Sangha Virtual

 Estudos Budistas

Tradição do Ven. Thich Nhat Hanh

 

Equilibre sua vida espiritual (parte 2)

 

Não muito tempo atrás, meu professor Thich Nhat Hanh, a quem chamamos de Thay (professor) de acordo com a tradição vietnamita, deu um ensinamento muito bonito aos moradores de nossa comunidade, em que ele compartilhou aos monges a importância de criar um equilíbrio dinâmico na nossa vida espiritual. Ele falou sobre nossa vida espiritual como sendo composta por quatro aspectos: estudar, praticar, trabalhar e brincar. Quando vivemos de forma equilibrada, estas quatro áreas formam um padrão harmonioso ou mandala de prática em nossas vidas diárias.

 

3. Trabalho

 

A terceira área da vida espiritual é o elemento do trabalho ou do serviço. Se nos sentimos isolados, deprimidos ou sozinhos muitas vezes, uma maneira de começar o processo de transformação é buscar nos colocar a serviço agora. Para alguns de nós, nosso caminho de serviço é uma posição remunerada em uma empresa: ter um trabalho em uma empresa, ou podemos gerir um negócio próprio. Alguns de nós cuidam de nossas famílias; outros de nós são incapazes de trabalhar, mas concentram seus esforços na recuperação ou cura.

 

Podemos ver todos estes como caminhos de serviço? Um conceito que iremos explorar juntos em alguma profundidade em capítulos posteriores é o do bodhisattva. Em termos simples, um bodhisattva é um ser que jurou se por a serviço dos outros. Podemos ser bodhisattvas onde quer que a vida tenha nos colocado? Não quero falar muito sobre o elemento de trabalho, neste momento, porque é na minha opinião aqui nos Estados Unidos já estamos trabalhando muito duro. Verdade seja dita, nós poderíamos ser um pouco mais hábeis neste aspecto!

 

4. Brincar

 

A quarta área da vida espiritual que Thay convida-nos a investigar é o elemento da brincadeira — escolher coisas que achamos deliciosas de fazer, que realmente nos nutrem e regam a semente da alegria em nossas vidas. Nossa prática não é trabalho duro — não é algo que precisamos cerrar os dentes e suar grandes gotas de suor para então finalmente atravessar para o outro lado. Essa não é a prática de meditação na tradição de Plum Village. Thay sempre compartilhou conosco que uma das características distintivas do Dharma em Plum Village é aprender a chegar ao nosso destino em cada momento.

 

A prática da brincadeira é realmente uma prática de estar à vontade. Eu amo a palavra tranquilidade, e você? Só dizer em voz alta é relaxante graças ao som de belas vogais abertas. Desafio-te a dizê-la lentamente em voz alta, especialmente se você está em um lugar público.

 

Em 2000, viajei ao Reino Unido com Thay e uma delegação de monges e monjas. Uma manhã, Thay sugeriu que nós visitássemos o Museu Britânico para ver as múmias. Para chegar lá, nós precisávamos pegar o metro de Londres, que todos chamam de “Tube” (o Tubo). Àquela hora da manhã, ainda havia muitas pessoas viajando para o trabalho e assim nós monásticos tivemos que ficar no corredor. Assim que o trem começou a se mover, Thay se virou para nós e disse: "Todo mundo está tão triste, vamos animá-los." Ele nos pediu para cantar, "a felicidade é aqui e agora, eu abandonei minhas preocupações, nenhum lugar para onde ir, nada para fazer, já não estou com pressa,".

 

Eu estava mortificado. (Isso foi há muito tempo antes do fenômeno dos flash mobs). Assim que começamos a cantar, eu busquei meu caminho para longe do grupo de monges e monjas, e olhei estoicamente para fora das janelas do trem. Eu tinha certeza de que as pessoas estavam esperando que nós estendêssemos o chapéu para a doação. No meio da música, Thay notou que eu não estava cantando e gritou, "Cante mais alto, irmão Phap Hai!" Comecei a cantar, mas não tive coragem de cantar em voz alta. Quando a música terminou, houve uma breve pausa e eu podia ver os viajantes nos olhando, esperando para ver o que aconteceria depois. O que aconteceu depois foi que os monásticos apenas sorriram e se viraram para olhar para fora das janelas. Naquele momento, risos eclodiram no transporte e os passageiros começaram a sorrir. Quando chegamos na estação seguinte, enquanto as pessoas estavam saindo do trem... muitas delas expressaram seus agradecimentos.

 

Então não tenha vergonha de ser brincalhão — você só pode tornar o dia de alguém melhor. O dia que você faz melhor... pode ser seu próprio!

 

Uma das maneiras maravilhosas que a ludicidade pode se manifestar é através de uma prática de preguiça. Em Plum Village, o Dia da Preguiça serve para que estejamos verdadeiramente presentes para o dia sem quaisquer atividades agendadas. Deixamos que o dia se desenrole naturalmente, sem pressa. É um dia no qual podemos praticar seja o que for que gostemos. Para alguns de nós, ter um Dia de Preguiça semanal pode ser quase impossível. Mas podemos sempre encontrar tempo para ter uma hora por semana de preguiça. Há tempo. Enchemos nossos dias com muitas coisas diferentes. Convido você a — pelo menos uma vez por semana — encontrar tempo para a preguiça. Para mim, preguiça significa fazer o que me encanta mais em termos de prática.

 

Um membro da nossa comunidade pediu a Thay uma vez para renomear nosso Dia da Preguiça, que é uma segunda-feira, para Dia de Prática Pessoal, e ele disse: "Não, eu não vou renomeá-lo 'Dia de Prática Pessoal'. Eu vou mantê-lo como o Dia da Preguiça."

 

Preguiça é uma das coisas mais difíceis de praticar para as pessoas em nossa sociedade moderna em todo o mundo. Achamos que estamos sendo "preguiçosos", mas nós gastamos todo nosso tempo assistindo TV, lendo livros, escrevendo e-mails, pegando coisas, pagando essa conta ou vendo esta ou aquela pessoa. Preguiça, a prática de Plum Village, significa permitir que o mundo seja como é, e permitir que cada momento se desenrole tal como é: experimentar a beleza; como estou agora, o sol da manhã chegando; ver o céu mudando; ver o vento soprando nas folhas.

 

Como incrivelmente curador isso é! Quão importante é para nós. Muitas vezes, eu brinco com meus amigos que acho que poderíamos mudar a cultura aqui na América do Norte e de outros lugares onde as pessoas são muito ocupadas pelo simples ato de passar a ter um tempo de soneca diária nacional, como as pessoas fazem em um número de países do sul da Ásia e no sul da Europa. Dê para todos, digamos, quarenta e cinco minutos depois do almoço: uma hora para o almoço e depois de quarenta e cinco minutos, quando todo mundo só praticaria relaxamento total. Vamos imaginar isto por um minuto. Nós estamos tão direcionados em nossas vidas diárias para trabalhar, para alcançar, para realizar, que muitas vezes trazemos essa mesma energia para nossa vida espiritual também. Nós não somos projetos; não somos coisas que precisam ser corrigidas. Precisamos trazer os elementos de tranquilidade, relaxamento e alegria para nossa vida de prática espiritual.

 

Então, como você manifesta a energia do lúdico em sua prática? Eu vejo ao visitar diferentes sangas que muitos praticantes de meditação são muito sérios; eles perderam muito de sua leveza e humor. Acho que podemos ser praticantes muito sérios e ser muito, muito leves e alegres. Na verdade, acho que é essencial brincar se queremos ir longe no caminho. Eu sei que não aguento mesmo ser muito sério quando eu vejo as histórias que conto a mim mesmo. E quanto a você? Algumas semanas atrás, um amigo veio visitar nosso monastério pela primeira vez e no final da sua estadia ele compartilhou que ficou impressionado com a energia sólida, e ficou mais surpreso, porque esperava que os monges e monjas fossem muito mais solenes. Foi uma revelação para ele ver que, além de períodos "formais" de prática, nossa vida espiritual é expressa através de interações alegres, esportes e o eco dos risos entre as montanhas.

 

(Do livro “Nothing To It: Ten Ways to Be at Home with Yourself”)

Phap Hai é professor de Dharma e o monge sênior da tradição de Plum Village)

(Traduzido por Leonardo Dobbin)

Caso queira obter esse texto em formato pdf clique aqui