Sangha
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Estudos Budistas
Tradição
do Ven. Thich Nhat Hanh
Beleza é um coração que gera amor
No Saṃyutta Nikāya, o Buda disse: "Praticando a bondade amorosa, alcançamos a beleza." Quando olhamos para a tradução chinesa desta frase, vemos que alguns veneráveis a traduziram como: "Praticando a bondade amorosa, alcançamos paz e tranquilidade." Isso está incorretamente traduzido. O Buda disse muito claramente: "Praticando a bondade amorosa, alcançamos a beleza." Assim, a bondade amorosa, ou o amor, é a coisa mais bela na vida.
Se, no nosso coração, não houver bondade amorosa, não temos nada de belo para dedicar a nós próprios e aos outros. Por isso, o caminho do Buda é o caminho do amor. O caminho da compreensão. Mas, para amar, tem que haver compreensão. A pessoa em quem a essência do amor já secou é alguém que vive num grande sofrimento e solidão.
Olhemos à nossa volta e vejamos por nós mesmos. Veremos que aqueles que mais sofrem são aqueles em quem o fluxo do amor já secou. Eles merecem muita compaixão. A única forma de os ajudar é reavivar essa essência de bondade amorosa neles, fazendo-a brotar novamente. Só então poderão experimentar a felicidade. E se virmos que, em nós, o fluxo do amor começa a secar um pouco, temos que perceber rapidamente. Porque quando não temos o fluxo do amor, quando esse néctar se esgota, quando já não flui, é que sentimos muita dor e sofrimento.
Por isso, praticar a bondade amorosa significa praticar a felicidade. Amar alguém, ajudar alguém e fazer alguém feliz, pensamos que apenas essa pessoa beneficia com isso. Na verdade, quando o amor é reavivado no coração de alguém, quando existe apenas o desejo de amar, muito naturalmente já surge um sentimento de bem-estar e leveza no nosso ser.
Ainda não fizemos nada nem dissemos nada. Mas, só com o desejo fervoroso de aliviar o sofrimento de alguém e fazê-lo feliz, esse desejo já se tornou uma energia que traz leveza, bem-estar e felicidade ao nosso coração.
Por isso, os bons desejos são importantes. Para alguém que não tem dentro de si a energia do amor, a solidão é extrema. Sentem-se desligados de tudo na vida. Para eles, a solidão é um inferno, porque só conseguem viver consigo próprios. Não conseguem estabelecer comunicação com ninguém. Porque não conseguem compreender nem amar ninguém.
Por isso, precisamos de saber que o amor é uma essência que nos ajuda a estabelecer ligações com outras pessoas, e com outros seres, outras espécies. Podemos estabelecer ligações com a espécie humana. Podemos estabelecer ligações com outros seres, como animais, plantas e minerais.
Nesse momento, veremos que nós e esses seres partilhamos a mesma vida. Com isso, a forma como os tratamos será de não-violência, de não-agressão e de amor. Já não pensamos em usar a violência, já não pensamos em matar. Em vez disso, pensaremos em proteger.
Temos um gatha para recitar ao olharmo-nos ao espelho: "A consciência é um espelho que reflete os quatro elementos. A beleza é um coração que gera amor e uma mente que se mantém aberta." Porque "uma mente que se mantém aberta" traz inclusão e aceitação. Traz o verdadeiro amor, e o verdadeiro amor é a coisa mais bela na vida.
Uma obra de arte famosa ou uma peça musical bem conhecida são, sem dúvida, belas. Mas, comparadas com o verdadeiro amor, não significam nada. A beleza é um coração que gera amor. "A consciência é um espelho que reflete os quatro elementos. A beleza é um coração que gera amor e uma mente que se mantém aberta."
Por isso, todas as manhãs, quando pegamos na escova de dentes e escovamos os dentes, olhemo-nos ao espelho por um momento. Temos tempo. Olhemo-nos ao espelho por um momento. Vemos o nosso corpo composto pelos quatro elementos. Sorria um pouco. Apenas sorria gentilmente para si mesmo. Oferecemos a nós próprios um sorriso suave para que o nosso rosto possa relaxar. Isso já é amor.
"A consciência é um espelho, refletindo os quatro elementos. A beleza é um coração que gera amor." Em nós, há um fluxo contínuo de amor? O que fizemos hoje para que esse fluxo de amor corra dentro de nós? Precisamos mesmo praticar o olhar para todos os seres com "uma mente aberta". Isto significa olhar com os olhos da bondade amorosa e da compaixão.
O Buda ensinou-nos a praticar o olhar com os olhos do Bodhisattva Avalokiteshvara. Porque o Bodhisattva Avalokiteshvara sabe olhar com os olhos da Grande Compaixão. Agora, enquanto escovamos os dentes, aprendamos a olhar para nós próprios no espelho e a ver que precisamos nos amar, que precisamos de sorrir para nós mesmos. Temos de fazer o fluxo do amor brotar e correr dentro de nós.
Precisamos olhar para os nossos irmãos e irmãs do Dharma com uma mente aberta. Quando conseguimos fazer isso, há paz interior e leveza dentro de nós, e os nossos irmãos e irmãs sentirão o mesmo. Porque esse olhar é de acolhimento e de inclusão. Não de crítica ou julgamento. É, antes, um olhar de perdão, de abrangência total. O tipo de olhar que uma mãe tem para o seu próprio filho.
Se queremos progredir na nossa prática diária, devemos usar um caderno — um pequeno caderno de bolso, para anotar tudo. Porque um dia que nos é dado para aprender e praticar a atenção plena é um dia muito precioso. Temos um dia inteiro para praticar, um dia que podemos aproveitar bem para avançar na nossa prática. Então por que tomamos o nosso dia como garantido?
Temos 24 horas para aprender e praticar viver com atenção plena. Então por que não nos entregamos a isso de coração? Quando organizamos um Dia de Atenção Plena, planejamos muito bem como o dia irá decorrer. Quem dará a palestra do Dharma, quem conduzirá a caminhada consciente, quem guiará a meditação sentada e quem lerá em voz alta as Cinco Contemplações antes da refeição. Somos muito bons a planejar um Dia de Atenção Plena. Deveria ser o mesmo com um dia passado no monastério.
Devemos ser sábios ao traçar uma agenda para esse dia. Não devemos deixar o dia fluir sem rumo, como planta aquática a flutuar sem propósito num rio. Temos que reivindicar a soberania sobre o nosso dia, transformando-o num dia de prática cheio de significado, onde cada momento do dia é uma oportunidade para cultivar amor e compaixão no nosso coração. Temos um pequeno caderno e uma caneta, então por que não fazemos isso?
Quando nos sentarmos em meditação pela manhã, porque não usamos esse tempo para olhar profundamente para o nosso dia e ver como estamos vivendo, de modo a que possa ser um verdadeiro presente de nós para nós mesmos, e de nós para os outros? Por que é que nos sentamos e ansiamos para que o tempo da meditação sentada acabe? O tempo da meditação pode ser usado para isso, isto é, para contemplar. Ninguém nos impede de levar um pequeno caderno de bolso para a sessão de meditação sentada.
Claro que, durante a meditação, não deixamos a mente vaguear. Não usamos esse tempo para fazer outra coisa. No entanto, se durante a meditação tivermos uma percepção, ou um insight sobre nós mesmos ou sobre a nossa comunidade, podemos anotá-lo. Esse insight ajudará no nosso progresso na prática. Com isso, tornamos esse dia um dia feliz. Porque devemos saber que, se nesse dia tivermos felicidade, aqueles que praticam na nossa comunidade também terão felicidade.
(Palestra de Darma: em 18 de dezembro de 1997– transcrito do vídeo do YouTube
https://youtu.be/ssugNwDOwAI)
Traduzido por Leonardo Dobbin)
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