Sangha Virtual

 Estudos Budistas

Tradição do Ven. Thich Nhat Hanh

 

O guia e a viagem

 

Cada um dos ensinamentos do Buda é inútil a menos que ele seja aplicado. Uma analogia útil poderia ser estudar um guia antes de embarcar em uma viagem. Podemos aprender no guia uma quantidade incrível de conhecimento sobre os pontos turísticos, monumentos e lugares onde ficar. No entanto, tudo permanece teórico até que se largue o livro e realmente embarquemos na viagem, usando as informações que aprendemos para nos ajudar no nosso caminho. Para ser um verdadeiro viajante precisamos largar o guia e começar a nossa jornada, onde quer estejamos agora — para respirar o ar do nosso novo ambiente, para saborear as iguarias locais e desfrutar do inesperado.

 

Por mais que gostássemos que fosse diferente, não podemos fazer a viagem de nenhuma outra pessoa. Nós precisamos fazer a nossa própria. Um guia é essencialmente a viagem de uma outra pessoa, um registro das descobertas de outra pessoa. Os ensinamentos budistas são como um guia para a maior viagem que podemos imaginar. Eles são as descobertas dos sábios, dos grandes professores que fizeram esta viagem antes de nós. Eles apontam os marcos para usarmos ao embarcarmos em nossa própria viagem — onde quer que estejamos.

 

Em 2010, fui convidado para ajudar a facilitar um dia de Plena Atenção na bonita Fundação Ojai no sul da Califórnia. Chegamos no final da noite e fui imediatamente dormir em nossa aconchegante cabine. Na manhã seguinte, acordei cedo e notei que ao lado de minha cama estava um pequeno panfleto que continha um mapa de uma "caminhada de gratidão" serpenteando os belos jardins.

 

Percebendo que isso seria uma ótima maneira de começar o dia, coloquei meu casaco e peguei o mapa. Ao sair pela porta da frente, olhei em volta para me orientar e então olhei para o mapa. Desenhado no mapa havia uma flecha e três palavras: "Você está aqui." Eu comecei a andar na rosa aurora e depois de alguns minutos a pé, não parecia estar no lugar indicado no mapa. Perplexo, virei-me e voltei para a cabine e então comecei a caminhar em outra direção. Havia a mesma incompatibilidade entre onde o mapa indicava que eu deveria estar e onde eu estava na verdade. Naquele momento, tenho que dizer que eu não tinha exatamente a experiência da gratidão! Eu percebi que tinha sido enganado pela seta e as três palavras, "você está aqui." Embora seja certamente verdade que "estou aqui", não era o "aqui" indicado no mapa.

 

Eu inspirava e expirava e percebi que tinha todas as informações que precisava. Larguei o mapa. Com passos lentos e suaves, comecei a caminhar e depois de um tempo cheguei em um lugar chamado “kiva profundo”. De lá, fiz meu caminho para a “árvore do ensinamento”, sob cujo largo abraço verde Thay deu palestras de Dharma na década de 1980. Ao longo da hora seguinte eu explorei os terrenos, confiando em meu passo e na viagem que eu precisava fazer, começando de onde eu precisava começar.

 

Um guia ou um mapa é importante para que nós saibamos que marcos estão lá fora e como uma ferramenta para usar em nosso caminho. Mas a decisão que nós realmente precisamos fazer é colocar um pé na frente do outro e embarcar na viagem, saindo do nível intelectual para o nível da experiência. Os ensinamentos do Buda, como um mapa, nos dão um resumo da viagem, interior e exterior, no entanto, cada um de nós vai entrar no caminho no ponto que é apropriado para si; e, se pudermos soltar nossa ideia de como as coisas "deveriam" ser, então seremos livres para começar a percorrer o caminho que é a nossa própria expressão única do Dharma.

 

Em centros Plum Village em todo o mundo, temos um versículo que chamamos o Verso de Abertura do Sutra, que se recita antes de ler qualquer um dos ensinamentos do Buda:

 

O Dharma é profundo e belo.

Agora temos a chance de ver, estudar e praticar.

Nós juramos perceber seu verdadeiro significado.

 

O que significa para você ver o Dharma? Você é capaz de ver o Dharma bem neste momento? O Dharma é presente para você?

 

Em 2004, durante o Retiro das Chuvas em Deer Park, passei algum tempo com Thay e ele virou-se para mim e disse, "Irmão Phap Hai, no Budismo Mahayana, há um ensinamento que diz que não há nada que não seja Dharma, nada que não seja um ensinamento se estivermos plenamente conscientes."

 

Sempre que eu recito o Verso de Abertura do Sutra, olho para mim e muitas vezes sou forçado a admitir que sou muito bom em ouvir e estudar o Dharma, mas não tão hábil em "ver" o Dharma na vida diária ou colocar o Dharma na "prática".

 

O verdadeiro ensinamento não está contido nas palavras. O familiar ditado zen lembra-nos que os ensinamentos falados e escritos são como "um dedo apontando para a lua". Ele aponta o caminho e não deve ser confundido com a própria lua. Ensinamentos estão sendo transmitidos em cada momento — através do som do vento nas árvores, do sol quente, da nossa respiração consciente e interações corporais — se nos permitirmos estar disponíveis para eles.

 

A importância da nossa presença física e de trazer a consciência para onde nos encontramos em nossa vida diária veio para mim alguns anos atrás logo depois que cheguei em Deer Park. Viajando pelo mundo, sempre achei interessante visitar supermercados locais e ver quais os alimentos que são populares. Então eu e o meu fiel companheiro, o irmão Phap Dung, descemos para o supermercado local e depois de vagarmos, finalmente nos encontramos nos corredores dos snacks, maravilhados com todas as diferentes variedades e sabores de batatas fritas e snacks que estavam em oferta. Enquanto estávamos lá deslumbrados, uma mulher se aproximou. Ela nos deu uma olhada, em seguida, agarrou um grande saco de batata da prateleira. Enquanto ela continuava pelo corredor, comentou, "sabia que eu estava no caminho certo!"

 

(Do livro “Nothing To It: Ten Ways to Be at Home with Yourself”)

Phap Hai é professor de Dharma e o monge sênior da tradição de Plum Village)

(Traduzido por Leonardo Dobbin)

 

 

 

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