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 Estudos Budistas

Tradição do Ven. Thich Nhat Hanh

 

Começar de Novo

 

Em Plum Village praticamos “Começar de Novo” toda semana. Nesta prática, todos da comunidade se sentam em um círculo com um vaso de flores frescas no centro. Cada um de nós segue nossa respiração enquanto esperamos que o facilitador comece com algumas observações de abertura. A prática do “Começar de Novo” tem quatro fases: "regar as flores," expressar as lamentações, expressar as dores e dificuldades e, por fim, verificar e pedir mais informações. Essa prática ajuda a evitar que sentimentos de dor se acumulem muitas semanas e cria uma maneira segura para toda a família ou comunidade se comunicar.

 

Quando uma pessoa está pronta para falar, ela junta as palmas das mãos e os outros também juntam as suas palmas para reconhecer o direito de falar. Então ela se levanta, caminha conscientemente para as flores, pega o vaso e o coloca na sua frente enquanto retorna ao seu assento. Quando fala, suas palavras refletem o frescor e a beleza das flores na sua frente.

 

Primeiro, vamos praticar o que chamamos de “regar as flores”. Durante essa fase, quem fala reconhece as qualidades saudáveis e maravilhosas dos outros. É importante notar que isto não é bajulação. Nós sempre falamos a verdade. Todo mundo tem alguns pontos fortes que podem ser vistos com consciência.

 

Ninguém pode interromper a pessoa segurando a flor. Ela tem quanto tempo precisar para falar, e todos os outros praticam escuta profunda. Se ela também tem coisas para compartilhar dos outros três estágios da prática do Começar de Novo, ela continua a fazê-lo. Seja quando for que terminar de falar, ela se levanta e retorna conscientemente o vaso para o centro da sala.

 

Na segunda parte da prática, expressamos nossos pesares pelas coisas que podemos ter dito ou feito que podem ter machucado ou perturbado os outros. Não é preciso mais do que uma frase impensada para magoar alguém. Uma sessão de Começar de Novo é uma oportunidade para recordar algumas palavras desatentas ou ações do início da semana e desfazer qualquer nó que possa ter se formado como resultado.

 

Na terceira parte, expressamos as maneiras como os outros nos magoaram. Respeitosamente, a fala amorosa é crucial. Estamos falando para ajudar a curar e fortalecer o relacionamento, não para prejudicá-lo. Vamos falar francamente, mas não queremos ser destrutivos.

 

Escuta compassiva é possivelmente a parte mais importante da prática. Quando uma pessoa pode sentar-se em um círculo de amigos que estão todos praticando a escuta profunda, seu discurso torna-se mais bonito e mais construtivo. Todos ouvem com a motivação para aliviar o sofrimento dessa pessoa, não para julgar ou discutir com ela.

 

Nós escutamos com toda a nossa atenção. Mesmo que possamos ouvir algo que sabemos que não é verdade, continuamos a ouvir profundamente, então o outro pode expressar a sua dor e liberar as tensões de dentro de si mesmo. Se respondermos ou corrigirmos, a prática não vai dar frutos. Nesse momento, nós só escutamos. Se nós precisarmos dizer a outra pessoa que sua percepção não era correta, podemos fazer isso alguns dias mais tarde, em particular e com calma. Então, na próxima sessão de Começar de Novo, ele pode compartilhar um arrependimento pelo mal-entendido e não teremos que dizer nada.

 

Por último, há uma chance de fazer perguntas reais e obter mais informações. Muitas vezes nosso sofrimento vem de informações imprecisas ou insuficientes. Descobrir o que está acontecendo com a outra pessoa e o que está por trás de suas ações pode ser um caminho para reparar um relacionamento.

 

Pode-se fechar a sessão com uma canção ou com todos de mãos dadas em um círculo e respirando por um minuto. Às vezes terminamos com a Meditação do Abraço. Se nós praticarmos corretamente, sempre nos sentiremos mais leves depois, mesmo se apenas tivermos dado um passo preliminar para cura. Agora temos a confiança que, tendo começado, podemos continuar.

 

A prática de Começar de Novo remonta o tempo do Buda. Suas comunidades de monges e monjas praticavam na véspera de cada lua cheia e lua nova.

 

A Meditação do Abraço, por outro lado, é algo que eu inventei. A primeira vez que fui abraçado foi em Atlanta, em 1966. Uma poeta levou-me ao aeroporto e então perguntou: "É certo abraçar um monge budista?" No meu país, não estamos acostumados a nos expressar assim em público, mas eu pensei, "Eu sou um professor de Zen. Não deve ser nenhum problema eu fazer isso." Então eu disse, "Por que não?" e ela me abraçou, embora eu estivesse duro.

 

Enquanto estava no avião, decidi que se eu queria trabalhar com amigos no ocidente, teria que elaborar práticas adaptadas para a cultura ocidental. É por isso que eu inventei a Meditação do Abraço. Essa meditação é uma combinação do Oriente e do Ocidente. A prática é realmente abraçar a outra pessoa e não fazê-lo apenas por uma questão de aparência, batendo rapidamente nas costas duas ou três vezes.

 

Nessa meditação, você começa por um momento olhando para a outra pessoa e percebendo como ela é querida para você. Faça três respirações, apenas olhando para a outra pessoa e sinta sua presença verdadeira.

 

Enquanto você abre seus braços para abraçá-la, respire conscientemente e abrace com todo seu corpo, mente e coração. "Inspirando, eu sei que meu querido está aqui nos meus braços, vivo. Expirando, ele é tão precioso para mim."

 

Quando você ama alguém, quer que essa pessoa seja feliz. Se ela não está feliz, não há nenhuma maneira de você poder ser feliz. Felicidade não é uma questão individual. Verdadeiro amor requer compreensão profunda, ver a profundidade das trevas, dor e sofrimento da outra pessoa. Se você não a entende, não pode amá-la corretamente; seu amor só fará com que ela sofra.

 

No sudeste da Ásia, muitas pessoas são extremamente afeiçoadas a uma fruta grande e pontiaguda chamada durian. Você pode dizer que são viciadas nisso. Seu cheiro é extremamente forte e quando algumas pessoas acabam de comer a fruta, colocam a casca debaixo da cama para que possam continuar a sentir o cheiro. Para outros, inclusive eu, o cheiro do durian é horroroso.

 

Um dia quando eu estava cantando sozinho em meu templo no Vietnã, no altar havia um durian que tinha sido oferecido ao Buda. Estava tentando recitar o Sutra de Lótus, usando o tambor de madeira habitual e o grande sino em forma de tigela para acompanhamento, mas não conseguia me concentrar em nada por causa do cheiro do durian. Eu finalmente decidi virar o sino de ponta-cabeça para isolar o durian, e assim poder cantar o sutra. Depois que eu terminei, curvei-me ao Buda e libertei o durian. Se você me dissesse, "Eu te amo tanto, eu gostaria que você comesse esse durian especial," eu iria sofrer. Você me ama, quer que eu seja feliz, mas você me obriga a comer durian. Isso seria um exemplo de amor, sem compreensão. Sua intenção é boa, mas você não tem o entendimento correto.

 

Criar a felicidade é uma arte. Se durante sua infância, você viu sua mãe ou pai criando felicidade na sua família, provavelmente foi capaz de aprender essa técnica. Mas, se seus pais não souberam como criar felicidade na família, você não pode saber como fazê-lo.

 

(Do livro “Beginning anew”– Thich Nhat Hanh)

(Traduzido por Leonardo Dobbin)

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