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 Estudos Budistas

Tradição do Ven. Thich Nhat Hanh

 

O inimigo real

 

Você pode notar que eu não disse a palavra perdão em qualquer parte deste livro. Acho que todo mundo é vítima. Se você não é uma vítima disso, você é uma vítima daquilo. Por exemplo, quando você tem raiva e desespero em você, é uma vítima de sua raiva e desespero, e você sofre muito profundamente.

 

A construção de um muro ou deixar cair uma bomba pode fazer você sofrer, isso é verdade, mas raiva e desespero fazem você sofrer também talvez mais. Podemos ser vítimas de outros, e podemos ser vítimas de nós mesmos. Nós tendemos a acreditar que o nosso inimigo está fora de nós, mas muitas vezes somos verdadeiramente nosso pior inimigo por causa do que temos feito para o nosso corpo e nossa mente.

 

Algumas pessoas encontram-se em uma situação muito difícil, mas eles não são vítimas de desespero e raiva, e é por isso que eles não sofrem tanto quanto outras pessoas na mesma situação. Uma vez que eles não são vítimas de sua raiva e desespero, permanecem lúcidos, e podem fazer algo, a fim de mudar a situação.

 

As pessoas no governo são vítimas também de de sua própria raiva, frustração, e de sua idéia de como ter paz e segurança. Eles são vítimas da idéia de que punição irá forçar o outro lado a não continuar com a violência. Eles ainda acreditam que a violência e a punição são os tipos de ação que devem tomar para evitar que o outro lado continue com a sua resistência. É por isso que ajudá-los a remover esses obstáculos de suas mentes não só os ajuda mas ajuda a todos.

 

Eu proponho que olhemos profundamente para identificar nosso verdadeiro inimigo. Para mim, nosso verdadeiro inimigo é o nosso modo de pensar - nossa raiva e desespero. Tanto israelenses e palestinos são vítimas, até mesmo o seu governo é vítima dessas idéias e emoções.

 

A prática recomendada em Plum Village não é destruir o ser humano, mas destruir o inimigo real que está dentro do ser humano. Se você quiser ajudar alguém com tuberculose, mate as bactérias, não a pessoa. Todos nós somos vítimas da bactéria chamada violência e percepções erroneas. Enquanto estamos em Plum Village temos a oportunidade de sentarmos juntos, localizar o verdadeiro inimigo, e como removê-lo. Quando você ainda tem um monte de raiva, medo e desespero, você não está lúcido ou calmo, e você não é capaz de empreender a ação correta que pode trazer a paz real.

 

Em 1966, fui para a América em uma turnê para tentar falar ao povo americano sobre o sofrimento no Vietnã. Um dia eu estava falando para uma grande multidão em Nova York, e um jovem norte-americano se levantou e gritou para mim: "Por que você está aqui? Você deveria estar no Vietnã lutando contra os imperialistas americanos.” Em sua mente, ele queria que os americanos fossem derrotados no Vietnã. Ele queria que eu segurarasse uma arma e matasse soldados americanos. Mas, para mim, os soldados americanos no Vietnã também eram vítimas.

 

O verdadeiro inimigo não eram os soldados americanos, mas a política feita em Washington. Sorri para o jovem, que estava muito irritado, e disse, "Bem, eu pensei que a raiz da guerra estivesse aqui em Washington, e é por isso que eu vim."

 

Se eu pudesse dizer uma coisa para você, seria para convidá-lo a olhar profundamente e reconhecer o verdadeiro inimigo. Esse inimigo não é uma pessoa. Esse inimigo é uma forma de pensamento que traz muito sofrimento para todos. Esta é uma oportunidade para nós sentarmos, ficarmos calmos, e fazermos exatamente isso, identificar o verdadeiro inimigo e buscar formas de removê-lo.

 

 

 

 

Poema:

 

Prometa-me,

prometa-me neste dia,

prometa-me agora,

enquanto o sol está a pino

exatamente no zênite,

prometa-me:

 

Mesmo que eles

te golpeiem e derrubem

com uma montanha de ódio e violência;

mesmo quando pisarem em você e te esmagarem

como um verme,

mesmo que eles te desmembrem e te estripem,

lembre-se, irmão,

lembre-se:

o homem não é nosso inimigo.

 

A única coisa digna de você é a compaixão -

invencível, sem limites, incondicional.

Ódio nunca vai te deixar enfrentar

a besta no homem.

 

Um dia, quando você enfrentar este monstro sozinho,

com sua coragem intacta, seu olhos gentis,

imperturbáveis

(mesmo que ninguém veja),

do seu sorriso

irá nascer uma flor.

E aqueles que o amam

Irão te contemplar

em dez mil mundos de nascimento e morte.

 

(Traduzido do livro de Thich Nhat Hanh - "Peace Begins Here: Palestinians and Israelis Listening to Each Other" - Tradução Leonardo Dobbin)

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