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 Estudos Budistas

Tradição do Ven. Thich Nhat Hanh

 

Nutrindo Paz (parte 1)

 

O Buda falou sobre o caminho de emancipação em termos de consumo. Em O Discurso na Carne do Filho o Buda ensinou que nós consumimos quatro tipos de nutrientes. Se diariamente nós estivermos atentos ao que nós estamos consumindo e entendermos sua natureza, poderemos transformar o sofrimento dentro de nós e ao nosso redor. Consumir com consciência é essencial para acabar com o terrorismo. 

 

A PRIMEIRA NUTRIÇÃO: O ALIMENTO QUE COMEMOS

 

O primeiro tipo de nutrição sobre a qual o Buda falou é o alimento que nós comemos. Ele nos aconselhou que comêssemos conscientemente de forma que a compaixão pudesse ser mantida em nosso coração. Os alimentos que nós comemos podem trazer venenos ao nosso corpo que podem destruir nossa compaixão. Eles podem causar sofrimento ao nosso corpo, nossa mente e ao mundo. Então, nós temos que saber o que estamos comendo e se o alimento que comemos está nos destruindo e destruindo nosso planeta. 

 

Para ilustrar isto, o Buda contou uma história de um casal jovem e o seu filho de três anos que tiveram que cruzar um deserto vasto para ir a outro país. No meio caminho pelo deserto faltou comida, e eles sabiam que morreriam se não pudessem achar comida. No alto do desespero eles decidiram matar o seu pequeno menino e comer a carne dele. Eles comeram um pedaço pequeno da carne e preservaram o resto levando nos ombros e deixando a carne secar ao sol. Toda vez que comiam um pedaço da carne do filho eles clamavam em desespero "Onde nosso filho amado está agora? " Eles bateram nos seus peitos e puxaram seus cabelo. Eles sofreram tremendamente. Finalmente eles puderam cruzar o deserto e entrar na outra terra, mas continuaram sofrendo e lamentando. 

 

Depois de contar esta história, o Buda perguntou para os monges "Queridos amigos, vocês pensam que o casal gostou de comer a carne do filho? " Os monges responderam, "Não, como qualquer um poderia gostar de comer a carne do próprio filho? " O Buda disse, "Se nós não consumirmos conscientemente nós estaremos comendo a carne de nosso próprio filho ou filha."  Para a maioria de nós, o corpo que recebemos no nascimento era saudável, mas se não consumirmos conscientemente e comermos comidas que provoquem doença em nosso corpo e mente, nós estaremos destruindo o corpo que nós foi dado. Nós seríamos indelicados com nossos antepassados. Nosso corpo nos foi dado por muitas gerações e nós não temos o direito de destruí-lo pelo modo que comemos e bebemos. 

 

Se usarmos drogas, bebermos álcool ou fumarmos cigarros, estaremos consumindo venenos que destroem nosso corpo e mente. Nós estaremos comendo a carne de nosso pai, nossa mãe e nossos antepassados. Nós também estaremos comendo a carne de nossos filhos e dos filhos de nossos filhos porque este corpo que estamos destruindo é o que nós passaremos a eles e às gerações do futuro. Pessoas tendem a pensar, "Este é meu corpo, eu posso fazer qualquer coisa que quiser. É minha vida." Mas nosso corpo não pertence só a nós; pertence também a nossos antepassados, nossa família e nossos filhos. Seu corpo é a continuação de seus antepassados. Você tem que tomar muito cuidado com ele assim poderá transmitir seu melhor para seus filhos e seus netos, seu parceiro e sua comunidade. 

  

Quando comemos carne e bebemos álcool, comemos a carne de nossos filhos. Até mesmo a produção de álcool cria sofrimento. Produção de álcool requer grãos que poderiam ser usados para alimentar as pessoas famintas do mundo. Fazer um copo de vinho de arroz leva uma cesta inteira de arroz que poderia alimentar crianças famintas. Oitenta por cento do milho e noventa e cinco por cento da aveia nos Estados Unidos são usados para alimentar animais criados para os humanos comerem. O mingau de aveia que os humanos comem pela manhã é só cinco por cento da quantidade de aveia plantada nos Estados Unidos. Somente o gado existente no mundo consome uma quantidade de comida equivalente às necessidades calóricas de 8,7 bilhões de pessoas, mais que a população humana inteira na Terra.

 

Há muitas pessoas que estão morrendo de fome no mundo. A UNICEF diz que diariamente 40.000 crianças morrem de desnutrição. Enquanto isso, muitos de nós no ocidente comemos demais. Cinqüenta e cinco por cento dos americanos são obesos. Obesidade está rapidamente se tornando uma epidemia nacional. Quando nós comemos demais, destruímos nosso corpo, o corpo de nossos antepassados e de nossos descendentes. Um economista francês me falou uma vez que se países super-desenvolvidos no ocidente reduzissem seu consumo de carne e de álcool em cinqüenta por cento, poderíamos resolver o problema da fome no mundo.

 

A Faculdade de Emory informa o seguinte impacto ambiental devido à produção de carne norte-americana:

 

Terra: De toda terra agriculturável nos EUA, 87 por cento são usados para criar animais para abate. Isso é 45 por cento do total dos EUA.

            Água: Mais da metade de toda a água consumida nos EUA para todos os propósitos é usada para criar animais para abate. São necessários 2.500 galões de água para produzir uma libra de carne. São necessários 25 galões de água para produzir uma libra de trigo. Isso é 25 contra 2.500 galões de água. Uma dieta totalmente vegetariana requer 300 galões de água por dia, enquanto uma dieta baseada em carne requer 4.000 galões de água por dia. 

Poluição: Criação de animais para abate causa mais poluição de água nos EUA que qualquer outra indústria. Animais criados para abate produzem 130 vezes o excremento da população humana inteira, 87.000 libras por segundo. Muito do lixo das fazendas e de matadouros são jogados nos rios, contaminando fontes de água. 

Desmatamento: Cada vegetariano economiza um acre de árvores todos os anos. Mais de 260 milhões de acres de florestas norte-americanas foram clareados para cultivar colheitas para alimentar animais criados para abate. Um acre de árvores desaparece cada oito segundos. As florestas tropicais estão sendo destruídas para criar pastos para gado. Podem ser derrubados cinqüenta e cinco pés quadrados de floresta tropical para produzir apenas um hambúrguer.

 

As florestas são nossos pulmões. Elas nos dão oxigênio e protegem nosso ambiente. Se nós comermos carne, estaremos destruindo as florestas e estaremos comendo a carne de nossa Mãe Terra. Todos nós, inclusive crianças, temos a capacidade de ver o sofrimento de animais criados para abate. Nós podemos escolher comer conscientemente e proteger a felicidade e vidas das espécies e da Mãe Terra. 

 

O modo que nós comemos até mesmo provoca guerra. A quantidade de recursos que usamos para fazer carne é imensa. As pessoas nos EUA são só seis por cento da população do mundo inteiro, mas os recursos que eles consomem são sessenta por cento de todos os recursos usados em Terra. No ocidente vivemos luxuosamente, comendo muito mais que precisamos, enquanto outros estão morrendo de fome. Nós comemos de tal modo que destruímos a Terra. Esta é uma grande injustiça, uma ofensa contra a raça humana inteira, como também aos animais, plantas, minerais e a atmosfera. Esta desigualdade causa ódio e enfurece o mundo. Quando as pessoas se enfurecem e o ódio é reprimido, ele explode em violência.

 

Nós temos a chance para parar a matança de animais e achar outros modos não violentos para produzir nossa comida. A comida pode ficar deliciosa sem usar a carne de animais. Quando comemos conscientemente, mantemos a consciência de nossa interdependência com outros seres e esta consciência nos ajuda a manter a compaixão em nosso coração. Quando nós comemos com compaixão, a felicidade surge. Um modo de nutrir nossa compaixão é discutir com nossa família como comer e beber com mais consciência. Outro modo é, como sociedade, olhar conjuntamente a maneira como nós produzimos e consumimos comida. 

 

A SEGUNDA NUTRIÇÃO: O ALIMENTO SENSORIAL

 

O segundo tipo de comida sobre o qual o Buda falou são as impressões sensoriais. Nós comemos com nossos seis órgãos do sentido: nossos olhos, ouvidos, nariz, língua, corpo, e mente. Um programa de televisão é comida; uma conversação é comida; música é comida; arte é comida; outdoors são comida. Quando dirigir pela cidade, você consome e é penetrado por estas coisas sem seu conhecimento ou consentimento. O que você vê, o que você toca, o que você ouve é comida. 

  

Estes artigos de consumo podem ser altamente tóxicos. Há música boa e há artigos de revista bons e programas de televisão que nutrem compreensão e compaixão em nós. Nós os deveríamos desfrutar. Mas muitos tipos de música, programas de televisão e revistas contêm desejo, desespero, e violência. Os anúncios de televisão que você é forçado a assistir são a comida dos sentidos. O propósito deles é fazer você desejar os produtos que eles querem vender e despertar seu desejo. Nós consumimos estes venenos e permitimos que nossas crianças também os consumam, fazendo o medo e o ódio em nós crescer diariamente. Não é um problema de consumir menos ou mais, mas de consumo certo, consumo atento. 

 

Para ilustrar a importância do consumo atento pelos sentidos, o Buda usou a imagem de uma vaca com doença de pele. Uma vaca estava tão doente que ela perdeu virtualmente toda sua pele e era vulnerável onde quer que fosse. Quando a vaca encostava-se em uma árvore, parede ou quando entrava na água, criaturas minúsculas vinham e chupavam o seu sangue. A vaca não tinha nenhum meio de proteção. Se nós não soubermos consumir conscientemente estaremos como uma vaca sem pele, as toxinas de violência, desespero e desejo penetrarão diretamente no âmago de nosso ser. 

 

De acordo com a Associação Psicológica Americana, uma criança americana típica assistirá na sua vida 100.000 atos de violências e 8.000 assassinatos na televisão. Isso é muito. Quando os pais estão tão ocupados e não têm tempo para as crianças, a televisão se torna uma babá perigosa. Desde muito cedo, crianças já começam a consumir sons e imagens muito tóxicos. Elas se tornam as vítimas da violência e do medo. 

  

Há as pessoas que discutem que embora eles tenham assistido filmes de cowboy quando eram jovens, não cresceram violentos. Mas os filmes de cowboy do passado não eram iguais aos filmes de hoje. Os filmes de uma geração atrás tinham um pouco de violência, mas muito menos que os filmes têm agora, e eles comunicavam algum senso de moralidade. Se alguém cometesse um ato de assassinato, iria para prisão. Pelo menos a pessoa que cometia violência não podia escapar. Os filmes agora freqüentemente mostram violência sem conseqüência ou responsabilidade. Em muitos jogos de videogame, as pessoas recebem tiros e são mortas e então vivem novamente como alvos novos. Quando as crianças jogam este tipo de jogo diariamente, fica fácil entender porque elas acabam trazendo uma arma para a escola e atirando nos outros. Este tipo de jogo é infinitamente perigoso. Quando as crianças são pequenas não podem distinguir entre o jogo e a realidade. Como as crianças consomem este tipo de comida dos sentidos diariamente pela televisão e videogame, constantemente estão alimentando a violência na sua consciência.

 

A América está ficando com cada vez mais raiva a cada dia. Cada vez mais, nós estamos consumindo o tipo de comida sensorial que traz violência e ódio para nossos corpos e mentes. A energia da violência está sendo nutrida nas pessoas em todos os lugares na vida diária. A violência nos subjuga e demanda uma saída. 

 

Nós podemos escolher a comida sensorial que nos cura e nutre ou a que nos envenena. Há certos tipos de livros e artigos que nos fazem sentir muito feliz e nos iluminam depois que os lemos. Certas música ou conversas também; enquanto escutamos nos sentimos inspirados e felizes. Nós podemos escolher consumir artigos que trazem leveza, paz e felicidade em nosso corpo e mente. 

 

Uma conversa simples com outra pessoa pode te levar ao desespero extremo ou pode lhe dar esperança e confiança. Às vezes, depois de escutar alguém falar, você se sente muito deprimido. Conversações podem conter toxinas, assim nós temos que falar e escutar em plena consciência. Para evitar a solidão, você pode ser empurrado a falar com qualquer um. Mas se alguém estiver falando de um modo muito negativo, este tipo de conversação pode o matar. Só escute e fale com pessoas que nutram amor e entendimento em você, a menos que esteja falando com alguém com o propósito exclusivo de ajudá-lo a transformar o seu sofrimento e violência. 

 

O Buda disse que plena consciência é a capacidade de voltar ao que está acontecendo no momento presente. Nós podemos estar atentos ao que estamos consumindo. O modo que nós produzimos e consumimos nos está destruindo e também aos jovens e a nossa nação inteira. Todo mundo pode praticar plena consciência para mudar isto. Como pais, professores, diretores e jornalistas nós temos que observar para ver se estamos contribuindo com o propósito de crescimento da violência pelo modo como vivemos nossas vidas diárias. Todos têm que compartilhar seu insight, para que nosso despertar coletivo possa nos ajudar a parar este caminho de destruição.

 

Nosso Congresso e nossa nação inteira podem praticar olhar em profundamente a natureza do que consumimos diariamente. Nós elegemos os membros do Congresso e podemos lhes pedir que façam leis para proibir a produção tóxica. Nós podemos falar com nossas famílias e comunidades e podemos fazer um compromisso de consumo atento e inteligente de comidas e artigos culturais. Consumindo conscientemente é o único modo para proteger a nós mesmos e à nossa sociedade da violência que está nos subjugando. Quando consumirmos conscientemente, recebemos nutrição e cura em nossa vida diária que nos permite abraçar e transformar a nossa dor e violência. Então saberemos o que fazer para a Terra se tornar um lugar seguro para nós, nossos filhos e as outras crianças. Esta é a real prática de paz.

 

(Do livro “Calming the fearful mind” – Thich Nhat Hanh - 2005)

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