Sangha Virtual

 Estudos Budistas

Tradição do Ven. Thich Nhat Hanh

 

Jogando fora a noção de um eu separado

 

A primeira noção que o Sutra do Diamante nos aconselha a jogar fora, a transcender, é a noção de eu. Isso pode ser feito pela prática de olhar de acordo com a equação: A não sendo A, por isso pode ser verdadeiramente chamado de A. Um Boddhisatva que pensa que é Boddhisatva não é um verdadeiro Boddhisatva. Porque esse pensamento implica discriminação na mente.

 

Você ajuda os seres vivos e você sente que está ajudando os seres vivos, então você não está realmente ajudando os seres vivos, você está ajudando a si mesmo. Fazer uma doação com a ideia de que eu sou o doador e a outra pessoa é o destinatário da doação, isso não é uma doação verdadeira no espírito de Dana paramita. Paramita significa atravessar para a outra margem. Praticar a doação é uma das seis maneiras de cruzar a corrente do nascimento e da morte, cruzar a corrente do mal-estar para chegar à margem do bem-estar.

 

Mas a doação, o presente deve ser feito no espírito da não discriminação. Equanimidade é a palavra. O vazio de dar. No ato de dar, o ato mais elevado da vida, você não discrimina o doador e o objeto dado e a pessoa que o recebe. Você vê que você é um com o objeto de sua dádiva e o receptor é um com você e com esse objeto também assim como no vazio da transmissão. Nossos pais nos transmitiram este corpo, mas este corpo são nossos pais. Assim, os transmissores e o transmitido são um e também o receptor é um com eles. É por isso que a chamamos de vazio de transmissão.

 

Aqui está o vazio de dar. O doador, o objeto dado e o destinatário, não há mais distinção. Essa é a forma mais elevada de doação, não há discriminação. Eu dou como um ato muito natural de um bodhisattva. É por isso que não sou pego pela ideia de que eu sou o doador e você é aquele que recebeu a doação, que você deveria ser grato a mim.

 

É como a mão direita ajudando a mão esquerda. Nunca diz “eu sou a mão direita, você é a mão esquerda, eu estou ajudando você, então você deve se lembrar desse fato. Você não deve esquecer isso.” A mão direita nunca age assim, nunca pensa assim. É por isso que na mão direita está a sabedoria da não discriminação. Existe o espírito de equanimidade.

 

Em um relacionamento amoroso, existe a ação de oferecer felicidade, há a ação de remover a dor, existe a ação de ser alegre. Mas todos esses tipos de ações são feitos com espírito de equanimidade. Não existe eu, não existe você, nós pertencemos à mesma realidade maravilhosa.

 

É por isso que durante o ato de dar, se o espírito de equanimidade estiver presente, se a sabedoria da não discriminação estiver presente, o ato de doar é verdadeiramente dana paramita, e traz você para a margem imediatamente. Porque o espírito de equanimidade, de não discriminação, é muito poderoso. Ele transcende todas as noções de eu e não-eu. Não apenas transcende o conceito de A, mas transcende a noção de não-A, de A e B e C. Tudo isso é transcendido.

 

Na psicoterapia tendemos a ajudar a pessoa a ter um eu saudável. Se você olhar profundamente, podemos ver que a psicoterapia aponta na mesma direção da meditação budista. Porque o trabalho da prática, o trabalho da psicoterapia é, antes de tudo, ajudar a pessoa a ter consciência de si mesma. Você tem que observar a si mesmo, até certo ponto, para se tornar consciente de sua presença.

 

Sem estar presente, como você pode reconhecer a presença dos outros? Mas há aqueles de nós que são incapazes de reconhecer a presença de outras pessoas ao redor porque elas não estão realmente presentes. Eles não praticam estar conscientes do corpo, de seus sentimentos e assim por diante.

 

O segundo objetivo da psicoterapia é a consciência empática dos outros. Você se reconhece como estando presente como a base. Então, depois de estar presente, você está em condições de reconhecer a presença de outras pessoas ao seu redor. Antes disso. você parece não reconhecer a presença deles. Mas isso não é apenas a consciência da presença física do outro, mas a empatia.

 

Como você sabe que é um ser vivo com sua tristeza e com sua dor, olhando ao redor você pode reconhecer outros seres vivos com sua tristeza, dor, e sofrimento também. Como você entende algo de si mesmo, começa a entender algo sobre os outros ao seu redor.

 

Finalmente, o terceiro objetivo da psicoterapia é ter um relacionamento compassivo com os outros. Seu relacionamento com os outros não é apenas para explorá-los, fazer uso deles, combatê-los, destruí-los, mas é o tipo de relacionamento que tem compaixão como energia. Porque você sabe que se houver um relacionamento compassivo haverá menos sofrimento e haverá mais felicidade para você e para os outros. Acho que todos os psicoterapeutas concordam com essas três coisas como o objetivo da psicoterapia.

 

Sabemos que na prática da atenção plena podemos cultivar essas três coisas facilmente porque sabemos como usar nossos passos conscientes, nossa respiração consciente e nosso caminhar consciente. Inspirando, expirando conscientemente, tomamos consciência de nosso corpo, de nossa respiração, de nossos sentimentos. Isso é consciência de si mesmo. Sabemos que temos sofrimento, temos esperança, temos outros tipos de aflições. Sabemos algo sobre nós mesmos apenas por causa de nossa capacidade de nos tocar profundamente com atenção plena.

 

Quando pudermos fazer isso, seremos capazes de reconhecer outros seres vivos ao nosso redor com sua tristeza, seu medo, seu sofrimento, sua esperança e assim por diante. Essa é uma consciência empática dos outros. Você os reconhece como seres vivos, com dificuldades, com esperanças, com tristezas. Quando você vê que é igual às outras pessoas ao seu redor com todos esses tipos de coisas, a compaixão pode ser possível.

 

O método dado pelo Buda é remover o sofrimento, cultivar o bem-estar. Bem-estar aqui pode ser descrito para a psicoterapia como saúde mental. Sabemos que quando temos baixa autoestima, a saúde mental não existe. Nós tentamos o nosso melhor para remover essa baixa autoestima e dizer à pessoa como cultivar o oposto da baixa autoestima. Com baixa autoestima, você não tem saúde mental.

 

Mas e a autoestima elevada? Uma alta autoestima é uma forma de doença mental. Você perdeu o contato claro com a realidade, é por isso que você tem alta autoestima. Sabemos que há pessoas ao nosso redor que imaginam coisas sobre si mesmas e desprezam outros seres vivos. Nós humanos desprezamos outras espécies. Nós temos esse tipo de problema. Achamos que os animais são criados para comermos. Você pode fazer o que quiser com animais, vegetais e minerais. Não somos realmente muito saudáveis ​​a esse respeito. Imaginamos coisas.

 

E sobre a outra estima? Não é o complexo de inferioridade, nem o complexo de superioridade. Que tal o complexo da ideia de que você é completamente igual a todos? Isso, no ensinamento do Buda, também é uma doença. Na medida em que ainda se baseia na noção de eu. Eu sou igual a ele, não sou pior que ele. soa bem. Sem baixa autoestima, sem alta autoestima, mas também é o sinal de que você ainda está preso na noção de eu.

 

No ensinamento budista, considerar-se superior à outra pessoa é uma percepção errada, considerar-se inferior à outra pessoa é uma percepção errada. Mas considerar-se igual à outra pessoa também é uma percepção errada. Existe uma noção que é chamada de sabedoria da igualdade (samata).

 

De acordo com essa sabedoria, você compartilha a mesma base de ser com todos os outros seres vivos. Se a outra pessoa tem a semente do estado de Buda, você também a tem. Se a outra pessoa tem a capacidade de se tornar completamente iluminada, você também tem essa capacidade. Se a outra pessoa tem a capacidade de amar e ser feliz, você também tem por que vocês compartilham a mesma base de ser.

 

(Palestra de Dharma de Thich Nhat Hanh em 11 de junho de 1998 – transcrito do vídeo do YouTube

https://youtu.be/uMheRyM5bHU) 

Traduzido por Leonardo Dobbin)

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