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Tradição do Ven. Thich Nhat Hanh

 

Encontro com a alma gêmea

 

Como monges e monjas ou praticantes leigos, fazemos meditação sentada a cada dia. Na meditação sentada fechamos os cinco sentidos. Os olhos estão fechados e não absorvem ou consomem imagens. Os ouvidos não recebem sons, como notícias, música ou conversas. O nariz não recebe cheiros, como comida ou perfume. A boca não recebe comida nem se envolve na conversa. Nosso corpo está estável, está ereto e não entramos em contato ou temos contato físico com os outros.

 

Assim, temos apenas a mente para olhar. Mesmo a mente, nós a tranquilizamos e acalmamos, ancorando-a na consciência da respiração e do corpo. Quando a mente está calma e parada, é capaz de olhar para si mesma.

 

Na meditação sentada, estamos realmente tendo um encontro conosco. Aprendemos a ser nossa própria alma gêmea para estarmos completamente presentes e nos ouvirmos profundamente. Estamos praticando o primeiro mantra, "Querida, estou aqui para você", o que significa que eu estou aqui para mim. Estou aqui para a criança interior em mim, seja essa criança de três, cinco ou oito anos, um adolescente ou um jovem adulto que experimentou traumas, tristezas e alegrias.

 

Na meditação usamos um discurso amoroso com nós mesmos: "Volte. Volte para a respiração. Volte para o corpo. Estou aqui para você, meu amor."

 

Nós nos perguntamos com toda a humildade e curiosidade: "Me fale da sua dor. Diga-me por que me sinto tão confuso quando esse incidente acontece, quando essa situação ocorre? Diga-me por que machuca tanto estar com essa pessoa? Por que dói tanto estar longe dela? " Nosso discurso está cheio de humildade e amor e está cheio de vontade de entender a nós mesmos.

 

Então, nós ouvimos. Então, perguntamos gentilmente outra questão para uma compreensão mais profunda.

 

Então, nós ouvimos. Nós ouvimos para estabelecer a conexão com essa criança. Nós ouvimos para reconhecer que somos assim porque nossas experiências passadas eram assim. Nós somos porque a nossa criança interior é. É assim que podemos aprender a ser nossa própria alma gêmea. A escuta profunda e o discurso amoroso podem ser aplicados não apenas na meditação sentada, mas também na vida diária.

 

Nós também podemos praticar uma escuta profunda e um discurso amoroso enquanto caminhamos silenciosamente, estando plenamente conscientes dos nossos passos e da nossa respiração. Quando a mente está ciente dos passos, da respiração e do corpo, ela é silenciosa, atenta e espaçosa. Se surgir um pensamento ou um sentimento, a mente pode percebê-lo e ouvi-lo. Isso é uma escuta profunda. Nós ouvimos o que surge no momento e estamos totalmente presentes para isso naquele momento. Nós ouvimos o que é dito e também o que não é dito. Não há noção ou julgamento preconcebido. Isso é uma escuta compassiva.

 

Há momentos em que ouvimos alguém nos dizer algo muitas vezes, cem vezes, mas porque achamos que já sabemos isso, já ouvimos isso antes, terminamos a sentença para a pessoa ou prontamente chegamos a uma conclusão e o cérebro fecha-se imediatamente e não processa mais informações, desligando assim a pessoa que está lá conosco. Nosso corpo está fisicamente lá, mas nossa mente já está focada em outro objeto, ou está planejando, ou sonhando acordada.

 

A outra pessoa sente isso e sabe que está falando para uma parede. Às vezes, a pessoa pode perguntar: "Você está aí? Você está me ouvindo? "Nós respondemos: "Sim, sim, sim, eu ouço você", mas já nos fechamos para essa pessoa.

 

Na amplitude e no silêncio da nossa mente, podemos tardiamente verdadeiramente escutar uma sentença familiar pela primeira vez. Finalmente entendemos a mensagem e perguntamos: "É o que você quer dizer?" Depois de todo esse tempo, cinco ou vinte anos, entendemos de repente o que nossa mãe, pai ou parceiro têm tentado nos dizer, e eles podem exclamar em exasperação, "Isso é o que eu tenho tentado te contar todo esse tempo!"

 

De repente, percebemos como esta mensagem está conectada a todo o resto. Descobrimos esse aspecto da pessoa pela primeira vez, e este é um momento de profunda comunhão em nosso relacionamento, conosco mesmo e com os outros.

 

Precisamos praticar a fala amorosa e a escuta profunda conosco mesmo em primeiro lugar. A criança interior em nós, a nossa parte mais profunda, tem tentado nos contar por tantos anos certas coisas sobre nós mesmos, mas simplesmente não ouvimos. É como estar em um mercado lotado e ruidoso. Não podemos ouvir uma voz nos chamando nem podemos ouvir o som de um pino cair.

 

Mas quando o mercado fecha e a cacofonia cessa, se houver uma criança chorando, vamos ouvi-la. Do mesmo modo, precisamos cultivar essa quietude em nós mesmos ao longo do dia, de modo que, quando os gritos do fundo do nosso interior se levantarem, nós os ouviremos. Nós nos reconheceremos pela primeira vez. Vamos entender por que somos como somos, por que nos comportamos de certa forma. Somente quando pudermos fazer isso por nós próprios, seremos capazes de fazê-lo para outras pessoas. Só então podemos nos descobrir de novo todos os dias e em cada momento.

 

(Do livro “Mindfulness as medicine”– Sister Dang Nghiem)

(Traduzido por Leonardo Dobbin)

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