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 Estudos Budistas

Tradição do Ven. Thich Nhat Hanh

 

Apagando o fogo da raiva

 

Quando alguém diz ou faz algo que nos deixa com raiva, sofremos. Temos a tendência de dizer ou fazer algo de volta para fazer o outro sofrer, na esperança de que soframos menos. Nós pensamos: “Eu quero te punir, quero fazer você sofrer porque você me fez sofrer. E quando eu vir você sofrer muito, vou me sentir melhor.”

 

Muitos de nós estamos inclinados a acreditar nessa prática infantil. O fato é que quando fizer o outro sofrer, ele tentará encontrar alívio fazendo você sofrer mais. O resultado é uma escalada de sofrimento de ambos os lados. Ambos precisam de compaixão e ajuda. Nenhum de vocês precisa de punição.

 

Quando você ficar com raiva, volte para si mesmo e cuide muito bem de sua raiva. E quando alguém te fizer sofrer, volte e cuide do seu sofrimento, da sua raiva. Não diga nem faça nada. O que quer que você diga ou faça em um estado de raiva pode causar mais danos em seu relacionamento. A maioria de nós não faz isso. Não queremos voltar para nós mesmos. Queremos seguir a outra pessoa para puni-la.

 

Se sua casa está pegando fogo, o mais urgente a fazer é voltar e tentar apagar o fogo, não correr atrás da pessoa que você acredita ser o incendiário. Se correr atrás da pessoa que você suspeita que tenha queimado sua casa, sua casa irá pegar fogo enquanto você a persegue. Isso não é sábio. Você deve voltar e apagar o fogo. Então, quando você está com raiva, se continua a interagir ou a discutir com a outra pessoa, se tenta puni-la, está agindo exatamente como alguém que corre atrás do incendiário enquanto tudo pega fogo.

 

O Buda nos deu instrumentos muito eficazes para apagar o fogo em nós: o método de respiração atenta, o método de caminhar atentamente, o método de abraçar nossa raiva, o método de olhar profundamente para a natureza de nossas percepções e o método de olhar profundamente na outra pessoa para perceber que ela também sofre muito e precisa de ajuda. Esses métodos são muito práticos e vêm diretamente de Buda.

 

Inspirar conscientemente é saber que o ar está entrando em seu corpo, e expirar conscientemente é saber que seu corpo está trocando ar. Assim, você está em contato com o ar e com seu corpo e, como sua mente está atenta a tudo isso, você também está em contato com sua mente; exatamente como é. É necessário apenas uma respiração consciente para voltar a entrar em contato com você mesmo e tudo ao seu redor, e três respirações conscientes para manter o contato.

 

Sempre que você não estiver de pé, sentado ou deitado, você está indo. Mas para onde está indo? Você já chegou. A cada passo, você pode chegar ao momento presente, pode entrar na Terra Pura ou no Reino de Deus. Quando estiver caminhando de um lado a outro da sala ou de um prédio a outro, preste atenção ao contato de seus pés com a terra e ao contato do ar quando entrar em seu corpo. Isso pode ajudá-lo a descobrir quantos passos você pode dar confortavelmente durante uma inspiração e quantos durante uma expiração. Ao inspirar, você pode dizer "inspirando" e, ao expirar, pode dizer "expirando". Então você estará praticando meditação andando o dia todo. É uma prática sempre possível e, portanto, tem o poder de transformar nosso cotidiano.

 

Muitas pessoas gostam de ler livros sobre diferentes tradições espirituais ou de realizar rituais, mas não querem praticar muito seus ensinamentos. Os ensinamentos podem nos transformar, não importa a religião ou tradição espiritual a que pertencemos, se apenas estivermos dispostos a praticar. Vamos nos transformar de um mar de fogo em um lago refrescante. Então, não apenas paramos de sofrer, mas também nos tornamos uma fonte de alegria e felicidade para muitas pessoas ao nosso redor.

 

Sempre que a raiva surgir, pegue um espelho e olhe para si mesmo. Quando você está com raiva, não fica muito bonito, não está apresentável. Centenas de músculos do seu rosto ficam muito tensos. Seu rosto parece uma bomba prestes a explodir. Olhe para alguém que está com raiva. Quando você vê a tensão nela, fica com medo. A bomba nela pode explodir a qualquer minuto. Portanto, é muito útil ver a si mesmo nos momentos em que está com raiva. É um sino de plena consciência. Quando você se vê assim, fica motivado a fazer algo para mudar isso. Você sabe o que fazer para ficar mais bonita. Não precisa de nenhum cosmético. Só precisa respirar pacificamente, com calma e sorrir com atenção. Se puder fazer isso uma ou duas vezes, terá uma aparência muito melhor. Basta olhar no espelho, inspirando calmamente, expirando sorrindo, e você se sentirá aliviado.

 

A raiva é um fenômeno mental e psicológico, mas está intimamente ligada a elementos biológicos e bioquímicos. A raiva deixa seus músculos tensos, mas quando você sabe como sorrir, começa a relaxar e sua raiva diminuirá. Sorrir permite que a energia da plena consciência nasça em você, ajudando-o a abraçar sua raiva.(...) Depois de inspirar e expirar algumas vezes, sorrindo para si mesmo, a tensão irá embora e você obterá algum alívio.

 

A raiva é como um bebê gritando, sofrendo e chorando. O bebê precisa que sua mãe o abrace. Você é a mãe do seu bebê, da sua raiva. No momento em que começa a praticar a inspiração e a expiração conscientemente, você tem a energia de uma mãe para embalar e abraçar o bebê. Apenas abraçar a sua raiva, inspirar e expirar, isso é bom o suficiente. O bebê sentirá alívio imediatamente. Todas as plantas são nutridas pelo sol. Todas são sensíveis a isso. Qualquer vegetação que é abraçada pelo sol sofrerá uma transformação. De manhã, as flores ainda não abriram. Mas quando o sol nasce, abraça as flores e tenta penetrá-las. O sol é feito de minúsculas partículas, fótons. Os fótons gradualmente penetram na flor um a um até que haja muitos deles dentro. Nesse momento, a flor não consegue resistir mais e tem que se abrir ao sol.

 

Da mesma forma, todas as formações mentais e fisiológicas em nós são sensíveis à atenção plena. Se a plena consciência estiver presente, envolvendo seu corpo, ele se transformará. Se a atenção plena estiver presente, abraçando sua raiva ou desespero, então eles também serão transformados. De acordo com o Buda e de acordo com nossa experiência, qualquer coisa abraçada pela energia da atenção plena passará por uma transformação.

 

Sua raiva é como uma flor. No começo, você pode não entender a natureza de sua raiva ou por que ela surgiu. Mas se você souber como abraçá-la com a energia da atenção plena, ela começará a se abrir. Você pode estar sentado, acompanhando sua respiração, ou praticando a meditação andando para gerar a energia da atenção plena e abraçar a sua raiva. Depois de dez ou vinte minutos, sua raiva terá que se abrir para você e, de repente, você verá a sua verdadeira natureza. Pode ter surgido apenas por causa de uma percepção errada ou da falta de habilidade.

 

Você precisa manter sua atenção plena por um certo tempo para que a flor da raiva se abra. É como quando você cozinha batatas; você coloca as batatas na panela, tampa e coloca no fogo. Mas mesmo com fogo muito alto, se você desligar o fogo depois de cinco minutos, as batatas não estarão cozidas. Você precisa manter o fogo aceso por pelo menos quinze ou vinte minutos para que as batatas cozinhem. Depois disso, você abre a tampa e sente o aroma maravilhoso de batata cozida.

 

Sua raiva é assim - precisa ser cozinhada. No começo é crua. Você não pode comer batatas cruas. É muito difícil apreciar sua raiva, mas se você souber como cuidar dela, como cozinhá-la, a energia negativa de sua raiva se tornará a energia positiva de compreensão e compaixão.

 

Você consegue. Não é algo que apenas um Grande Ser pode fazer. Você também pode fazer isso. Você pode transformar o lixo da raiva na flor da compaixão. Muitos de nós podemos fazer isso em apenas quinze minutos. O segredo é continuar a prática da respiração consciente, a prática da caminhada consciente, gerando a energia da atenção plena para abraçar a sua raiva.

 

Abrace sua raiva com muita ternura. Sua raiva não é seu inimigo, sua raiva é seu bebê. É como seu estômago ou seus pulmões. Toda vez que você tem algum problema nos pulmões ou no estômago, não pensa em jogá-los fora. O mesmo se aplica à sua raiva. Você aceita sua raiva porque sabe que pode cuidar dela; você pode transformá-la em energia positiva.

 

(Do livro “Anger” – Thich Nhat Hanh) Traduzido por Leonardo Dobbin

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