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 Estudos Budistas

Tradição do Ven. Thich Nhat Hanh

 

O terceiro nutriente: volição

 

A primeira pergunta que o Buda fez ao jovem noviço Sopaka foi, "O que é o um?" Sopaka refletiu por um momento, e a resposta registrada no texto é que ele disse, "todas as coisas subsistem pela comida," ou seja, a única coisa que conecta tudo é que todas as coisas existem por causa dos nutrientes.

 

No ensinamento do Buda, há quatro tipos de nutrientes. Talvez seja mais claramente descrito no Discurso do Buda sobre os Quatro Tipos de Nutrientes. É uma contemplação muito profunda sobre os quatro tipos diferentes de alimento para o corpo e a mente.

 

O terceiro tipo de nutriente é descrito usando o termo "volição". Nós também podemos descrevê-lo como "aquela energia que nos move para a frente." Às vezes usamos a palavra “aspiração" ou "intenção". Em nossa vida prática é essencial identificar e definir as nossas intenções. A intenção é muito diferente de um objetivo. Um objetivo é algo que esperamos alcançar no futuro. Uma intenção, por outro lado, é algo sobre o que podemos estabelecer o nosso coração e começar a manifestar aqui e agora.

 

À medida que avançamos com a nossa vida de prática tornamo-nos cada vez mais conscientes das intenções sutis que trazemos a cada encontro, a cada momento. O que está me empurrando para a frente? O que me empurra para frente neste momento? É um desejo de me conectar com os outros, uma intenção compassiva, uma intenção de amor? Ou é uma intenção de me fechar, de conseguir algo para mim?

 

Temos que ter muito cuidado com o que desejamos! Em 2005, durante o retorno do Thay ao Vietnã, tivemos a oportunidade de um “alms round” silenciosamente em Hue. Um “alms round” é uma prática tradicional em muitas comunidades budistas asiáticos, em que os membros monásticos sejam parados ou caminhando silenciosamente com uma tigela esmolam por comida. Naquela época nós já tínhamos viajado ao redor do Vietnã por cerca de seis semanas e, mesmo amando comida vietnamita, eu realmente estava desejando um pedaço de pão, que era menos comum encontrar lá.

 

Enquanto caminhávamos lentamente por entre a multidão de pessoas durante o “alms round”, recebi arroz, doces cozidos em folhas de bananeira, tofu salgado e várias frutas. Os monásticos só têm permissão para receber as ofertas de comida até a borda da tigela de mendicância, que é tradicionalmente conhecida como o Recipiente de Medida Adequada. Na metade de nossa caminhada, meu prato estava quase completo. De repente uma mulher colocou um pedaço de pão fresco e uma fatia de queijo na minha tigela. Eu sentia como se todos os meus natais tivessem vindo de uma vez e eu continuei andando, encantado. Como eu continuei meu caminho, mais ofertas foram colocadas na minha tigela até que ela ameaçou transbordar. Quando um Recipiente de Medida Adequada está cheio, se recebemos uma oferta adicional, é costume oferecer algo para o doador em seu lugar. Quase rasgou meu coração, mas eu tinha que oferecer de volta a preciosa baguete e o queijo para receber uma oferenda de arroz de uma mulher mais velha.

 

Sentamo-nos sob a sombra fresca das árvores para desfrutar do nosso almoço silenciosamente, e mesmo o almoço estando delicioso, eu não conseguia parar de pensar na baguete e no queijo. Depois disso, nós levantamos para fazer nosso caminho de volta em procissão para o templo. Ao sair do parque, um senhor idoso, segurando um saco de plástico rosa foi direto para mim. Ele empurrou a bolsa rosa em minha mão e desapareceu de volta no meio da multidão. Ao voltar para o templo, eu olhei dentro da bolsa e descobri quatro baguetes frescas e uma caixa de queijo!

 

No primeiro verso de um dos primeiros textos budistas, o Dhammapada, o Buda é citado como tendo dito: "a mente é o precursor de todas as coisas. Elas são governadas pela mente e dependem da mente.” Eu notei que a vida muitas vezes parece nos presentear com o que esperamos receber. Em outras palavras, nossa intenção ou motivação contribui para criar nossa realidade, porque essa direção é a lente através da qual podemos ver o mundo que nos rodeia.

 

A imagem que o Buda oferece para "volição" no discurso sobre Os Quatro Tipos de Nutrientes é a de brasas incandescentes. Esta qualidade do amor é uma qualidade essencial do caminho. Sem esse coração quente, nossa prática é, ou em breve se tornará, seca e chata.

 

Na tradição Mahayana, uma prática muito importante é desenvolver a nossa mente do amor. Thay escreveu um livro inteiro sobre isso chamado “Cultivando a Mente do Amor”. A "mente de amor" é outra maneira de traduzir o termo sânscrito bodhicitta, aquilo que nos move para a frente para nos despertar e nos ajuda a sair de nossos pequenos confortos para estar em conexão com os outros e estar presente para eles. Pema Chödrön descreve isso muito bem: "nosso ponto fraco," aquele lugar onde somos nós mesmos, somos menos protegidos e somos capazes de conhecer os outros e o mundo que nos rodeia abertamente.

 

(Do livro “Nothing To It: Ten Ways to Be at Home with Yourself”)

Phap Hai é professor de Dharma e o monge sênior da tradição de Plum Village)

(Traduzido por Leonardo Dobbin)

 

 

 

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