Sangha Virtual

 Estudos Budistas

Tradição do Ven. Thich Nhat Hanh

 

As duas verdades

 

Segundo o budismo, existem dois tipos de verdade, a verdade relativa ou mundana e a verdade absoluta. Entramos na porta da prática através da verdade relativa. Reconhecemos a presença da felicidade e a presença do sofrimento e tentamos ir na direção do aumento da felicidade. Todos os dias vamos um pouco mais nessa direção, e um dia percebemos que sofrimento e felicidade "não são dois".

 

Um poema vietnamita diz:

 

As pessoas falam incessantemente sobre seu sofrimento e sua alegria.

Mas o que há para sofrer ou se alegrar?

A alegria do prazer sensual sempre leva à dor,

e sofrer enquanto pratica o Caminho sempre traz alegria.

Onde quer que haja alegria, há sofrimento.

Se você deseja não sofrer, deve aceitar a não alegria.

 

O poeta está tentando pular para a verdade absoluta sem seguir o caminho da verdade relativa. Muitas pessoas pensam que, para evitar o sofrimento, precisam desistir da alegria e chamam isso de "transcender a alegria e o sofrimento". Isso não está correto. Se você reconhecer e aceitar sua dor sem fugir dela, descobrirá que, embora a dor exista, a alegria também existe. Sem experimentar alegria relativa, você não saberá o que fazer quando estiver frente a frente com alegria absoluta.

 

Não seja pego em teorias ou ideias, como dizer que o sofrimento é uma ilusão ou que precisamos "transcender" o sofrimento e a alegria. Apenas mantenha contato com o que realmente está acontecendo, e você tocará a verdadeira natureza do sofrimento e a verdadeira natureza da alegria. Quando você está com dor de cabeça, não seria correto chamar sua dor de cabeça de ilusória. Para ajudá-la a desaparecer, você deve reconhecer sua existência e entender suas causas.

 

Entramos no caminho da prática pela porta do conhecimento, talvez a partir de uma palestra sobre o Dharma ou de um livro. Continuamos no caminho e nosso sofrimento diminui pouco a pouco. Mas, em algum momento, todos os nossos conceitos e ideias devem ceder à nossa experiência real. Palavras e ideias são úteis apenas se forem postas em prática. Quando paramos de discutir as coisas e começamos a perceber os ensinamentos de nossa própria vida, chega um momento em que percebemos que nossa vida é o caminho, e não mais confiamos apenas nas formas de prática. Nossa ação se torna "não ação" e nossa prática se torna "não prática". A fronteira foi ultrapassada e nossa prática não pode ser recuada. Não precisamos transcender o "mundo do pó" (saha) para ir a um mundo sem pó chamado nirvana. Sofrimento e nirvana são da mesma substância. Se jogarmos fora o mundo do pó, não teremos nirvana.

 

No discurso sobre girar a roda do Dharma, o Buda ensinou as quatro nobres verdades do sofrimento, a causa do sofrimento, a cessação do sofrimento e o caminho. Mas no Sutra do Coração, o Bodhisattva Avalokiteshvara nos diz que não há sofrimento, nenhuma causa de sofrimento, nenhuma cessação de sofrimento e nenhum caminho. Isso é uma contradição? Não. O Buda está falando em termos de verdade relativa, e Avalokiteshvara está ensinando em termos de verdade absoluta. Quando Avalokiteshvara diz que não há sofrimento, ele quer dizer que o sofrimento é feito inteiramente de coisas que não estão sofrendo.

 

Se você sofre ou não, depende de muitas circunstâncias. O ar frio pode ser doloroso se você não estiver vestindo roupas quentes o suficiente, mas com roupas adequadas, o ar frio pode ser uma fonte de alegria. O sofrimento não é objetivo. Depende em grande parte da maneira como você percebe. Há coisas que fazem com que você sofra, mas não fazem com que outras pessoas sofram. Há coisas que lhe trazem alegria, mas não trazem alegria aos outros. As Quatro Nobres Verdades foram apresentadas pelo Buda como verdade relativa para ajudá-lo a entrar na porta da prática, mas elas não são seus ensinamentos mais profundos.

 

Com os olhos do interser, sempre podemos reconciliar as Duas Verdades. Quando vemos, compreendemos e tocamos a natureza do ser, vemos o Buda.

 

Todas as coisas condicionadas são impermanentes.

São fenômenos sujeitos ao nascimento e à morte.

Quando nascimento e morte não são mais,

o silenciamento completo é alegria.

 

Este verso (gatha) foi falado pelo Buda pouco antes de sua morte. As duas primeiras linhas expressam a verdade relativa, enquanto a terceira e a quarta linhas expressam a verdade absoluta. "Todas as coisas condicionadas" incluem fenômenos físicos, fisiológicos e psicológicos. "Silêncio completo" significa nirvana, a extinção de todos os conceitos. Quando o Buda diz: "O silenciamento completo é a alegria", ele quer dizer que pensar, conceituar e falar chegaram ao fim. Esta é a Terceira Nobre Verdade em termos absolutos.

 

(Do livro “The heart of the Buddha’s teaching”– Thich Nhat Hanh)

(Traduzido por Leonardo Dobbin)

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