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 Estudos Budistas

Tradição do Ven. Thich Nhat Hanh

 

As Quatro Qualidades

 

No Budismo Mahayana, aqueles que geraram a semente de bodhichitta, a mente do amor, e estão praticando as paramitas são chamados de bodhisattvas. Um bodhisattva também é alguém que fez o grande voto. Este não é um voto de ganhar na loteria ou ir para o Havaí, mas um grande voto, um voto de beneficiar os seres vivos, onde quer que estejamos. Tradicionalmente, no Budismo Mahayana, existem quatro grandes bodhisattvas arquetípicos que se referem a quatro grandes qualidades que desejamos cultivar em nossa própria prática de despertar e manifestar a bodhichitta como intenção e a bodhichitta em ação.

 

1. Grande Compreensão

 

O primeiro desses bodhisattvas é Manjushri, o Bodhisattva de Grande Entendimento, que empunha uma espada de sabedoria para cortar a ilusão. Esta é a qualidade do discernimento. A espada de Manjushri se refere a uma mente concentrada, uma mente focada que não se deixa levar por todos os tipos de aparências e distrações superficiais. Nós sabemos o que estamos fazendo, por que estamos fazendo e com quem estamos fazendo isso.

 

2. Grande Ação

 

O segundo dos quatro grandes bodhisattvas arquetípicos da tradição Mahayana é Samantabhadra. Este é o Bodhisattva da Grande Ação - manifestando sabedoria por meio da ação. A energia de Samantabhadra nos ajuda a passar do reino da sabedoria como intenção para a sabedoria como ação diária. Começamos a soltar a ideia de que poderíamos fazer tal e tal coisa mais tarde, quando as condições forem milagrosamente favoráveis, e começamos a perceber que este é o momento perfeito para abrir nosso coração.

 

Lembro-me de que, no ensino médio, um dos meus colegas era apelidado de “Gunna”. Gunna é a gíria australiana que diz "irei fazer". Sempre que lhe oferecíamos algum conselho, ele respondia: "Sim, vou fazer isso um dia desses." E, honestamente, no fundo do meu coração, acho que para a maioria de nós, como praticantes, nosso apelido também é Gunna. Vamos fazer isso, vamos fazer aquilo, vamos fazer o que é benéfico - mas apenas quando as condições forem "certas". Temos uma mentalidade de adiamento, procrastinação: quando todas as condições forem perfeitas, vamos resolver isso e vamos fazer, ou vamos dizer as palavras que estiveram escondidas em nossos corações todos esses anos. Essa é a beleza de cultivar a capacidade de grande ação dentro de nós. Na verdade, colocamos nossa bodhichitta, nossas intenções, em ação.

 

3. Grande Compaixão

 

O terceiro grande bodhisattva é Avalokiteshvara, o Bodhisattva da Grande Compaixão, o Bodhisattva da Escuta Profunda. Avalokiteshvara na verdade significa “Aquela que ouve os gritos do mundo” - os gritos de todos os seres sencientes no mundo “lá fora” e também os gritos do mundo interno: o mundo dentro de nossa própria mente, dentro de nosso próprio coração. Os gritos do mundo lá fora não estão separados dos gritos dentro de nosso próprio ser, dentro de nosso próprio coração. Desenvolver a capacidade de estar presente com o que está lá, de ouvir o que está sendo compartilhado e também o que ainda não pode ser compartilhado. Costumo compartilhar com meus amigos que aprender a meditar é aprender a ouvir com todo o nosso ser; estar completamente aberto e escutar primeiro com os ouvidos, depois aprender a escutar com os olhos, com a mente, com todo o nosso ser.

 

4. Grande Determinação

 

O quarto grande bodhisattva é Kshitigarbha, o Bodhisattva do Armazém da Terra, o Bodhisattva do Grande Voto. Kshitigarbha é algumas vezes descrito como o maior de todos os bodhisattvas porque ele ou ela fez o voto de entrar no inferno, entrar nos lugares mais escuros, nos lugares de desespero, e estar presente com seres que estão sofrendo muito. Ele ou ela fez a promessa de que sempre permanecerão nos lugares mais escuros até que todos os seres sejam resgatados. Este voto paradoxal, “os seres vivos são ilimitados, eu juro resgatá-los, eu juro estar presente, com todos eles”, é o voto do Bodhisattva da Grande Aspiração. A quarta qualidade aqui é a qualidade da determinação, do não medo, direcionada ao nosso próprio sofrimento e ao sofrimento dos outros.

 

Acho muito interessante que na iconografia, Kshitigarbha é frequentemente retratado como segurando uma joia que realiza desejos em suas mãos, uma joia que é incrivelmente radiante e que ilumina os lugares mais escuros. No texto que mencionei anteriormente, "O Caminho do Bodhisattva", a bodhichitta em si é descrita como uma joia que realiza desejos, uma joia que nos ajuda a manifestar paz, estabilidade, compaixão por nós mesmos e pelos que estão ao nosso redor nós.

 

Compreensão correta, ação benéfica, grande compaixão e a aspiração profunda de estar presente para os seres vivos, essas são as qualidades mentais fundamentais do caminho Mahayana. Elas são as qualidades da bodhichitta na intenção, bem como também são a manifestação da bodhichitta em ação. Podemos nos perguntar: "Qual é a aparência de bodhichitta?" Essas quatro qualidades - de compreensão; de agir para beneficiar a si mesmo e aos outros; de gerar e oferecer compaixão a mim mesmo e aos outros; bem como a aspiração, o voto profundo, de estar sempre ao lado daqueles

 

(Do livro “Nothing To It: Ten Ways to Be at Home with Yourself”)

Phap Hai é professor de Dharma e o monge sênior da tradição de Plum Village)

(Traduzido por Leonardo Dobbin)

 

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