Sangha
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Estudos Budistas
Tradição
do Ven. Thich Nhat Hanh
Escuta profunda
Ouvir profundamente é uma prática muito importante. Porque a fala amorosa, a fala correta, depende muito da capacidade de ouvir profundamente. Porque quando a gente entende o que a outra pessoa está tentando dizer, o que não é dito, a gente escuta nas entrelinhas, e conseguimos ver realmente o sofrimento da outra pessoa.
Quando você realmente vê o sofrimento da outra pessoa, a sua resposta será diferente. Não vem de uma reação, de querer consertar as coisas, da impaciência. Assim, ao longo dos anos, aprendi a praticar ouvir. Ouvir mais do que falar. Eu escuto, e percebo que quando escuto, o compartilhamento que eu digo depois vai de acordo com o amor, e com a paz, e vai de acordo com a fala correta e a fala amorosa também.
Portanto, não se trata apenas de ouvir outras pessoas, mas também de ouvir a mim mesma, porque há esse pensamento acontecendo dentro da minha cabeça o tempo todo. Minha fala depende muito desse diálogo interno, se meu diálogo interno é de paz, amor e calma, ou se meu diálogo interno se acalmou, então a qualidade do meu diálogo interno está alinhada com a Fala Correta, com a fala amorosa.
Essa é uma prática que eu faço comigo mesma, me ouvindo, ouvindo essa voz dentro de mim. Ouço essa conversa, e percebo que no fundo da minha mente tem essa colmeia de abelhas que vai falando o tempo todo. Tem histórias que são criadas, há todos os tipos de coisas no fundo da minha mente, é interminável. É uma voz interminável lá atrás. Temos que ser capazes de ouvir, porque quando escuto, percebo que esse diálogo interno é a motivação para eu dizer certas coisas, pensar de uma certa maneira e agir de uma certa maneira.
Assim, compreender esse diálogo interno me ajuda a não cair nesse hábito de falar, de agir e de pensar de maneiras que trouxeram sofrimento para mim e sofrimento para outras pessoas. Então, precisamos ouvir esse discurso interior, o nosso discurso interior. Ser capaz de ouvir a nossa fala interior pode nos levar muito longe no caminho da transformação e da cura.
Outra coisa tornou a fala correta muito difícil para mim, e minhas irmãs sempre me iluminam nesse ponto, mesmo que não soubessem de onde vinha. Além da transmissão pelos meus ancestrais, e minha impaciência, sinto que sou muito transparente, como vocês podem ver já nesta última meia hora. Vocês podem ver o quão transparente eu sou. Ou seja, não posso esconder, o que é muito bom e fico sempre muito grata por essa transparência, porque tudo o que sinto aqui está expresso no meu rosto, na minha fala, e na minha ação. Esse é o sofrimento que eu tenho, toda a minha vida como monja.
Nos primeiros anos, como eu percebi que, por ser tão transparente, recebia muitas críticas, e uma luz forte e brilhante, enquanto as pessoas que têm um rosto sereno, e não expressam tanto o que está por dentro, têm flores em seu caminho.
Então, é uma coisa que eu sempre tenho que trabalhar, trabalhar comigo mesma, não para ser menos transparente, mas para transformar a partir do meu âmago, para transformar a partir do fundo de mim mesma. Porque se eu transformar a partir de dentro, então o que sai é só luz e beleza, eu espero. Então, é dentro que eu foco minha prática, e transformando as profundezas de mim mesma, porque eu não posso me esconder. Então o que sai, tem que vir daquele lugar interior.
Uma vez, uma das irmãs me iluminou em torno da fala novamente, disse que eu não deveria estar falando vietnamita com as irmãs vietnamitas, e eu disse "o quê?" "Como posso não falar vietnamita com minhas irmãs que não falam inglês?" Porque o problema é que vim para Plum Village com poucos vietnamitas, e meu vietnamita, aprendi aqui, então não entendo, às vezes eu traduzo mentalmente. As palavras que falo, são neutras em inglês, mas tem uma conotação muito negativa em vietnamita, e não sei disso. É como um tom diferente, você sabe, das palavras, e eu não tenho ideia. Então, quando o que eu disse é realmente neutro, quando é ouvido pelos meus irmãos vietnamitas é muito forte, muito duro.
Então eu pensei que era ridículo me iluminar e dizer que eu não deveria estar falando vietnamita. É algo que tenho refletido muito. Como evitar palavras que tenham essa conotação negativa. Mas quando estou impaciente, não paro para pensar, esse é o problema. Então, toda essa combinação de coisas fez com que a minha fala fosse muito forte, quer dizer, ouvida por outras pessoas, é muito forte, mas para mim acho que estou usando a fala correta. Então, é um processo contínuo para mim, refinar minha fala, suavizar minha fala, usar a fala correta, e estou melhorando em regar minha própria flor, estou melhorando muito.
Por isso é importante ser capaz de ver de onde vem a nossa fala errada. Muitos de nós sofremos com a fala, é importante ser capaz de ver isso. Porque vendo as causas e condições que tornaram a nossa fala não gentil, ou vendo que a nossa fala está trazendo sofrimento para nós mesmos e para outras pessoas, então é muito importante sermos capazes de sentar e refletir sobre de onde ela vem.
Porque quando vemos as raízes do nosso sofrimento ou da nossa fala não gentil já estamos a meio caminho de transformá-la. Só precisamos ser mais diligentes em reconhecê-la e em cultivar em nós as sementes da bondade, as sementes do amor, as sementes da paz, para que a nossa fala venha desse lugar.
O pensamento errado também. A percepção errada é realmente uma visão errada. A percepção errada é o principal fator que nos fez ter uma fala errada, então a nossa prática é conseguir reconhecer as percepções que temos de nós mesmos, que tipo de imagem temos de nós mesmos? Que tipo de autoimagem criamos para nós mesmos, que tipo de autoimagem temos de nós mesmos?
Porque cada um de nós tem uma imagem de quem somos, essa imagem vem da família, da educação, da situação familiar, da nossa criação, da nossa educação, da nossa sociedade, das pessoas ao nosso redor. Existem tantos fatores que alimentam a autoimagem que temos. Então em outras palavras, é a percepção que temos de nós mesmos. Percebo com a minha própria contemplação, que essa percepção que tenho de mim mesma, essa autoimagem realmente me limita, não permitindo que meu verdadeiro eu floresça.
É uma forma limitada de me ver, pois há muito mais em mim do que a autoimagem que tenho de mim mesma. Se eu for capaz de abandonar essa autoimagem, de não gostar, de me identificar com ela, e realmente confiar que esta sou eu, tenho a oportunidade de me ver como muito maior do que essa autoimagem, e de me permitir uma oportunidade, de cultivar o potencial, de me ver de uma forma que eu não sabia que existia.
Estou tão presa a essa autoimagem, e é essa autoimagem que cria sofrimento. Quando alguém faz ou diz algo que considero ameaçador para a autoimagem de quem eu sou, estou pronta para lutar se necessário. Então é aí que o problema dos relacionamentos está e também na comunicação. Então, é importante sermos capazes de reconhecer, sentar e escrever o que pensamos que somos? A autoimagem que temos, de onde vem? De onde vêm essas ideias, sobre nós mesmos e como progredimos a partir daí?
Estamos dispostos a deixar isso passar, a abandoná-la, somos capazes de nos dar a chance de ser muito mais do que essas ideias que foram moldadas e criadas pelas muitas condições da nossa vida? Então, esse é o tipo de coisas que fazemos na meditação, refletir sobre nós mesmos e sobre essas coisas.
A prática de brilhar a luz é realmente um instrumento maravilhoso, porque, como eu disse, não vejo minha fala como uma fala errada, mas minhas irmãs compartilharam comigo ao longo dos anos que minha fala é muito forte, e eu tive que olhar para ela. No começo eu fui muito reativa, internamente, “isso não é verdade”, "o que eu disse, não é assim," mas a luz brilhante realmente nos ajuda a ver partes de nós mesmos que não podemos realmente ver, talvez porque seja habitual.
Coisas que são energias de hábito são muito difíceis de reconhecer, porque se torna algo que é tão automático e tão habitual que as fazemos sem nem pensar. Fazemos automaticamente sem pensar duas vezes o que torna muito difícil reconhecê-las como energias de hábito. Assim a Sangha pode nos ajudar a ver as nossas energias de hábitos e mesmo que pensemos que eles têm uma percepção errada, é sempre muito bom refletir sobre o que foi partilhado, porque pode nos ajudar a nos ver menos subjetivamente. Isso nos ajuda a dar um passo atrás para nos vermos.
(Palestra de Darma da Irmã Tuệ Nghiêm: em 1 de dezembro de 2016– transcrito do vídeo do YouTube
https://youtu.be/1JHSstexqFM)
Traduzido por Leonardo Dobbin)
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