Sangha Virtual

 Estudos Budistas

Tradição do Ven. Thich Nhat Hanh

 

Energias Formadoras de Hábitos

 

A função da consciência armazenadora

É receber e manter

As sementes e as energias formadoras de hábitos.

De modo que elas possam se manifestar no mundo ou permanecer inativas.

 

As sementes que recebemos de nossos ancestrais, dos amigos e da sociedade ficam guardadas na nossa consciência, assim como a terra guarda as sementes que nela caem. Da mesma maneira que as sementes na terra, as sementes que estão na nossa consciência armazenadora estão escondidas de nós. Nem sempre entramos em contato com elas. Somente quando se manifestam na nossa consciência mental é que tomamos conhecimento delas. Quando nos sentimos felizes, podemos pensar que não existem sementes de raiva em nós. Mas tão logo alguém nos irrita, nossa semente da raiva se faz conhecer.

 

Energia formadora de hábito é um termo importante na psicologia budista. Nossas sementes carregam as energias formadoras de hábitos de milhares de anos. O termo em sânscrito para energia formadora de hábito, vashana, significa "permear", "impregnar". Para fazer chá de jasmim, é necessário pegar flores de jasmim, juntá-las com folhas de chá e colocá-las dentro de uma caixa, a qual deve permanecer fechada por várias semanas. A fragrância do jasmim penetra profundamente nas folhas e o chá então vai cheirar a jasmim, porque absorveu o aroma das flores. Nossa consciência armazenadora também tem uma grande capacidade de receber e absorver “fragrâncias” ou “perfumes”.

 

Essa impregnação na nossa consciência, das energias formadoras de hábitos levadas pelas sementes, afeta nossos padrões de visão, sentimento e comportamento, As sementes que estão na nossa consciência se manifestam não só de forma psicológica mas também como objetos de nossa percepção - montanhas, rios, outras pessoas. Devido às energias formadoras de hábitos, não podemos perceber as coisas como realmente elas são. Interpretamos tudo o que vemos ou ouvimos em termos de nossas energias formadoras de hábitos. Se você amassa uma folha de papel, é difícil fazê-la ficar lisa novamente. Ela adquire a energia formadora do hábito de ficar amassada. Nós também somos assim.

 

Quando encontramos uma pessoa, o que encontramos realmente é a nossa própria energia formadora de hábito, que nos impede de ver qualquer outra coisa. Talvez, na primeira vez em que encontramos essa pessoa, tenhamos tido uma reação negativa a seu respeito. Com base nessa reação, formamos uma energia formadora de hábito ao nos relacionarmos com essa pessoa e, a partir de então, continuamos a fazê-lo da mesma forma. Toda vez que a encontramos, vemos a mesma velha pessoa, ainda que ela tenha mudado completamente. Nossas energias formadoras de hábitos nos mantêm incapazes de perceber a realidade do momento presente.

 

Somos influenciados pelas ações e crenças de nossos pais e da sociedade. Mas nossas reações às coisas têm seus próprios padrões e neles ficamos presos. Nossas energias formadoras de hábitos são fruto de nosso comportamento, formado por nossas reações às coisas e também por nosso ambiente. Quando uma pessoa é criada num determinado ambiente, uma energia formadora de hábito é formada.

 

Hoje em dia, muitas crianças têm a energia formadora do hábito de assistir televisão. Quando são levadas a algum lugar onde não há televisão, ficam infelizes. Um menino que veio a Plum Village, ao descobrir que não havia televisão, queria que sua mãe o tirasse dali. Nós o convencemos a ficar a metade de um dia e, durante esse tempo, muitas outras crianças brincaram com ele. Depois de algumas horas, concordou em ficar mais tempo. Acabou ficando durante três semanas. Ele descobriu que poderia ser feliz sem televisão.

 

Essa é uma boa notícia. É possível mudarmos nossas energias formadoras de hábitos. E de fato, para transformar, precisamos mudá-las. Muito embora tenhamos as melhores intenções de transformar a nós mesmos, não seremos bem sucedidos enquanto não trabalharmos nossas energias formadoras de hábitos. A maneira mais fácil de fazê-lo é com uma Sangha, um grupo de pessoas que, juntas, praticam a plena consciência. Se nos colocarmos em um ambiente em que possamos praticar em profundidade com outras pessoas, seremos capazes de alterar nossas energias formadoras de hábitos. Pela prática da plena consciência, podemos identificar as sementes que estão em nós e reconhecer as energias formadoras de hábitos que as acompanham. Com plena consciência, podemos observar nossas energias formadoras de hábitos e começar a transformá-las.

 

Se nossa família e nossos amigos são instáveis, o comportamento deles também impregnará nossa consciência. Por isso, é importante escolher cuidadosamente com quem passamos o nosso tempo. Quando conversamos com alguém que é infeliz, nossa consciência armazenadora recebe as sementes de seu sofrimento. Se não tivermos o cuidado de manter nossas sementes saudáveis durante a conversa, o sofrimento dessa pessoa vai regar as sementes de sofrimento que estão em nós e nos sentiremos exauridos.

 

A prática da plena consciência nos permite criar energias formadoras de hábitos novas e mais funcionais. Suponhamos que, ao ouvirmos uma certa frase, façamos uma careta. Não é que queiramos fazê-la, ela apenas acontece automaticamente. Para substituir essa antiga energia formadora de hábito por uma nova, toda vez que ouvirmos aquela frase devemos respirar conscientemente. No início, o respirar consciente requer esforço. Não vem naturalmente. Entretanto, se continuarmos a praticar, a respiração consciente se tornará uma energia formadora de hábito. Da mesma maneira, criamos qualquer hábito novo. Quando você começa a escovar os dentes depois das refeições, no início, pode esquecer algumas vezes de fazê-lo. Depois de um tempo, isso se torna um hábito e você se sente desconfortável quando não os escova.

 

Algumas energias formadoras de hábitos são difíceis de transformar. Fumar é uma energia formadora de hábito difícil de deixar. A plena consciência é a chave. Sempre que estivermos fumando, devemos praticar a plena consciência para ficarmos cientes de que estamos fumando. Nossa conscientização dessa energia formadora de hábitos se aprofundará a cada dia, e veremos que estamos destruindo os nossos pulmões. Veremos, então, a ligação entre nossos pulmões, nossa saúde e as pessoas que amamos. Compreendemos que cuidar de nós mesmos é também cuidar dos que amamos. Então, pelo bem deles e pelo nosso, tomamos a decisão de cuidar do nosso corpo. A plena consciência promove esses tipos de insight.

 

Beber é outra energia formadora do hábito. Talvez, sempre que nos sentimos tristes, recorremos a um copo de vinho para esquecer a tristeza. Com plena consciência, cada vez que levantamos nosso copo de vinho, dizemos: "Eu sei que estou bebendo um copo de vinho." Quando nossa plena consciência ficar mais forte, quando bebemos o vinho podemos dizer: “Eu sei que estou triste." À medida que a nossa percepção aumenta e vemos com maior profundidade a tristeza que está por trás da nossa energia de hábito de tomar vinho, seremos capazes de começar a transformar as sementes de tristeza em nós.

 

A felicidade também pode ser uma energia formadora de hábito. Quando praticamos meditação andando, cada passo que damos nos traz paz e alegria. Quando começamos a praticar a meditação andando, podemos ter que fazer algum esforço. Não estamos ainda habituados a ela. Mas um dia começamos naturalmente a sentir paz e alegria. Então pensamos: “Por que estive sempre com tanta pressa?". Uma vez que nos sintamos à vontade com a meditação andando e outras maneiras de nos mover com plena consciência, essas práticas se tornarão um hábito salutar.

 

Embora existam energias positivas formadoras de hábito, parece que os hábitos negativos se estabelecem mais rapidamente que os positivos. Na escola nossos filhos estão expostos tanto aos hábitos bons quanto aos maus, mas parece que aprendem os hábitos maus mais rapidamente. Demora muito tempo para uma pessoa jovem aprender a gostar de Shakespeare, mas não leva muito tempo para aprender a ingerir álcool. Quando você ensina algo para uma criança, talvez tenha que repetir muitas vezes até que a semente seja plantada solidamente na consciência dela. Quando você pinta uma parede, a primeira camada não é suficiente. Tem que pintar uma segunda e uma terceira vez. É assim que aprendemos.

 

Temos que reconhecer, abraçar e transformar nossas energias formadoras de hábito negativas e nos treinar para ter mais energias de hábito positivas. Tive a felicidade de, no início da minha vida, aprender o bom hábito de praticar meditação sentada todos os dias para me acalmar e cultivar mais estabilidade, solidez e liberdade. Muitos de nós em Plum Village aprendemos o hábito de voltar à nossa respiração e sorrir toda vez que ouvimos o sino tocar. Esses hábitos positivos precisam ser cultivados, porque nossos hábitos negativos sempre nos empurram para fazer e dizer coisas que causam sofrimento a nós e aos outros.

 

(Do livro “Transformações na Consciência” – Thich Nhat Hanh)

 

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