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 Estudos Budistas

Tradição do Ven. Thich Nhat Hanh

 

Os cinco Skandhas

 

Enquanto eu me sento aqui nesta manhã, meus pensamentos viajam de volta para dezembro de 2012, quando o mundo ia acabar. Você se lembra disso? Parece que há sempre alguém nos dizendo que o mundo está chegando ao fim, não é? Eu me lembro de uma outra vez quando um pregador previu que o mundo ia acabar em maio de 2011. Eu saí, esperei o mundo acabar, depois entrei e jantei.

 

O que é "o mundo" e o que é um começo ou um fim? Pode algo completamente acabar? Na contemplação budista, entendemos que cada momento dá origem a outro, que isso é porque aquilo é. Nós não existimos isoladamente. Não há nada que exista por si mesmo sozinho.

 

Quando eu ouço "o fim do mundo" e contemplo os inícios e finais, sempre me lembro do versículo no texto budista "o mundo existe dentro de nossa própria mente, dentro de nosso próprio corpo."

 

Era uma vez um rei que convocou uma reunião dos sábios do reino e disse, "Eu quero que vocês reúnam todo o conhecimento para que meus filhos possam ler e aprender."

 

Os sábios foram embora e voltaram um ano depois, com mais de vinte volumes de conhecimento. O rei olhou através dos volumes e disse, "não, é muito longo. Façam mais curto." Então os sábios saíram e voltaram um ano depois com um único volume. O rei de novo rejeitou, dizendo: "Não, ainda é muito longo."

 

Então mais uma vez, os sábios trabalharam por mais um ano. Quando eles voltaram para o palácio, entregaram ao rei um pedaço de papel com uma única frase, "Isto também passará."

 

Há momentos quando nos é dito por outros que o mundo vai acabar. Existem muitas mais vezes quando dizemos a nós mesmos que "este será o fim", seja de um relacionamento, um sentimento, uma experiência ou uma vida. O conceito que temos de um começo absoluto como algo que pode ser localizado no tempo, o "nascimento" e um final absoluto, um tempo quando está tudo acabado, "morte" ou "aniquilação", é uma grande causa de muitos dos nossos mais profundamente medos.

 

Nascimento e morte, indo e vindo, aqui e ali: todos esses conceitos existem dentro de nossa própria mente e corpo. Mesmo a coisa mais simples tal como um pensamento ou uma formação mental surge, habita por um período de tempo e então parece desaparecer.

 

O mesmo é verdadeiro com a nossa respiração: a respiração tem um momento de início, e tem um momento que parece ser um final. Mas o final de uma respiração dá origem à seguinte. O final deste momento é o nascimento do próximo momento. A vida é cheia de começos e fins, nascimentos e mortes, antes e depois: esta é a realidade. Mas é apenas um lado da realidade; é a verdade convencional, mas não a verdade absoluta.

 

Quando experimentamos algo que supostamente está terminando, temos a capacidade de nos perguntarmos o que está iniciando? O que isto está convidando?

 

Uma das maneiras mais fundamentais que vemos a nós mesmos, nosso ser, é através da estrutura dos cinco Skandhas. A palavra sânscrita skandha é uma palavra sânscrita que significa literalmente "pilhas," "montes", "formações" ou "agregados". Estes são os aspectos do nosso ser que dependem um do outro e juntos compõem o que comumente chamamos de "nós" ou "mim". Os cinco Skandhas são forma, sensação, percepção, formações mentais e consciência.

 

Em seu livro maravilhoso, “O Sutra do Coração”, o estudioso Red Pine nos oferece uma bela maneira de entender o conceito e a inter-relação dos cinco Skandhas. Ele nos lembra que a palavra sânscrita skandha também significa "árvore". Considere por um momento, um bosque de figueiras. Ao longo de muitos anos, os troncos e galhos se entrelaçam e se tornam indistinguíveis uns dos outros. Como um bosque de figueiras, os skandhas são inter-relacionados, dependem uns dos outros e são separados apenas no nome.

 

O primeiro skandha, rupa ou forma, é uma parte do aspecto da “mente - corpo” (nama-rupa). Refere-se ao nosso corpo, nossa fisicalidade: aquilo que consideramos sólido e parece firme. Não sei sobre você, mas eu ao ficar mais velho estou percebendo que meu corpo está começando a parecer menos firme em lugares que já foi firme e firme em lugares que já foi solto! Então nossa forma, que parece tão fixa, na verdade, sempre está mudando ao longo do tempo.

 

Prática sugerida: Sensibilização com os olhos fechados

 

Feche os olhos suavemente e permita-se chegar em seu corpo. Sinta a sensação do seu corpo pressionando contra a almofada ou na cadeira aonde você estiver sentado e além disso, observe os espaços onde seu corpo não toca em nada. Comece a notar qualquer sensação que surja em seu corpo — formigamento, coceira, tensão, relaxamento. Você pode notar o seu batimento cardíaco. Observe e descanse com essas sensações por alguns minutos. Observe como as sensações e a experiência do seu corpo mudam de momento a momento.

 

Coletivamente os outros quatro skandhas — sensação, percepção, formações mentais e consciência — são o que chamamos de mente (nama). Quando falamos de "mente" no budismo ou na psicologia budista, em termos simples, nós estamos falando de sensação, percepção, formações mentais e consciência.

 

É importante compreender que os skandhas Intersão, eles não são entidades separadas. Seu corpo não é separado de sua mente, de seu sentimento ou de sua percepção. Se você está com raiva, por exemplo, ela não existe apenas em sua mente sozinha, tem um efeito físico mensurável. Você sente seus músculos apertarem e sua adrenalina através de seu corpo. Emoções, sentimentos e pensamentos têm efeitos físicos mensuráveis. Todos nós crescemos ouvindo coisas como "você é o que você come". A consciência é uma forma de comida, nutriente. Portanto, é igualmente válido dizer, "nós somos o que pensamos."

 

Para dar outro exemplo da inter-relação entre os cinco skandhas, neste momento você está lendo estas palavras pelos órgãos físicos chamado olhos, ou ouvindo-os em forma de áudio, ou lendo estas palavras através de Braille com seu sentido do tato. Quando a consciência com base em nossos olhos físicos (consciência da visão) entra em contato com um estímulo — como estas palavras — então é formada uma percepção (vemos algo), um sentimento surge (talvez tenhamos gostado, talvez não), e se manifesta uma formação mental. Da mesma forma quando ficamos em contato com um som, toque, cheiro ou pensamento, formamos uma percepção e sentimentos surgem, seguido pelo julgamento se a sensação é agradável, desagradável ou neutra. Se começarmos a contemplar nossa experiência desta forma, começamos a entender que estamos co-criando também o objeto de nossa percepção.

 

Uma percepção não é algo que esteja separada do nosso corpo ou das formações mentais e consciência. Tudo é inter-relacionado. Antes de entrarmos pela porta da meditação profundamente, temos uma grande certeza que percebemos o mundo totalmente, completamente e corretamente — e que todos veem o mundo da mesma forma que nós.

 

Há alguns anos, estava acolhendo alguns jovens irmãos e irmãs de origem vietnamita em Deer Park. Após sermos apresentados, uma das irmãs veio perto de mim, olhou nos meus olhos e disse, "irmão Phap Hai, tenho olhos castanhos, você tem olhos verdes. Você vê as mesmas coisas que eu?"

 

Eu diria que não, nós não experimentamos a mesma coisa que mais ninguém. Tudo vem através de filtros e vemos uma imagem que nós mesmos criamos. É muito raro que percebamos algo como é.

 

O Buda nos ensinou que todas as nossas percepções estão erradas ou incompletas — há sempre mais para descobrir. Há um ensinamento muito profundo e direto no Cânone Pali que age como um convite para observarmos as interpretações que fazemos dos objetos de nossa percepção (ou, como gosto de colocá-lo, as histórias dizemos a nós mesmos).

 

Uma vez um praticante chamado Bahiya aproximou-se do Buda e pediu um ensinamento. O Buda compartilhou, "quando você vê algo, só veja. Quando você ouvir algo, apenas ouça, quando você provar algo, só prove... quando você simplesmente experimentar algo e não tiver qualquer 'portanto', o sofrimento termina”.

 

(Do livro “Nothing To It: Ten Ways to Be at Home with Yourself”)

Phap Hai é professor de Dharma e o monge sênior da tradição de Plum Village)

(Traduzido por Leonardo Dobbin)

 

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