Sangha
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Estudos Budistas
Tradição
do Ven. Thich Nhat Hanh
Guerra e paz interior
Quando voltamos para casa temos medo de tocar a nossa dor, nossa guerra interna. Às vezes nos pegamos guerreando com outra pessoa, talvez seja com nossa família, com nossa sociedade ou com nossa tradição. Mas podemos aprender que quando estamos em guerra com outra pessoa, pode haver guerra dentro de nós e por isso não queremos voltar para casa.
Certamente que há guerra interna e guerra em torno de nós. Mas também existe outra coisa, a paz e alegria também existem. Devemos aprender a voltar para casa a fim de tocar a alegria e a paz internamente e em torno de nós. Isso é muito importante, pois todos nós precisamos ser nutridos, ter estabilidade, para ser capaz e poder ir além e fazer algo pelas pessoas à nossa volta.
Sei que, entre vocês, há muita gente dedicada à causa da paz, à causa da justiça social. Mas muitos de nós, às vezes, nos sentimos perdidos, furiosos, desesperados. Somos dominados por um tremendo sofrimento que existe em torno de nós e dentro de nós.
Precisamos de uma fonte de energia, de uma fonte de paz, de alegria para contrabalançar. Pois sabemos que se não tivermos um pouco de paz, alegria e felicidade não podemos fazer nada, não podemos continuar. A prática de chegar nos ajuda a tocar a paz e a alegria internas a fim de nos nutrirmos. Essa prática nos ajuda a gerar a energia da atenção plena que nos ajudará a tocar a guerra interior e a guerra que nos rodeia.
Porque se tocarmos a guerra sem termos a força, sem a energia da atenção plena, pode ser perigoso. Seremos dominados pela guerra. Seremos aprisionados pela guerra. Por isso, antes de aprendermos a entrar em contato com a guerra interna e externa devemos cultivar a energia da atenção plena. Esse tipo de cultivo poderia ser realizado quando voltamos para casa e tocamos as sementes de paz e alegria dentro da gente.
Na tradição budista temos o costume de falar sobre nossa consciência enquanto sementes, em termos de "bijãs". "Bijãs" significa sementes. Temos sementes de paz, de alegria, de felicidade. Temos em nós sementes de guerra, de raiva, de desespero e ódio. Há sementes de paz, alegria e bondade amorosa na gente, que precisam ser tocadas. Devemos aprender a tocá-las sozinhos, e podemos precisar dos nossos amigos para vir nos ajudar a tocá-las.
Esta é a prática. Eu sempre incentivo meus amigos a começar a prática, tocando a paz, tocando sementes positivas dentro de nós, e tocando as sementes positivas no outro. É agradável! Nos ajuda a nutrir um ao outro e sabemos que a forma mais profunda de contato é usando a energia da atenção plena.
Na meditação budista, gerar a energia da atenção plena e tocar a paz é muito importante. Somos encorajados primeiro a não tocar as sementes da guerra. Somos encorajados a não tocar primeiro a dor, o desespero e o sofrimento. Podemos tocar a paz enquanto indivíduos, podemos tocar a paz como uma comunidade, e podemos tocar a paz enquanto uma nação. E isso é prazeroso!
Pode ser que eu queira tocar meus olhos com a energia da atenção plena. Eu tenho energia da atenção plena que é gerada através da prática da respiração consciente. “Inspirando, eu sei que estou inspirando. Expirando, eu sei que estou expirando”. Esta é a prática de tocar sua respiração. Esta prática é chamada de respirar com atenção plena.
Agora eu uso aquela energia da atenção plena para tocar meus olhos.
Inspirando, estou ciente dos meus olhos.
Expirando, eu sorrio para os meus olhos.
Quando toco meus olhos assim com a energia da atenção plena, descubro que as condições dos meus olhos ainda são boas. Se toco meus olhos profundamente percebo que ter olhos em boas condições é algo maravilhoso. Sem os meus olhos, sem a habilidade de enxergar e ver coisas, eu sofreria muitíssimo. Você só precisa abrir os olhos para olhar e vê tantas maravilhas da vida que estão em torno de nós: o céu azul, o lindo por do sol, o rosto, os olhos e o sorriso de nossos entes queridos.
Você entra em contato com essas coisas, essas pessoas, com atenção plena, e compreende que estar vivo e ser capaz de olhar para eles profundamente é uma felicidade. Felicidade é uma coisa simples. Quando você está atento e consciente e está nutrido por este tipo de contato, ao tocar seus olhos com atenção plena você compreende que seus olhos são uma condição de paz, felicidade e alegria em você. Você sabe que a paz está presente em certa medida.
Ao perceber que existem árvores morrendo você sabe que isso é algo negativo. O contato com essas coisas lhe faz sofrer. Mas quando você entra em contato com árvores belas, que ainda vivem saudáveis, você compreende como é maravilhoso ainda ter árvores vivas entre nós. Quando entra em contato com essas lindas árvores, você se nutre, e faz o juramento de fazer tudo o que puder para protegê-las, e mantê-las vivas. Então, tocar a paz significa dar uma chance a paz.
Vamos praticar juntos esse exercício de entrar em contato. Vamos tocar o nosso coração. “Inspirando, estou ciente do meu coração. Expirando, sorrio para o meu coração”. Quando toco meu coração profundamente, dessa forma sei que o meu coração existe e isso é uma notícia boa. Meu coração é uma condição de paz e bem-estar e alegria para mim. Mas se eu não o tocar, pode ser que eu cause danos ao meu coração e não seja feliz. Meu coração vem trabalhando duro, dia e noite para me manter vivo, para me proporcionar bem-estar e bombear o sangue que irriga cada célula do meu corpo.
Quando toco profundamente, dessa forma, sinto gratidão por ter coração. Meu coração é algo vivo e quando o toco com minha consciência, minha bondade amorosa, o meu coração vai sentir isso. Ele se sentirá muito confortável por estar sendo tocado. Se tocarmos nossos corações assim, de maneira profunda, nós vamos saber o que devemos fazer e o que não devemos fazer para apoiar nosso coração.
Saberemos o que comer e o que não comer, o que beber e o que não beber no dia a dia para apoiar nosso coração. Sabemos que o hábito de fumar não é muito amigável ao nosso coração. Sabemos que ingerir bebida alcóolica não é um ato amigável ao nosso coração. Se continuarmos tocando dessa forma vamos parar de fumar e de tomar bebidas alcóolicas e protegemos a paz, o bem-estar e a alegria dentro da gente.
Podemos passar muito tempo pensando em outras coisas. Mas pode ser que não tenhamos oportunidades suficientes de nos voltarmos para dentro a fim de tocar as condições de paz e bem-estar. Vivemos em esquecimento e o esquecimento é o oposto da atenção plena. Vivemos o dia a dia de tal maneira que destruímos a paz, a estabilidade e a alegria em nosso corpo. Nós trazemos elementos de guerra para o nosso corpo.
Atenção plena é a capacidade de estar consciente do que está acontecendo no momento presente. Se comermos de forma atenta e consciente, se bebermos de forma atenta e consciente, se fizermos tudo atentamente e conscientemente, seremos banhados pela atenção plena. Saberemos o que fazer para trazer os elementos de paz e alegria ao nosso corpo e sentimentos. Saberemos o que não ingerir a fim de impedir que as toxinas e os venenos entrem em nosso corpo e em nossa consciência.
É possível praticarmos isso juntos. Se você me ama, por favor, ajude-me a ser consciente. Por favor, ajude-me a tocar os elementos positivos, revigorantes e saudáveis dentro de mim. Toque minha paz e alegria, minha semente de alegria. Toque minhas sementes de bondade amorosa. Toque as sementes de felicidade em mim. Por favor, não toque nas sementes de raiva dentro de mim. Por favor, não toque as sementes de desespero e violência em mim. Eu sofrerei e você também sofrerá. Então a gente pode querer praticar juntos.
Às vezes estamos sofrendo um pouco demais e culpamos a outra pessoa de ser a causa do nosso sofrimento: o nosso parceiro, o nosso filho, a nossa filha, os nossos pais. Nós os culpamos por serem a causa do nosso sofrimento. De fato, eles também sofrem como sofremos.
O nosso inimigo não é a outra pessoa. Nosso inimigo é a semente de desespero, raiva, frustração, medo em cada um de nós. Você não é um inimigo meu. Eu quero que você pratique comigo, para transformar as sementes de sofrimento em mim e em você. Porque todos nós sofremos as mesmas coisas. Então se os parceiros sofrem nós devemos tentar não ver a outra pessoa como se fosse a causa do nosso sofrimento.
Devemos reunir nossas inteligências, nossos talentos e atenção plena para trabalhar pela transformação dos aspectos negativos em nós dois. A tensão que existe entre nós nos impede de nos ajudar mutuamente. Se soubermos que somos vítimas do mesmo tipo de sofrimento porque então não nos unimos.
Minha ideia de prática é a de quando nos reunirmos, começarmos tocando primeiro os aspectos positivos. Praticamos olhar em profundidade para ver as sementes de paz, alegria, talento e felicidade que existem em nós e na outra pessoa. Reconhecemos o valor um do outro porque todos têm seus talentos, e pontos fortes e valores positivos. Cada pessoa possui joias dentro de si. Observe profundamente o outro para reconhecer essas joias. Diga a ele, diga a ela. Apreciar esses valores é uma prática muito maravilhosa.
(Palestra de Darma de Thich Nhat Hanh– transcrito do vídeo do YouTube
https://youtu.be/w8FUJBvmJAI)
Traduzido por Leonardo Dobbin)
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