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Tradição do Ven. Thich Nhat Hanh

 

Palestra sobre Dharma: Cultivando Nossas Qualidades de Bodhisattva (parte 2)

 

Bodhisattvas são seres despertos. Também temos nossa natureza de despertar, não menos do que eles, mas temos que nos treinar. Uma maneira é praticar a invocação dos nomes de quatro grandes bodhisattvas - Avalokiteshvara (Observador dos Gritos do Mundo), Manjushri (Grande Entendimento), Samantabhadra (Bondade Universal) e Kshitigarbha (Armazém da Terra). Quando recitamos seus nomes de maneira profunda e relaxada, cada palavra pode tocar nosso coração e o coração de quem está ouvindo. No início, ainda nos sentimos separados desses bodhisattvas. Mas, praticando constantemente, percebemos que somos Avalokiteshvara, Manjushri, Samantabhadra e Kshitigarbha. Não importa se foram figuras históricas, nascidas em tal e tal ano ou em tal e tal lugar. A chave é perceber suas qualidades dentro de nós.

 

Invocamos seu nome, Samantabhadra, queremos praticar o seu voto de agir com os olhos e o coração de compaixão, de levar alegria a uma pessoa pela manhã e aliviar a dor de uma pessoa à tarde. Sabemos que a felicidade dos outros é nossa própria felicidade e aspiramos praticar a alegria no caminho do serviço. Sabemos que cada palavra, cada olhar, cada ação e cada sorriso podem trazer felicidade para os outros. Sabemos que, se praticarmos de todo o coração, podemos nos tornar uma fonte inesgotável de paz e alegria para nossos entes queridos e para todas as espécies.

 

Samantabhadra é o bodhisattva de grande ação e bondade universal. Ele trabalha muito e tem disposição e capacidade para ajudar. Para agir profundamente, devemos compreender e amar profundamente. Para salvar o mundo, precisamos dos olhos de Manjushri, do coração de Avalokiteshvara e das mãos de Samantabhadra.

 

Quem não pratica sofre muito. Ao entrar em uma prática espiritual, você se sente alegre. Se você não é um praticante alegre, olhe mais profundamente para descobrir a alegria que existe dentro de você. Às vezes, uma notícia ruim invade toda a nossa mente e esquecemos os muitos elementos alegres em nós. A prática é observar nossa situação infeliz - sim, algo aconteceu - mas também ficar em contato com os muitos elementos alegres, para não nos afogarmos em nossas dificuldades.

 

A prática de Samantabhadra não é falar muito, mas agir. Nós nos esforçamos para levar alegria para uma pessoa pela manhã e ajudar a aliviar o sofrimento de uma pessoa à tarde. Quando você está apenas começando a ser um bodhisattva, você pode fazer isso. Quando você é um bodhisattva maior, pode trazer alegria para muitas pessoas e ajudar a aliviar o sofrimento de muitas outras. Cada palavra, cada olhar, cada ato e cada sorriso podem trazer felicidade para os outros. Quando você sabe como andar conscientemente, com felicidade, bondade e humildade, já está levando alegria para muitas pessoas. Praticando diligentemente, nos tornamos uma fonte de paz e alegria para aqueles que amamos e todos os seres vivos. A alegria dos outros é nossa própria alegria. Essa é a sabedoria do interser.

 

Invocamos seu nome, Kshitigarbha, queremos aprender a sua maneira de estar presente onde existe escuridão, sofrimento, opressão e desespero, para que possamos levar luz, esperança, alívio e libertação a esses lugares. Estamos determinados a não esquecer ou abandonar aqueles em situações desesperadoras. Faremos o possível para estabelecer contato com aqueles que não encontram uma saída para o seu sofrimento, aqueles cujos gritos por ajuda, justiça, igualdade e direitos humanos não estão sendo ouvidos. Sabemos que o inferno pode ser encontrado em muitos lugares da Terra. Faremos o nosso melhor para não contribuir para a criação de mais infernos na Terra e ajudaremos a transformar os infernos que já existem. Vamos praticar para perceber as qualidades de perseverança e estabilidade, para que, como a Terra, possamos estar sempre solidários e fiéis aos necessitados.

 

Kshitigarbha Bodhisattva representa o grande voto de salvar todos os seres vivos, especialmente aqueles que estão presos nas condições mais infernais. Kshitigarbha assume o compromisso de nunca abandonar ninguém. Onde quer que as pessoas sofram mais, é aí que o encontraremos. Kshitigarbha sempre fará o possível para abordar e apoiar aqueles que estão nas prisões, câmaras de tortura e em todos os infernos onde as pessoas estão passando pelo maior sofrimento. Ele representa a qualidade de não abandonar ninguém.

 

O voto de Kshitigarbha é: "Até que todos os infernos sejam esvaziados, não me tornarei um Buda. Permanecerei na Terra até que todos os seres sencientes sejam libertados." Este é o maior dos votos. Isso significa que ele não abandonará aqueles que sofrem. Não podemos abandonar aquele que amamos. Ela pode ser difícil, mas não podemos abandoná-la. Quando ele está no inferno, quando está sofrendo, é o momento em que mais precisa de nós.

 

Existem países onde as pessoas são presas injustamente, onde as pessoas são privadas dos direitos humanos básicos e vivem na opressão, onde as pessoas estão tão desesperadas para comunicar a realidade de seu sofrimento ao mundo exterior que jogam gasolina em seus próprios corpos e se queimam. Se não fizermos nada para ajudá-las, falharemos em nosso voto. Vivemos em uma sociedade com muitos luxos materiais. Temos cobiça de uma coisa ou de outra, e não percebemos que há pessoas na prisão que só querem viver com dignidade. A prática de Kshitigarbha é chegar a essas situações desesperadoras, fazer o melhor para estar lá e ajudar.

 

Existem pessoas que nunca ouviram o nome de Kshitigarbha, mas manifestam essas qualidades todos os dias. Em grandes cidades como Chicago, Nova York, Manila e Washington D.C., existem muitos infernos. Temos que encontrar esses infernos e desmantelá-los para ajudar as pessoas e aliviar seu sofrimento. Podemos ter a ideia de que não criamos esse inferno, então não somos responsáveis. Mas estamos constantemente criando infernos por nosso esquecimento, nosso ciúme e nosso desejo. Quando agimos ou falamos indiferentemente, causamos sofrimento àqueles ao nosso redor. O inferno existe em todo lugar, mas continuamos a viver de maneiras que prejudicam os outros. Vivendo com consciência, deixamos claro que não queremos criar mais infernos, que não queremos mais contribuir para o sofrimento de ninguém.

 

Kshitigarbha significa "Armazenamento da Terra". A terra nunca discrimina. Ela absorve tudo e transforma tudo em flores. Queremos aprender a ser como a Terra - sólido, estável e profundo. A terra tem a qualidade de aceitar e liberar tudo. Como podemos apoiar os outros se não temos a solidez da terra? Se vemos que não somos sólidos, devemos treinar para nos tornarmos sólidos.

 

(Palestra de Dharma realizada em Plum Village no outono de 1998– Thich Nhat Hanh)

(Traduzido por Leonardo Dobbin)

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