Sangha Virtual

 Estudos Budistas

Tradição do Ven. Thich Nhat Hanh

 

Digo olá ao meu sofrimento

 

O primeiro passo na arte de transformar o sofrimento é voltar para o nosso sofrimento e reconhecê-lo. Para a maioria de nós, sempre há um discurso mental dia e noite em nossas cabeças. Nós revivemos o passado, nos preocupamos com o futuro. Não paramos para respirar, mesmo para notar que estamos sofrendo - até que de repente, aparentemente do nada, o sofrimento nos esmaga. Nossos pensamentos, percepções e preocupações tomam todo o espaço dentro de nós e nos impedem de estar em contato com o que acontece a cada momento.

 

O Buda disse que nada pode sobreviver sem alimento. Isso é verdade, não apenas para a existência física de seres vivos, mas também para estados mentais. O amor precisa ser nutrido e alimentado para sobreviver; e nosso sofrimento também sobrevive porque o alimentamos. Nós ruminamos o sofrimento, o arrependimento e a tristeza. Nós os mastigamos, engolimos, os trazemos de volta e os comemos uma outra vez. Se estamos alimentando nosso sofrimento enquanto caminhamos, trabalhamos, comemos ou falamos, estamos nos tornando vítimas dos fantasmas do passado, do futuro ou de nossas preocupações no presente. Não estamos vivendo nossas vidas.

 

Se tentarmos usar o consumo para ignorar ou nos distrair do sofrimento, acabamos piorando o sofrimento. Ligamos a televisão. Conversamos, enviamos texto ou fofocamos no telefone. Entramos na Internet. Encontramo-nos na frente da geladeira muitas e muitas vezes. Quando nos separamos da dor em nossa mente, também estamos abandonando nossos corpos onde o sofrimento está sendo armazenado.

 

Quando sentimos solidão e desespero, procuramos encobri-los e fingimos que não estão presentes. Nós não nos sentimos muito bem por dentro, então, para esquecer, vamos procurar algo para comer, mesmo que não tenhamos fome. Nós comemos na tentativa de nos sentir melhor, mas acabamos ficando viciados em comer, porque estamos tentando encobrir o sofrimento interior e o problema real não é resolvido. Podemos também nos tornar viciados em jogos de computador ou outros tipos de entretenimento audiovisual.

 

As distrações eletrônicas não só não ajudam a curar o sofrimento subjacente, mas também podem conter histórias ou imagens que alimentam nosso desejo, ciúmes, raiva ou desespero. Em vez de nos fazer sentir melhor, elas nos adormecem apenas brevemente, então nos fazem sentir pior. Consumir para encobrir nosso sofrimento não funciona. Precisamos de uma prática espiritual para ter força e habilidade para analisar profundamente o nosso sofrimento, para obter informações sobre ele e ter um insight.

 

Quando surge o sofrimento, a primeira coisa a fazer é parar, seguir nossa respiração e reconhecê-lo. Não tente negar emoções desconfortáveis ​​ou encobri-las.

 

Inspirando, eu sei que o sofrimento está presente.

Expirando, digo olá ao meu sofrimento.

 

Ter uma respiração consciente exige a presença de nossa mente, nosso corpo e da nossa intenção. Através da nossa respiração consciente, reunimos nosso corpo e mente e chegamos no momento presente. Apenas respirar conscientemente já nos traz uma quantidade surpreendente de liberdade. Com cada respiração geramos energia consciente, trazendo mente e corpo juntos no presente momento para reconhecer de forma atenciosa o nosso sofrimento. Em apenas duas ou três respirações realizadas com toda a atenção, você pode notar que o arrependimento e tristeza sobre o passado fazem uma pausa, bem como a incerteza, o medo e as preocupações com o futuro.

 

Cada um de nós tem um corpo, mas nem sempre estamos em contato com ele. Talvez nosso corpo precise de nós, ele está nos chamando, mas não ouvimos. Estamos tão envolvidos no trabalho no nosso computador, no nosso telefone ou na nossa conversa, que podemos esquecer até que temos um corpo.

 

Se pudermos entrar em contato com nosso corpo, também poderemos entrar em contato com nossos sentimentos. Há muitos sentimentos que nos chamam. Todo sentimento é como nosso filho. O sofrimento é uma criança ferida gritando para nós. Mas ignoramos a voz da criança interior.

 

O processo de cura começa quando respiramos conscientemente. Na vida quotidiana, muitas vezes, nosso corpo está aqui, mas nossa mente está longe, no passado, no futuro ou em nossos projetos. A mente não está com o corpo. Quando respiramos e focamos nossa atenção em nossa inspiração, reunimos corpo e mente. Tomamos consciência do que está acontecendo no momento presente, no nosso corpo, nas nossas percepções e ao nosso redor.

 

Quando trazemos a mente para o nosso corpo, acontece algo maravilhoso; nosso discurso mental para de tagarelar. Pensar pode ser produtivo, mas a realidade é que a maior parte do nosso pensamento é improdutivo. Quando pensamos, pode ser fácil nos perdermos em nosso pensamento. Mas quando usamos nossa respiração para levar nossa mente para o corpo, podemos parar o pensamento.

 

Quando você volta para si mesmo e respira com atenção, a sua mente tem apenas um objeto, sua respiração. Se você continuar a respirar com atenção, você mantém esse estado de presença e liberdade. Sua mente será mais clara e você tomará melhores decisões. É muito melhor tomar uma decisão quando sua mente é clara e livre, em vez de dominada pelo medo, pela ira e preocupações.

 

Quando eu era um jovem monge, acreditava que demorava muito para se obter qualquer tipo de insight. A verdade é que existem insights que podem vir imediatamente. Quando você se esforça para respirar, sabe de imediato que está vivo e que estar vivo é uma maravilha. Se você pode estar ciente de que tem um corpo vivo e percebe quando há tensão em seu corpo, isso já é um insight importante. Com essa visão, você já começou a diagnosticar a situação. Você não precisa praticar oito anos ou vinte anos para acordar.

 

Respirar com atenção não é algo difícil de fazer. Você não precisa sofrer enquanto respira. Você já está fazendo isso o dia todo. Você não precisa se esforçar para controlar sua respiração. Na verdade, respirar pode se tornar um verdadeiro prazer. Você apenas se permite respirar naturalmente enquanto foca sua atenção em sua inspiração. É como o sol da manhã em uma flor que fechou durante a noite. O sol não interfere com a flor. A luz do sol apenas a abraça e subtilmente permeia a flor. Abraçada pela energia do sol, a flor começa a florescer.

 

(Trecho do livro de Thich Nhat Hanh – No mud no lotus)

(Tradução – Leonardo Dobbin)

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