Sangha Virtual

 Estudos Budistas

Tradição do Ven. Thich Nhat Hanh

 

O Caminho do Bem Estar (parte 3)

 

Querida Sangha, hoje, por favor, me permita falar um pouco sobre as Quatro Nobres Verdades. Primeiramente, eu devo escrever as Quatro Nobres Verdades no quadro. Há um modo de expressá-las onde para cada Nobre Verdade adicionamos uma palavra:

 

1. Sofrimento

2. O caminho para o sofrimento

3. O fim do caminho do sofrimento

4. O caminho para o fim do caminho do sofrimento

(...)

Para sua prática, eu sugeriria que você tomasse um pedaço de papel e o dobrasse em três para formar três colunas. Embora haja Quatro Nobres Verdades, não precisamos de ter uma coluna para a terceira porque como Thay nos tem ensinado, (...) não há um caminho para o bem-estar, o bem-estar é o caminho.

 

(...)Na primeira coluna escreva tudo que na sua vida pessoal é sentida como sendo sofrimento. Pode ser fisiológico, psicológico ou físico. Portanto escreva, talvez, “desespero” – esta é a emoção na qual você submerge às vezes. Ou escreva “depressão”.

 

(...)A segunda coluna é “o caminho que leva à primeira coluna.” (...) O Buda disse que se você puder ver a origem da comida que está alimentando sua emoção, você pode parar de ingerir esta comida particular, seja ela comida física ou impressão sensorial, então você já está liberado, você já se transformou.

 

(...)O terceiro exercício é o caminho para o bem estar, ou o caminho para o fim do caminho que leva ao sofrimento. Não vamos apenas cortar o sofrimento fora, bani-lo, mas vamos descobrir suas causas. E vamos remover as causas, porque não queremos tratar os sintomas, queremos tratar as raízes do nosso sofrimento. Portanto é por isso que às vezes dizemos: “o caminho para o fim do caminho que leva ao sofrimento” – o caminho do bem-estar. O Buda ensinou o caminho para o bem estar como sendo o Nobre Caminho Óctuplo.

 

Quando você faz a terceira parte do exercício pode usar estes ensinamentos do Buda para te ajudar. Você adapta cada um dos oito aspectos do Nobre Caminho Óctuplo para sua doença, seu próprio sofrimento.(*)

 

Esforço Correto

 

Esta prática é conectada com outro tipo de comida, consciência. A consciência armazenadora guarda todas as sementes, todas as possíveis sementes de cada emoção possível em sua forma latente. Elas podem nunca se manifestar na sua vida, mas não significa que não estejam disponíveis.

 

Se as causas e condições estiverem corretas, elas irão se manifestar na consciência mental. Cada indivíduo, como nos chamamos, tem acesso à consciência coletiva, que é também chamada de armazenadora, mente inconsciente, consciência de fundo.

 

Há quatro partes no Esforço Correto e elas têm haver com as sementes que estão na consciência armazenadora.

 

  1. As sementes na consciência armazenadora que eu preciso para meu bem estar e ainda não se manifestaram. Devo fazer um esforço, devo praticar para ajudá-las a se manifestar.
  2. As sementes na consciência armazenadora que eu preciso para meu bem estar e já se manifestaram e estão já se manifestando. Devo fazer um esforço para mantê-las se manifestando.
  3. As sementes na consciência armazenadora que não são benéficas para meu bem estar e ainda não se manifestaram. Não vou regá-las para não ajudá-las a se manifestar.
  4. As sementes na consciência armazenadora que não são benéficas para meu bem estar e já se manifestaram. Vou ajudá-las a se transformar e voltar a ficar dormentes na consciência armazenadora.

 

Não há a idéia de destruir sementes, mas ajudá-las a se manifestar ou a ficar dormentes. Isto significa fortalecer sementes ou permitir a elas ficarem mais fracas.

 

Um dos ensinamentos do budismo é que quanto mais a semente permanece na consciência mental – isto é, se manifesta como uma de nossas formações mentais – mais forte ela fica. E se repetidamente se manifesta, ficará mais forte, Isto é muito claro. Se você quer aprender como cantar uma canção, a primeira vez que você canta, a semente é muito fraca na sua consciência mental. Você rapidamente esquece a música. Mas quando você cantou: “Inspirando, expirando, estou florescendo como uma flor”, sete ou oito vezes em diferentes ocasiões, então ficará muito forte. Seja quando for que precise desta canção, você apenas a chama e ela subirá sem você ter que pensar sobre ela.

 

Mas o mesmo é verdade com nossa raiva. Se ensaiarmos nossa raiva com freqüência, ela ficará mais forte e subirá mais facilmente. Portanto a idéia é não ensaiar nossa raiva, o que pode causar danos para nós mesmos e outros. Não significa reprimir nossa raiva. Ela deve ser expressa, mas da forma correta, o que é benéfico.

 

Portanto este é o alimento da consciência, o último tipo de alimento. O Buda deu um outro exemplo muito drástico.

 

Há um criminoso, e ele cometeu um crime sério. O rei envia seus soldados para prendê-lo. Eles o encontram e o levam ao rei. “Majestade, o que devemos fazer com este homem?” O rei deu ordens: “Ele deve ser esfaqueado cem vezes.” Portanto na manhã seguinte ele foi esfaqueado cem vezes. Ao meio dia o rei perguntou: “O que aconteceu esta manhã ao criminoso?”

 

Eles disseram: “Bem, esfaqueamos o criminoso cem vezes, mas ele não morreu.” O rei disse: “Ele deve ser esfaqueado mais cem vezes.” Portanto eles o esfaquearam mais cem vezes. E então o rei perguntou e novamente eles disseram que o homem não havia morrido. Pela terceira vez o rei disse: “Esfaqueiem o homem mais cem vezes”. Portanto novamente eles o esfaquearam cem vezes.

 

O Buda perguntou aos monges: “Monges, vocês acham que o homem sofreu?” Os monges disseram: “Senhor Buda, ser esfaqueado cem vezes é um tipo de sofrimento insuportável, impensável. Mas ser esfaqueado trezentas vezes sucessivamente, isto é além da imaginação.” Portanto o Buda disse: “Esse é o alimento da consciência.”

 

Para dar um exemplo do que isso significa: A espécie humana é uma espécie muito jovem, uma das mais jovens nesse planeta. Para a espécie humana estar aqui, precisaram ter existido todas as outras espécies que vieram antes. Na nossa composição genética (de acordo com o budismo nossa composição genética não é só nossa parte fisiológica, mas também psicológica. Não sei se os cientistas concordam com isso, mas para mim é claro porque corpo e mente não são coisas diferentes.) todas as espécies animais, espécies de plantas, espécies minerais, são parte de nós, elas são parte de nossa herança genética.

 

A consciência estava lá – em diferentes seres vivos – antes da espécie humana surgir. Fisicamente no nosso cérebro você pode ver que o tronco cerebral e outras partes dele, com exceção do neo-cortéx, também pertencem a outras espécies. Se você lembrar o tempo anterior ao de você ser um ser humano, você era um pequeno peixe nadando no mar, e um dia um peixe grande veio por trás de você com sua boca aberta e o capturou e o comeu. O pequeno peixe estava com muito medo e isto é como a faca que fere a consciência. Quando você se desenvolveu como uma espécie terrestre, foi perseguido por animais grandes. Portanto isto era outro ferimento de faca, talvez no mesmo lugar que o primeiro ferimento. É muito mais doloroso quando você é ferido duas vezes no mesmo lugar.

 

Agora você é um ser humano, e essas feridas, essas facadas, estão ainda aí. Se você não for cuidadoso com a comida da consciência, pode ser esfaqueado no mesmo local de novo. Pode não ser o medo de um peixe grande, pode ser medo de terroristas e de tantas outras coisas que temos medo. Talvez quando você fez o exercício da Primeira Nobre Verdade, tenha escrito “medo”. Portanto agora você tem uma chance de olhar para o seu Esforço Correto, a comida da consciência. Como você permite que o medo na sua consciência seja esfaqueado novamente? Como você faz? Como você pode praticar o Esforço Correto para evitar feridas de faca, para evitar regar a semente do medo?

 

Do mesmo modo, a raiva pode ter estado aí por muito tempo. Agora quando ela subir para sua consciência mental, você sabe que pode tomar conta dela com o Esforço Correto. Com a prática da plena consciência diariamente, você pode aprender como respirar e como tomar conta da semente da raiva quando ela se manifestar, a semente de desespero quando ela se manifestar.

 

Muito frequentemente, não fazer nada quando estamos submersos por uma emoção forte, é o Esforço Correto. O Esforço Correto não necessariamente é para você se sentir que tem que fazer algo, tem que resolver o problema, mas apenas ser capaz de sentar, sem fazer nada e abraçar a emoção. Acima de tudo, precisamos de tempo para isso. Não temos tempo para cuidar de nossas emoções. Portanto ou as reprimimos e as enviamos de volta um pouco mais fortes em nossa consciência até que elas explodam, ou queremos resolver rapidamente, portanto as ventilamos ou as ensaiamos. Portanto o Esforço Correto significa dar a você mesmo muito tempo para tomar conta de sua emoção.

 

Quando eu tenho uma emoção forte, eu digo para ela: “Querida, você tem o direito de estar aí porque você é provocada por causas e condições, e uma vez que as causas e condições estão presentes, não há modo de eu evitar que você esteja presente. Portanto você tem o direito de estar aí. E eu sei que você é impermanente, não estará sempre aí, mas eu não sei quanto tempo você estará por perto. Não importa. Se você quiser ficar por perto três dias, está bem. Enquanto você quiser ficar por perto, eu estarei aqui tomando conta de você.”

 

“Eu estou aqui” não significa eu, significa que outras sementes na minha consciência como compaixão, cuidado, plena atenção estarão lá.

 

Plena Atenção Correta e Concentração Correta

 

Plena Atenção Correta significa viver profundamente no momento presente, estando consciente do que está acontecendo. Isto pode curar muitas coisas. Concentração Correta é uma extensão da Plena Atenção Correta. Significa dar nossa atenção inteira para um objeto apropriado de nossa percepção de forma a descobrir mais de sua realidade.

 

Thay já disse que cada passo pode curar, cada respiração pode curar. Plena Atenção Correta é ser consciente das coisas maravilhosas da vida. Você pode se perguntar, porque o Buda não estabeleceu a Felicidade Correta como uma das práticas do Nobre Caminho Óctuplo? Já está realmente lá, embora não esteja expressa. Porque na Plena Atenção Correta há a Felicidade Correta. Quando estamos conscientes de tudo que é nutritivo e maravilhoso na vida, isto nos traz uma profunda felicidade.

 

Finalmente, como podem a Plena Atenção Correta e a Concentração Correta nos ajudar? Você pode querer escrever como vamos realizar a prática dessas coisas na nossa vida diária quando voltarmos para casa. Em que lugar você estará indo sempre caminhar com concentração e plena atenção de forma que a meditação caminhando se torne uma prática diária? Que tempo você usará para a meditação sentada de forma a ser capaz de se concentrar? Que tempo você vai separar para estar com sua família, para usar fala amorosa com sua família, para expressar sua apreciação por seus filhos e sua esposa?

 

Todas essas intenções podem ser escritas no terceiro exercício. Como dissemos, quando você começa a prática do terceiro exercício, o bem estar já está lá. Porque não há caminho para o bem estar, o bem estar é o caminho.

 

 

(Palestra de Dharma da irmã Annabel, abadessa do Centro de Dharma Green Mountain em Vermont, ligado a Plum Village, em 24 de agosto de 2007 – Traduzido da revista Mindfulness Bell 48 por Leonardo Dobbin)

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(*) Na parte 1 foram discutidas a Visão Correta e o Pensamento Correto

Na parte 2 foram discutidas a Fala Correta, a Ação Correta e o meio de Vida Correto.

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