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 Estudos Budistas

Tradição do Ven. Thich Nhat Hanh

 

Nosso verdadeiro lar

 

Você tem um lar? Você pode ser negro, amarelo, mulato ou branco; você pode vir de qualquer raça ou herança cultural. Pode voltar a cada noite para uma casa ou apartamento. Mas você tem um lar? Tem um lar verdadeiro onde se sinta confortável, em paz e livre?

 

Esta é uma questão para todos nós ponderarmos. Há brancos, cidadãos americanos, que têm vivido nos Estados Unidos por gerações, mas ainda não têm a sensação de pertencimento. Não estão felizes com a questão militar, com a economia e a política de seu país, e querem sair porque não se sentem confortáveis morando lá. O mesmo é verdade no Vietnã. Há muitos vietnamitas que não sentem que o Vietnã é seu verdadeiro lar, não se sentem amados ou entendidos por outros que dividem a mesma raça, o mesmo país, os mesmos ancestrais. Eles não vêem um futuro para eles mesmos, querem abandonar o país.

 

Quais dentre nós têm um verdadeiro lar? Quem se sente confortável no seu país? Eu tenho um lar que ninguém pode tirar de mim, e me sinto confortável nele. Você pode estar surpreso por esta resposta, afinal eu estou exilado do Vietnã há mais de 40 anos. Mas a verdade é que embora eu tenha sido afastado da minha terra natal, eu não tenho sentido dor. Eu não sofro porque achei meu verdadeiro lar. Ele não está na França onde Plum Village está localizado. Meu verdadeiro lar não está nos Estados Unidos. Meu verdadeiro lar não é limitado por um lugar ou tempo. Meu verdadeiro lar não fica no Vietnã, África, Palestina ou Israel.

 

Meu verdadeiro lar não pode ser descrito em termos de localização geográfica ou em termos de cultura. É muito simples dizer o que sou apenas em termos de nacionalidade ou cultura. No meu caso, eu não tenho um passaporte vietnamita. Portanto, legalmente falando, eu não sou vietnamita. Eu tenho elemento da cultura francesa, chinesa, indiana e mesmo da cultura dos nativos americanos em mim – e como você pode tirá-los de mim? Você não pode. Se você tirá-los de mim eu não seria a pessoa que sou hoje. Não há uma coisa chamada raça vietnamita. Olhando para dentro de mim você pode ver elementos melanésios, indonésios, mongóis e africanos. A raça vietnamita é feita apenas de elementos não-vietnamitas. Se você sabe isso, é livre. O cosmos inteiro se juntou para te ajudar a se manifestar. Em você, todo o cosmos pode ser achado. (...)

 

Quando temos o sentimento que não somos aceitos, que não pertencemos a nenhum lugar e não temos identidade, é quando temos a chance de penetrar na realidade e achar nosso verdadeiro lar.

 

As pessoas acham que eu sofri porque não me permitiram voltar ao Vietnã. Mas não foi o caso. Quando eu finalmente voltei para visitar o Vietnã depois de 40 anos, era uma alegria ser capaz de oferecer ensinamentos aos monges, monjas e leigos e falar aos artistas, escritores e outros. Quando eu tiver que voltar para a França, eu não sofri.

 

A expressão “eu cheguei, estou em casa”, é a incorporação da minha prática. Expressa meu entendimento dos ensinamentos do Buda. É a nata da minha prática. Desde que eu encontrei meu verdadeiro lar, não sofro mais. O passado não é mais uma prisão para mim. O futuro não é mais uma prisão para mim. Sou capaz de viver no aqui e agora e tocar meu verdadeiro lar. Sei que o futuro é disponível através do presente; isto foi o que eu encontrei. E quando tocamos o momento presente profundamente, tocamos o passado; e se soubermos como lidar com o momento presente apropriadamente, curamos o passado.

 

Na tradição budista, uma sessão de meditação começa com o som do sino. Um pedaço de madeira chamado “convidador” toca o sino e o convida a soar. Este som é um gentil lembrete para voltarmos para o lar. Em Plum Village, cada vez que ouvimos o som do sino, silenciosamente recitamos este poema: “Eu ouço, eu ouço, este maravilhoso som me leva de volta ao meu verdadeiro lar.” Nosso verdadeiro lar é o momento presente, seja o que for que esteja acontecendo exatamente aqui e exatamente agora.

 

Nosso verdadeiro lar é um lugar sem discriminação, um lugar sem ódio.  Nosso verdadeiro lar é o lugar onde não mais procuramos, não mais desejamos, não mais lamentamos. Nosso verdadeiro lar não é o passado; não são os objetos de nossos lamentos, nossa melancolia, nossas saudades ou remorsos. Nosso verdadeiro lar não é o futuro; não é o objeto de nossas preocupações, esperanças e medos. Nosso verdadeiro lar reside exatamente no momento presente. Se pudermos praticar de acordo com os ensinamentos do Buda e retornar para este exato momento, aqui e agora, então a energia da plena consciência nos ajudará a estabelecer nosso verdadeiro lar no momento presente.

 

De acordo com os ensinamentos do Buda, a liberação reside no momento presente. Todos os seus ancestrais espirituais e de sangue estão presentes em nós se soubermos como voltar a este momento. Quando podemos sentir estes ancestrais conosco no momento presente, não mais nos preocupamos ou sofremos. Paramos de tentar achar nosso lar no espaço, no tempo, território, nacionalidade, cultura ou raça e finalmente encontramos a felicidade.

 

Eu já encontrei meu verdadeiro lar. Meu verdadeiro lar é a vida. É por isso que não sofro. Não estou procurando ou esperando nada mais e também não estou mais fugindo de nada. Encontrei minha felicidade. Tomei refúgio no momento presente, no aqui e agora. Gostaria que todos nós, independentemente da cor de nossas peles – preto, branco, mulato ou amarelo – fossemos capazes  de retornar ao momento presente, penetrá-lo com profundidade e descobrir nosso verdadeiro lar.

 

O Buda nos oferece práticas maravilhosas, por isso podemos por fim às nossas preocupações, nosso sofrimento, nossa busca, nossos lamentos e assim poder entrar em contato com as maravilhas da vida no momento presente. Então podemos abrir nossos braços para abraçar todas as pessoas e todas as espécies sem discriminação e todos podem ser objeto de nosso amor. Quando formos capazes de fazer isso, teremos um lar. Nosso verdadeiro lar não é uma idéia abstrata. É uma realidade sólida que podemos tocar com nossos pés, com nossas mãos e com nossa mente a cada momento e que podemos viver a cada momento. Se soubermos isto, então ninguém poderá tirar de nós nosso verdadeiro lar. Mesmo se pessoas ocuparem seu país, ou nos puserem na prisão, ainda teremos nosso verdadeiro lar, e eles nunca poderão nos tirar isso.

 

Eu falo estas palavras para os jovens e para aqueles de vocês que sentem que nunca tiveram um lar. Eu falo estas palavras para os pais que sentem que o antigo país não é mais sua casa e que o novo país não é ainda seu lar, que vêem seus filhos sofrendo, procurando seu verdadeiro lar, enquanto nem mesmo vocês encontraram o seu. Esta prática é tal que você pode encontrar seu verdadeiro lar e ajudar seus filhos a acharem o deles. Isto é o que eu desejo para você.

 

 

(Do livro “Together we are one”– Thich Nhat Hanh)

(Traduzido por Leonardo Dobbin)

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