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 Estudos Budistas

Tradição do Ven. Thich Nhat Hanh

 

Carma: seus pensamentos, palavras e ações corporais.

 

Existe uma tendência de se imaginar que somos uma entidade se movendo através do espaço e do tempo em direção ao futuro. Acreditamos que, neste exato momento, somos nós mesmos e, quando chegarmos a um ponto no futuro, nós ainda continuaremos sendo nós mesmos. Mas isto não corresponde à realidade, porque nós estamos mudando o tempo todo. O Rio Mississipi tem um nome. O nome Rio Mississipi continua o mesmo, mas o rio está sempre mudando, a água dentro dele está sempre mudando. Um ser humano também é assim. Quando nascemos, nós éramos um bebê muito tenro de menos de cinco quilos e agora, como adulto, somos bem diferentes em todos os aspectos.

 

Os seres humanos são como uma nuvem. Quando nos visualizamos como uma nuvem, temos a oportunidade de olhar, de inquirir profundamente dentro da natureza da nuvem. Podemos visualizar como a nuvem se formou e como a nuvem se manifesta. A palavra “nuvem” pode fazer surgir uma idéia desta nuvem ou daquela nuvem. Esta nuvem não é aquela nuvem. E a nuvem não é o vento. A nuvem não é o raio do sol. A nuvem não é a água.

 

Suponha que parte da nuvem tenha se tornado chuva. E a nuvem lá em cima pode olhar para baixo e reconhecer-se enquanto córrego de água. Isto é possível. Quando nos vemos enquanto nuvens, podemos olhar em volta e vê que interexistimos com outras nuvens. Outras nuvens se juntarão a nós e nos tornaremos uma nuvem maior. Começamos a ver mais a realidade da nuvem; começamos a ver mais a realidade do eu. É possível para uma nuvem olhar para baixo e ver que parte da nuvem seguiu adiante em outras manifestações. É possível para a nuvem sorrir para ela mesma em forma de um córrego de água sobre a superfície da Terra.

 

Em cada momento de nossa vida, recebemos informações do ambiente. Nós recebemos o ar, recebemos a comida, recebemos a imagem, o som e as energias coletivas. Em cada minuto de nossa vida diária, existe informação sendo consumida. Todos os dias, nós ingerimos nutrientes em termos de alimentos comestíveis, de impressões sensoriais, em termos de pensamento, em termos de educação, e em termos de consciência coletiva. E, ao mesmo tempo, estamos enviando energia em termos de pensamento, em termos de fala, em termos de ações. Em cada momento de sua vida diária, você produz pensamento, você produz fala e produz ações.

 

O filósofo francês Jean Paul Sartre disse: “Nós somos a soma de nossas ações”. Carma significa ação, e ela pode ser expressa em termos de pensamento, fala ou ação corporal. Estamos produzindo carma o tempo todo e todo ele vai em direção ao futuro. É por isso que em nossa prática deveríamos nos treinar para nos ver em nossas ações, não somente neste corpo. É claro que ações de corpo, fala e mente também influenciam nosso corpo e sentimentos. Quando uma nuvem olha pra baixo, ela consegue se reconhecer como um córrego de água. Quando olhamos para baixo, podemos ver que fomos em direção ao futuro. Podemos nos reconhecer em muitos lugares.

 

Você não pode dizer que quando este corpo se desintegrar você não estará mais ali. Você continua de muitas maneiras. Quando uma nuvem vira chuva, a chuva pode ser vista como incontáveis gotas de água. Mas quando elas descem até a Terra, podem se juntar dentro de um córrego novamente, ou elas se tornam dois córregos ou três córregos, mas isto é continuação.

 

Existem três tipos de carma, de pensamento, de fala e ação corporal. Dizer que depois da decomposição do corpo nada resta é muito pouco científico. Antoine Laurent Lavoisier, o químico do século dezoito, disse que “Nada nasce, nada consegue morrer.” O que acontecerá depois que o seu corpo se desintegrar? A resposta é que você continuará por meio de seus pensamentos, das suas palavras e ações físicas. Se você quiser saber como você estará no futuro, apenas olhe para estas triplas ações e saberá. Você não precisa morrer para começar a ver isso – você pode ver agora – porque você está se produzindo a cada momento, você está produzindo a continuação de você mesmo. Cada pensamento, cada palavra, cada ato carrega sua assinatura – você não consegue escapar. Se você produz algo não tão bonito você não pode pegar de volta – já seguiu adiante para o futuro e começou a produzir uma corrente de ações e reações. Mas você pode sempre produzir algo diferente, algo positivo, e este novo ato seu, em termos de pensamento ou fala e ação, modificará as ações negativas anteriores.

 

Quando retornamos a nós mesmos e sabemos o que está acontecendo, temos o poder de modelar nossa continuação. É no aqui e agora que temos o poder de modelar nossa continuação. Nossa continuação não será algo no futuro. Nossa continuação acontece bem aqui e neste exato momento. Por isso você ainda tem a soberania de determinar seu futuro. Se tiver feito algo bom, você fica satisfeito. Você diz “eu posso continuar a produzir mais pensamento, mais fala, mais ação do mesmo tipo. Porque eu estou assegurando um bom futuro para mim e para meus filhos.” E se por acaso você tiver produzido algo negativo, você sabe que é capaz de produzir coisas de natureza oposta para corrigi-lo, para transformá-lo. Livre arbítrio é possível no aqui e agora.

 

Suponha que ontem eu disse algo não muito agradável para o meu irmão menor. Isto é algo feito, já concluído. Causou danos dentro de mim e dentro dele. E hoje eu acordo e compreendo que produzi um carma, uma ação que foi destrutiva. Agora quero retificar aquilo. Estou determinada a dizer algo diferente hoje quando encontrá-lo. Expresso uma opinião a partir do meu insight, minha compaixão, meu amor. Esta opinião está sendo produzida hoje, não ontem; mas ela vai tocar as palavras que eu disse ontem, transformá-las e corrigi-las. De repente sinto a cura acontecendo dentro de mim e a cura acontecendo dentro do meu irmão ou colega de trabalho, porque este segundo ato também carrega a minha assinatura.

 

Suponha que de manhã uma pessoa cheia de impaciência grita com seu filho. Isto é um erro, uma ação negativa. E suponha que de noite, esta mesma pessoa faz algo muito bom: salva um cachorro de ser atropelado por um carro. Aquela é uma ação muito boa. Cada ação é uma semente plantada dentro da consciência armazenadora dela. Nenhuma ação, nenhum pensamento, nenhuma palavra se perde. Então para onde irá aquela pessoa, se combinarmos ação um e ação dois?

 

Para saber para onde você está indo, em que direção, apenas olhe para a significação das sementes dentro da sua consciência armazenadora e você conhecerá seu caminho. Tudo depende do seu carma, das suas ações, em termos de pensar, em termos de falar em termos de agir. Você decide. Ninguém mais decide seu futuro. Isto é vipaka.

 

Toda vez que você produz um pensamento, isto é ação. Buda propôs que praticássemos o pensamento correto, pensamento que vai em direção da não-discriminação, da compaixão e da compreensão. Sabemos que somos capazes de produzir tal pensamento, um pensamento de compaixão, um pensamento de não segregação. Todas as vezes que produzimos um pensamento como este, ele terá um efeito benéfico em nosso corpo e no mundo. Um bom pensamento tem o efeito de curar o seu corpo, a sua mente e o mundo. Isto é ação. Se você produz um pensamento de raiva, de ódio e desespero, isto não é bom para sua saúde ou para a saúde do mundo. Atenção desempenha um papel muito importante. Dependendo do tipo de ambiente que você mora e do que você presta atenção, você tem uma chance maior ou menor de produzir bons pensamentos e ir em direção do pensar correto.

 

Todo pensamento que você produz carrega a sua assinatura. Você não pode dizer que ele não é você. Você é responsável por aquele pensamento e aquele pensamento é sua continuação. Seu pensamento é a essência do seu ser e da sua vida, e uma vez produzido, ele continua, pode jamais se perder. Podemos conceber nossos pensamentos como um tipo de energia que terá uma reação em cadeia no mundo. Por isso é bom cuidar para que produzamos muitos pensamentos benéficos todos os dias. Sabemos que se quisermos, podemos produzir pensamentos de compaixão, compreensão, irmandade e não-discriminação; e cada um deles carrega nossa assinatura, eles são nós, eles são nossos futuros, eles nunca podem se perder. É muito claro que um pensamento de compaixão, um pensamento de irmandade, compreensão e amor tem o poder de curar: curar o seu corpo, curar sua mente e curar o mundo. O livre arbítrio é possível, porque você sabe que consegue produzir tais pensamentos, com a ajuda de Buda, com a ajuda do seu irmão, da sua irmã na comunidade, com a ajuda do Darma que você aprendeu.

 

O que você diz também carrega a sua assinatura e é o seu carma. Sua fala pode expressar compreensão, amor e perdão. Desde que você use a fala correta, esta fala possui um efeito de cura. A fala correta tem o poder de curar e transformar e pode ser usada a qualquer momento. Você tem a semente de compaixão, compreensão e perdão dentro de si. Permita que elas se manifestem. Você pode parar de ler agora mesmo e telefonar para alguém e, usando a fala correta expressar compaixão, empatia, amor e perdão. O que você está esperando? Isto é ação real. A reconciliação pode ser obtida imediatamente com a prática da fala amorosa. A fala correta está na direção do perdão, compreensão e compaixão. Pegue o telefone e faça isso. Depois de ter feito isto você se sentirá bem melhor, a outra pessoa se sentirá muito melhor e reconciliação acontecerá imediatamente. Os pensamentos que você produziu e as palavras que você falou também estarão lá como suas continuações.

 

O que você pode fazer para aliviar sofrimento? Que tipo de ação pode ser alcançada todo dia para expressar compaixão? Os atos físicos são o terceiro aspecto de sua continuação. E nós sabemos que somos capazes de fazer algo para proteger pessoas, proteger animais, proteger o ambiente. Podemos fazer algo para salvar um ser vivo hoje. Pode ser algo pequeno, como abrir uma janela para um inseto sair voando. Ou pode ser grande como alimentar e agasalhar alguém que precisa de ajuda. Todo dia nós estamos em controle do nosso carma, de maneiras grandes e pequenas, e, no entanto, tão freqüentemente sentimos como se tivéssemos nenhum livre arbítrio ou controle.

 

(Do livro Buddha Mind, Buddha Body: Walking toward Enlightenment, de Thich Nhat Hanh)

(Tradução para o português: Tâm Vân Lang)

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