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Tradição do Ven. Thich Nhat Hanh

 

Os elementos do ser

 

O segundo elemento do nosso ser são os nossos sentimentos. Muitas vezes, nossos sentimentos são deixados de lado. A respiração atenta pode nos ajudar a voltar aos nossos sentimentos, a reconhecê-los, a nos reconciliar com eles, a examinar profundamente a natureza de nossos sentimentos para que a compreensão seja possível. Ao praticar a respiração consciente, podemos cuidar bem de nossos sentimentos, podemos acalmá-los.

 

Podemos ajudar na transformação e cura de nossos sentimentos. Descobrimos que nossos sentimentos estão muito interconectados com nosso corpo. Você não pode tirar seus sentimentos de seu corpo e não pode tirar seu corpo de seus sentimentos. Corpo e sentimentos intersão.

 

O terceiro aspecto de nosso ser é chamado de formações mentais. Formação é um termo técnico, significa coisas que são condicionadas por diferentes tipos de elementos. Uma flor é uma formação porque a flor é feita de vários elementos. Quando esses elementos se juntam, a flor se manifesta. Entre os elementos, podemos ver a luz do sol. Se tocarmos profundamente o ser da flor, tocaremos a luz do sol. Sabemos que não podemos tirar a luz do sol da flor. Se tirarmos a luz do sol da flor, a flor entrará em colapso, não haverá flor. A flor e o sol intersão.

 

Quando tocamos a flor profundamente, podemos tocar também uma nuvem. Obviamente, há uma nuvem no coração da flor e você também não pode tirar a nuvem da flor. A nuvem e a flor intersão. Portanto, se continuarmos a olhar profundamente, veremos a terra, os minerais, o ar, tudo na flor. Todos esses elementos se juntaram para produzir uma formação que é chamada de flor. Todas as formações são impermanentes porque um dia, quando uma das condições não for mais suficiente, haverá uma dissolução da formação, não haverá flor. Portanto, a flor é uma formação. É uma formação física, um tipo de formação.

 

Existem outros tipos de formações que não são físicas, como o nosso medo. Nosso medo é uma formação. É feito de vários elementos, incluindo o elemento ignorância. Essa formação é chamada de formação mental. Medo, desespero, angústia, apego, amor, atenção plena, tudo isso são formações mentais. Na minha tradição, falamos sobre 51 categorias de formações mentais A prática da respiração consciente pode nos aproximar de nossas formações mentais quando elas se manifestam dentro de nós.

 

Às vezes, o medo se manifesta em nós como uma formação mental e nossa respiração atenta pode nos trazer de volta àquela formação mental que é chamada de medo, para que possamos abraçá-la, abraçar nosso medo. Olhar profundamente a natureza do nosso medo para nos reconciliarmos com ele. E se agirmos bem, podemos acalmá-lo. Podemos olhar profundamente em nosso medo e podemos descobrir a verdadeira natureza dele. A percepção de nosso medo nos ajudará a transformá-lo.

 

Isso vale para todas as outras formações mentais, assim como a raiva, o desespero a agitação, a inquietação. Às vezes, a inquietação existe como uma energia e nos impede de ficar em paz. Impede o bem-estar de estar presente. A inquietação não nos permite ficar calmos, ser felizes. Quando a inquietação se manifesta dentro de nós, podemos praticar a respiração atenta para voltar a ela e abraçá-la com atenção, ternura e amor.

 

Portanto, temos a chance de acalmar essa formação mental, de olhar profundamente para ela e ver as razões, as raízes profundas de nossa inquietação. Isso é chamado a prática de olhar profundamente.

 

A prática consiste em duas partes. A primeira parte é acalmar. A segunda parte é olhar profundamente. No momento em que você usa a energia da atenção plena para abraçar sua formação mental, a partir desse momento há uma tendência dessa formação mental se acalmar. Na medida que você continua abraçando sua formação mental, é capaz de examiná-la e começa a ter o insight de que precisa. Por quê? Que tipo de condições trouxeram essa formação mental para você? Essa é a prática de olhar profundamente, que é chamada de vipashyana em sânscrito.

 

O quarto fundamento, o quarto elemento do nosso ser é a nossa percepção. A maior parte do nosso sofrimento vem de nossas percepções erradas porque não temos um insight correto sobre o que existe. Por isso a prática da respiração, da atenção plena pode nos trazer de volta a nós mesmos para investigarmos a natureza de nossas percepções. Olhando profundamente na natureza de nossas percepções, podemos descobrir as razões pelas quais sofremos, as razões pelas quais nosso medo e nosso desespero nascem.

 

Se soubermos como praticar olhar profundamente na natureza de nossa percepção, o insight que obtivermos nos libertará de nosso sofrimento, de nossa dor, de nosso medo. Esta é a prática de olhar profundamente para a verdadeira natureza da realidade, a verdadeira natureza da flor, a verdadeira natureza do nosso corpo, dos nossos sentimentos, das nossas formações mentais. Forma, sentimentos e formações mentais são todos objetos de nossas percepções. Vimos que forma e sentimentos intersão. Você não pode tirar a forma a do sentimento, não pode tirar os sentimentos da forma. A mesma coisa acontece com a formação mental e percepções.

 

Esses quatro fundamentos de nosso ser: forma, sentimentos, formações mentais e percepções, todos eles intersão. Você não pode tirar um dos outros três. Portanto, os quatro elementos de nosso ser intersão. Por falar em percepção, sabemos que nosso corpo também é objeto de nossa percepção. Nossos sentimentos também, nossas formações mentais também. Se você conhece a arte de olhar profundamente, descobrirá a realidade como ela realmente é. Ao fazer isso, removemos todos os erros, todas as percepções erradas.

 

Isso é o que descrevemos como a libertação, a salvação pelo conhecimento. Esta é a prática de liberação com compreensão. Se você quiser falar em termos de graça, a graça é entendida aqui como sabedoria, como conhecimento, como entendimento. Todos nós sabemos que às vezes sofremos por causa de nossa ignorância. Sofremos por causa do nosso ciúme, da nossa raiva. Na base do nosso ciúme e da nossa raiva está a ignorância, Como não entendemos, é por isso que sofremos. No momento em que começamos a compreender nosso ciúme, nossa raiva começou a se dissolver.

 

É por isso que a compreensão é o fator libertador e o objetivo da prática da meditação é obter o insight, o insight libertador. É por isso que nossas percepções são tão importantes. Temos que voltar a elas e indagar sobre sua natureza.

 

(Palestra de Dharma de Thich Nhat Hanh em 24 de maio de 1998 – transcrito do vídeo do YouTube

https://youtu.be/e7M3I7mKR_E)

Traduzido por Leonardo Dobbin)

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