegue fazer isto. A sua mente consegue ver milhares de milhões de pés dos seus ancestrais dando um passo junto com você. Esta prática, usando visualização, vai quebrar a idéia, o sentimento, que você é um eu separado. Você anda e, no entanto, eles andam.

 

Buda nos ofereceu muitas práticas para que possamos ser nós mesmos. O insight da impermanência é um dos instrumentos que dispomos. O insight da inexistência do eu, outro. Apesar de tudo, a pessoa de quem estamos com raiva, seja nosso filho, seja nossa filha, seja nosso companheiro, a felicidade dele ou dela é nossa própria felicidade. Se àquela pessoa não estiver feliz, eu não conseguirei estar feliz. Eu não quero ser desamável com ele ou ela. Portanto, eu devo ser pacífico, eu devo ser feliz, porque ficando com raiva eu não me ajudo, e não ajudo a ele ou ela. Se eu sofrer, não há como ele ou ela ser feliz. Ele não é um eu separado e eu não sou um eu separado; nós interexistimos. Quando você usa o instrumento da inexistência do eu e toca a natureza da interexistência, subitamente você supera sua raiva e você é capaz de dar um passo pacífico e feliz.

 

Se você está andando com os pés de Buda, você está andando no céu, você está andando na Terra Pura a cada passo. A prática de Plum Village é caminhar na Terra Pura de Buda todo dia. Toda vez que você se move, os seus pés tocam a Terra Pura de Buda. Isto está escrito em um dos nossos cânticos diários: Cada passo me ajuda a tocar a Terra Pura. Esta é a prática. Outro verso: Eu me comprometo a tocar a Terra Pura a cada passo que dou. Estes cânticos não é uma oração a mais, mas sim um guia, um lembrete de prática. Você pode fazer isto; você sabe que consegue fazê-lo. Com consciência plena, você se torna atento de seus passos e toca a Terra Pura com todas as suas maravilhas. Um passo como este gera liberdade, alegria e cura.

 

Todos nós sabemos que a meditação caminhando é para curtirmos caminhar no Reino de Deus, na Terra Pura de Buda, e andando deste jeito pode transformar, pode curar, pode gerar muito amor interno. Andamos não apenas por nós mesmos, andamos por nossos pais, nossos ancestrais e por àqueles que estão sofrendo no mundo. A Terra Pura é algo que carregamos conosco em qualquer lugar que vamos – uma Terra Pura portátil. Esta é a melhor coisa que você pode oferecer às pessoas que você encontra. Oferecer a elas nada menos que a Terra Pura ou o Reino de Deus. Você é um (a) bodisatva, este é o tipo de presente que vale à pena preparar para as pessoas à sua volta.

 

Cerca de um milhão e quinhentos mil anos atrás, os humanos começaram a ficar em pé sobre os próprios pés e as mãos deles foram liberadas. Uma vez que as mãos estavam libertas, o cérebro começou a crescer muito rapidamente. A natureza búdica é inerente ao homem primitivo, embora Buda só tenha aparecido na Terra há dois mil e seiscentos anos atrás. Aprendemos com dele que outros Budas apareceram antes dele, como Buda Dipankara e Buda Kashyapa. Existe uma raça de seres humanos que são capazes de gerar a energia da consciência plena o dia todo. E nós pertencemos a esta raça: “homo sapiens consciente”.

 

Todos nós pertencemos à família de Buda, porque somos capazes de gerar a energia da consciência plena que habita em nós vinte e quatro horas por dia. Budas são àquelas criaturas que vivem plenamente conscientes vinte quatro horas por dia. No início nos tornamos um (a) Buda por meio-expediente, e na medida em que continuamos a praticar nos tornamos Budas por tempo integral. Aprendemos a não discriminar porque compreendemos que cada pessoa possui a semente da natureza búdica. Todos os que não são Buda têm a natureza de Buda. É por isso que estamos livres de discriminação racial.

 

E nossa prática é ajudar a natureza de Buda a se manifestar em tantas pessoas quanto possível, porque o despertar coletivo é a única coisa que pode nos retirar desta situação difícil presente. Após a iluminação, Buda já sabia que ele tinha que compartilhar a prática com os outros. Buda significa “uma pessoa desperta”, uma pessoa consciente. Durante os seus quarenta e cinco anos de clérigo, Buda sempre tentou ajudar outras pessoas a despertarem, a serem plenamente conscientes. Ele sempre ensinou que o caminho da consciência plena, concentração e insight é o caminho da libertação, o caminho da felicidade.

 

(Do livro Buddha Mind, Buddha Body: Walking toward Enlightenment, de Thich Nhat Hanh)

(Tradução para o português: Tâm Vân Lang)

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