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Tradição do Ven. Thich Nhat Hanh

 

O Segundo Treinamento de Plena Consciência: Verdadeira Felicidade

 

Consciente do sofrimento causado pela exploração, injustiça social, roubo e opressão, eu me comprometo a praticar a generosidade no meu modo de pensar, de falar e de agir. Estou determinado a não roubar e a não possuir nada que porventura pertença a outros, e a compartilhar meu tempo, energia e recursos materiais com aqueles que precisam. Praticarei a observação profunda para ver que a felicidade e o sofrimento dos outros não estão separados da minha própria felicidade e sofrimento. Praticarei para ver que a verdadeira felicidade não é possível sem compreensão e compaixão - e que buscar riqueza, fama, poder e prazeres sensoriais podem gerar muito sofrimento e desespero. Estou consciente de que a felicidade depende da minha mente e não de condições externas, e que posso ser feliz no momento presente, bastando me lembrar de que já possuo todas as condições para isso. Eu me comprometo a praticar o Meio de Vida Correto de forma a reduzir o sofrimento dos seres vivos na Terra e, especialmente, reverter o processo de aquecimento global.

 

O Segundo Treinamento da Plena Consciência é sobre tomar somente o que é nos dado livremente e tratar o meio ambiente com cuidado. Trata-se de aprender a partilhar os bens materiais, tempo e energia com aqueles que estão necessitados. O objetivo deste treinamento é acabar com a avidez ou cobiça. Por causa da nossa cobiça por recursos naturais, por causa da avidez do mercado para que nós consumamos os seus bens, governos não hesitam em trazer seu exército para invadir outro país e acabar com inúmeras vidas.

 

Devido a esta cobiça, nós permitimos que a pobreza e a fome existam, com medo de não termos o suficiente para nós mesmos se todo mundo tiver o que precisa. A cobiça leva à destruição do meio ambiente e da poluição da água, do solo e do ar.

 

Ver a conexão entre nós e as outras pessoas é parte da prática do Segundo Treinamento. As pessoas de quem tomamos as coisas não são nada mais do que nós mesmos. Quando nos países mais ricos da Europa e nos Estados Unidos, esquecemos o sofrimento causado pela pobreza em outras partes do mundo ou mesmo das pessoas em nosso próprio país, nós consumimos de uma forma que explora os pobres. A pobreza gera violência e, mais cedo ou mais tarde, a violência vai trazer sofrimento para os países mais ricos e as pessoas mais ricas. O sofrimento dos pobres está diretamente relacionada com o sofrimento dos ricos.

 

Além disso, ser rico não significa ser feliz. A felicidade só é possível quando há paz de espírito, e paz de espírito não é possível sem compreensão e amor. Muitas pessoas pensam que a felicidade vem do dinheiro, fama e prazeres sensuais. Mas isso não é correto. As pessoas que têm uma abundância dessas coisas podem sofrer muito e algumas até mesmo tiram suas próprias vidas, porque não têm a capacidade de compreender e amar. Se conhecermos o ensinamento sobre como viver feliz no momento presente, se soubermos como fazer uso da atenção plena para ir ao lar do momento presente, perceberemos que há muitas condições de felicidade que já estão presentes. Você não precisa correr para o futuro para obter mais condições. Se estamos felizes vivendo no momento presente não precisamos recear tanto que o nosso medo nos leve a acumular mais riqueza e poder.

 

Cada um de nós tem uma idéia sobre a felicidade. Achamos que temos que obter isto ou nos livrarmos daquilo, antes de podermos ser verdadeiramente felizes. Temos muitas idéias, tais como, "Eu realmente quero aquele diploma", ou "Se eu tivesse essa posição." Nós temos uma idéia sobre o que nos fará felizes. Às vezes, uma nação inteira pode abraçar uma determinada política ou caminho ideológico pensando que é o único caminho para a felicidade.

 

Se você não foi capaz de ser feliz, talvez seja porque você está se agarrando com firmeza a sua idéia de felicidade. Solte essa idéia e a felicidade pode vir com mais facilidade. Imagine que há muitas portas que se abrem para a felicidade. Se você abrir todas as portas então a felicidade tem muitas maneiras de chegar a você. Mas o que acontece é que você fechou todas as portas exceto uma e é por isso que a felicidade não pode vir. Portanto, não feche as portas. Abra todas as portas. Não basta comprometer-se com uma ideia de felicidade. Solte a idéia de felicidade que você tem e então a felicidade poderá vir hoje. Muitos de nós estão presos a uma idéia sobre como podemos ser verdadeiramente felizes. Para ser um bom praticante, sente-se e reavalie a sua idéia de felicidade.

 

Muitos de nós estão ligados a uma série de coisas que achamos que são cruciais para o nosso bem-estar. Embora possamos ter sofrido muito por causa delas, nós estamos com medo de liberar essas coisas a que estamos ligados. Nós podemos estar ligados a uma pessoa, um bem material, ou uma posição na sociedade. Pensamos que, sem essa coisa, não estaremos seguros. Precisamos ter o insight que nos dará a coragem de nos livrarmos desse apego, para que possamos, finalmente, sermos livres. Alegria e felicidade podem nascer de liberar, de abrir mão de nossas idéias e apegos.

 

Gandhi expressou a mesma idéia da seguinte maneira: "Nossos antepassados sabiam como parar a fim de praticar o contentamento, eles não se satisfaziam sem restrição e não se afogavam no gozo dos prazeres sensuais Eles viram que a felicidade dependia da nossa maneira de ver as coisas. Se a nossa mente tiver amor e compreensão, teremos a felicidade. Não é necessariamente verdade que porque alguém é rico, é feliz, ou quando ele é pobre sofre". Aqueles que vivem uma vida simples tem contentamento. Embora possam não ter um grande salário, podem sorrir durante todo o dia e oferecer amor a cada dia.

 

O Segundo Treinamento também trata de ver a nossa profunda conexão com a Terra. Nós tendemos a ver a Terra como algo diferente de nós mesmos, algo que existe para nós usarmos, para explorarmos ou, na melhor das hipóteses, para protegermos. Com a Visão Correta e o insight da interexistência, vemos que somos compostos de elementos da Terra, como a água e sais minerais e de partículas que vêm do sistema solar. A Terra não está separada de nós. Quando exploramos e destruímos o meio ambiente, prejudicamos a nós mesmos, nossos descendentes e outras espécies. Ao poluir a água, o solo e a atmosfera, poluímos a nós mesmos. Se reconhecermos que viemos da Terra e somos parte da Terra, então sentiremos amor e gratidão pela Terra e, naturalmente, a trataremos com cuidado e respeito.

 

Podemos usar o Segundo Treinamento como um lembrete para a prática da gratidão para com os nossos antepassados, professores, amigos, todos os seres e a Terra. Nossos ancestrais não são apenas seres humanos. Nós, seres humanos viemos de outras espécies animais, vegetais e minerais. Os seres humanos são habitantes muito recentes do planeta Terra, por isso somos muito gratos a todas as espécies que habitaram a Terra há muito mais tempo que nós.

 

Na China e no Vietnã, temos a expressão "gratidão aos céus que nos cobrem e à Terra que nos carrega." Devemos gratidão a tudo o que nos rodeia. Quando vemos a água que vem da torneira, podemos estar cientes de que a água é proveniente de fontes da montanha e das profundezas da Terra. Podemos dizer: "A água flui maravilhosamente para nós e nossa gratidão está transbordando." Somos gratos ao ar, ao calor do sol, até o nosso sentimento de gratidão tornar-se tão vasto quanto o próprio universo.

 

Nos Estados Unidos, no dia de Ação de Graças, as pessoas decoram suas casas e jardins com abóboras e espigas de milho. Estes são os frutos da Terra. Todos os dias nós comemos e recebemos os frutos da Terra. Podemos praticar a gratidão por todas as espécies a cada minuto da nossa vida. A verdadeira gratidão é um sentimento que não tem limites. Geralmente pensamos em nossos pais como os que nos deram a vida e nos nutriram até a maturidade, mas muitas outras espécies contribuíram para nossa nutrição e crescimento. O sol e a Terra nos nutrem. Os objetos de nossa gratidão e nós mesmos somos um.

 

(Do livro “The mindfulness survival kit”– Thich Nhat Hanh)

(Traduzido por Leonardo Dobbin)

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