Sangha Virtual

 Estudos Budistas

Tradição do Ven. Thich Nhat Hanh

 

Como Meditar

 

Por que (...) meditar? Antes de tudo, para conseguir um total descanso. Você sabe, que nem sempre uma noite de sono proporciona um descanso real. Com os músculos da face tensos, torcendo-se e remexendo-se, enquanto sonha, a pessoa não pode descansar de verdade. O simples deitar-se não oferece descanso, pelo menos enquanto a pessoa está muito inquieta e põe-se a remexer de um lado para o outro. Deitar-se de costas com braços e pernas estirados, a cabeça sem se apoiar sobre nenhuma espécie de travesseiro - esta sim, é uma posição boa para descansar, praticar respiração e relaxar os músculos; mas desta forma é também fácil pegar no sono. Deitado, você não poderá meditar por tanto tempo quanto se estiver sentado. É possível, entretanto obter total descanso numa posição sentada e, por conseguinte atingir maior profundidade na meditação assim dissolver preocupações e problemas que bloqueiam sua mente.

 

Eu sei que (...) há muitos que podem sentar na posição de lótus completo, o pé esquerdo apoiado sobre a coxa direita e o pé direito apoiado sobre a coxa esquerda. Outros podem sentar em meio lótus, o pé esquerdo apoiado sobre a coxa direita ou o pé direito sobre a coxa esquerda. Na nossa aula de meditação, em Paris há pessoas que não conseguem sentar em nenhuma dessas posições e por isso ensino-lhes a maneira japonesa, ou seja, com os joelhos dobrados e o tronco apoiado sobre ambas as pernas. Pondo alguma espécie de acolchoado sob os pés, a pessoa pode facilmente permanecer nessa posição por hora ou hora e meia.

 

Mas na verdade qualquer pessoa pode aprender a sentar em meio lótus, ainda que no início possa causar alguma dor. Gradualmente, após algumas semanas de treino, a posição se tornará confortável. No início, enquanto a dor ainda causar muito desconforto, a pessoa, deve alterar a posição das pernas ou a posição de sentar. Para as posturas de lótus completo e meio lótus convém sentar-se sobre uma almofada, de forma a que os dois joelhos se apóiem contra o chão. Os três pontos de apoio dessa posição proporcionam uma grande estabilidade.

 

Mantenha as costas eretas. Isso é muito importante. O pescoço e a cabeça devem ficar em alinhamento com a coluna. A postura deve ser reta, mas não rígida. Mantenha os olhos semi-abertos, focalizados a uns dois metros à sua frente. Mantenha leve sorriso. Agora comece a seguir sua respiração e a relaxar todos os músculos. Concentre-se em manter sua coluna ereta e em seguir sua respiração. Solte-se quanto a tudo mais. Abandone-se inteiramente. Se quiser relaxar os músculos de seu rosto, contraídos pelas preocupações, medo e tristeza, deixe um leve sorriso aflorar em sua face. Quando o leve sorriso surge, todos os músculos faciais começam a relaxar. Quanto mais tempo o leve sorriso for mantido, melhor. É o mesmo sorriso que você vê na face de Buda.

 

À altura do ventre, pose sua mão esquerda com a palma voltada para cima sobre a palma da mão direita. Solte todos os músculos dos dedos, braços e pernas. Solte-se todo como as plantas aquáticas que flutuam na corrente, enquanto sob a superfície das águas o leito do rio permanece imóvel. Não se prenda a nada a não ser à respiração e ao leve sorriso.

 

Para os principiantes, convém não ficar sentado além de vinte ou trinta minutos. Durante esse tempo você tem que ser capaz de obter descanso total. A técnica para tal obtenção reside em duas coisas: observar e soltar, observar a respiração e soltar tudo mais. Solte cada músculo de seu corpo. Após uns quinze minutos, uma serenidade profunda poderá ser alcançada, enchendo-o interiormente de paz e contentamento. Mantenha-se nessa quietude.

 

Algumas pessoas encaram a meditação como uma labuta, desejando que o tempo passe rápido a fim de descansarem depois. Essas pessoas não aprenderam ainda o que é meditar. Se você sentar de forma correta, é possível encontrar total relaxamento e paz, exatamente nessa posição. Geralmente sugiro a essas pessoas que meditem tendo em mente a imagem de um seixo atirado ao rio.

 

Como usar a imagem do seixo? Sente-se na posição em que melhor se sentir, lótus completo ou meio lótus, com a coluna reta e leve sorriso nos lábios. Respire devagar e profundamente, acompanhando cada respiração, unificando-se com ela. Desligue-se de tudo. Imagine que você é um seixo atirado no rio. O seixo afunda na água, sem nenhum esforço. Desapegado de qualquer coisa, ele lentamente afunda pela mais curta distância, para atingir finalmente o fundo do rio, o ponto de descanso perfeito. Você, praticamente, é como o seixo que, desligando-se de tudo, deixou-se cair no rio. No centro de seu ser está sua respiração. Você não precisa saber quanto tempo leva até que possa alcançar o ponto do perfeito repouso, o leito de areia no fundo das águas.

 

Quando você se sentir como o seixo que atingiu o fundo do rio, você terá alcançado o ponto em que encontrará seu perfeito repouso. Você não estará mais sendo empurrado ou puxado por nada. Se você não conseguir encontrar paz e contentamento nesses momentos em que está sentado, então o futuro lhe escapará como um rio que passa, você não poderá fazê-lo voltar atrás, e será incapaz de viver o futuro quando ele tiver se transformado em presente. Toda a paz e contentamento possíveis são esses que surgem ao sentar-se. Se você não consegue encontrá-los aí, não os encontrará em nenhum outro lugar. Não persiga seus pensamentos como a sombra que segue seu objeto. Não corra atrás de seus pensamentos. Não adie, seja capaz de encontrar paz e contentamento nesse exato momento em que está sentado.

 

Esse é o seu tempo, esse lugar em que está sentado é o seu lugar. É nesse exato lugar, nesse exato momento, que você pode se tomar um Buda e não sob uma árvore especial em algum longínquo país.

 

O conforto que lhe proporciona o sentar-se depende de sua assiduidade na prática de manter a mente alerta na sua vida diária. Depende também se você senta ou não de acordo com as instruções. Uma hora de meditação por noite deveria ser organizada em cada comunidade. E às pessoas de fora, que quisessem participar, deveria ser dado o direito de sentarem também.

 

Alguém poderá perguntar: é então o relaxamento o único objetivo da meditação? Na verdade, a meditação vai muito mais além. O relaxamento, entretanto, é necessário como ponto de partida, já que só após obtê-lo é que a pessoa consegue tranqüilizar o coração e clarear a mente. Ter o coração tranqüilo e a mente clara já é avançar bastante no caminho da meditação. Não devemos nos esquecer de que alertar a mente para a respiração é um método maravilhoso que pode ser usado sempre e não apenas no início da prática. (...)

 

E, para obter controle da mente e aquietá-la, temos que estar alertas também para os nossos sentimentos e percepções, observando e reconhecendo cada sentimento ou pensamento que surge. Assim se referiu a respeito o mestre zen Thoung Chien, ao final da dinastia de Ly: "Se o praticante for capaz de enxergar claramente como funciona sua mente, poderá obter resultados com pouco esforço. Do contrário, todo seu esforço será perdido". Só há uma forma de se conhecer a mente: observar e reconhecer tudo sobre ela. E isto deve ser feito todo o tempo, não só nos momentos de meditação como também no dia-a-dia.

 

Inúmeros pensamentos e sentimentos surgem durante a meditação. E se não estivermos atentos à respiração, seremos arrastados por eles. Mas a respiração não é apenas um meio através do qual podemos nos tomar imunes a tais pensamentos e sentimentos. A meditação é o veículo que, unindo o corpo à mente, abre as portas da sabedoria. Nossa intenção, ao surgir um sentimento ou pensamento, não deve ser de afugentá-los, pois, continuando nós concentrados na respiração, eles se afastarão naturalmente. Tampouco deve ser de odiá-los, espantar-se ou preocupar-se com eles.

 

O que deve então ser feito? Simplesmente reconhecer a presença deles. Se surge, por exemplo. um sentimento de tristeza, reconheça-o imediatamente: "Um sentimento de tristeza está surgindo em mim". Se o mesmo sentimento continuar, continue a reconhecê-lo: "Um sentimento de tristeza continua existindo em mim". Se surge um pensamento como: "É tarde, mas os vizinhos ainda estão fazendo barulho". Reconheça-o da mesma forma e se o mesmo continuar, reconheça que ele está continuando a existir. Reconheço, enfim, qualquer espécie de sentimento ou pensamento que surja. O essencial é não deixar que eles surjam sem que os reconheça prontamente, tal como a sentinela que, à porta do palácio, observa cada fisionomia que entra ou sai. Não havendo nenhum sentimento ou pensamento, reconheça não estar havendo nem um nem outro.

 

Esse treino nos faz tomar consciência dos nossos sentimentos e pensamentos. E, através dele, você pode manter o controle da mente. Pode-se, pois, juntar método de alertar a mente à respiração ao de tomar consciência dos pensamentos e sentimentos ao mesmo tempo.

 

Ao praticar o exercício de alertar a mente, não se deixe dominar pela distinção entre bom e mau, criando assim uma luta em seu interior. Sempre que um pensamento positivo surgir, reconheça isso: "Um pensamento positivo acaba de surgir". Não se apegue ao pensamento, mesmo que este lhe seja agradável, assim como não tente repeli-lo mesmo que ele lhe seja desagradável. Reconhecê-lo é o suficiente.

 

Se você tiver se distraído, deve saber que se distraiu, e, se estiver presente, deve reconhecer que está presente. Uma vez alcançada essa consciência, nada mais o perturbará. (...) Tentar segurar ou repelir qualquer pensamento não é o importante. O importante é estar consciente dele.

 

               

(Do livro Para Viver em Paz – Thich Nhat Hanh)

 

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