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 Estudos Budistas

Tradição do Ven. Thich Nhat Hanh

 

Passos práticos para diminuir a distância que nos mantém desconectados

 

Pergunta: Martin Luther King disse que estamos presos em uma inescapável rede de interação que afeta a todos nós. Tendo isso em mente sinto que estamos todos conectados neste planeta. O que você recomenda como os primeiros passos para pessoas de diferentes raças e antecedentes começar a diminuir a distância do racismo e intolerância que temos agora e que tem se expandido para fora do povo americano devido às questões do 11 de setembro. Mas é uma pergunta de duas partes: A primeira é onde que começam os passos práticos que os indivíduos podem dar para diminuir a distância que nos mantém desconectados apesar de negarmos e a segunda pergunta é como lidamos com os legítimos medos sobre o 11 de setembro que nos levou a olhar para os nossos cidadãos americanos de uma maneira hostil e distante. Como você vê que os indivíduos podem reduzir essas distâncias.

 

Thay: Creio que temos que acordar para o fato que tudo é conectado a tudo mais. Achamos que segurança, bem-estar, não podem mais ser problemas individuais. Se os outros não estão seguros, não há jeito de ficarmos seguros. Cuidar da segurança dos outros é ao mesmo tempo cuidar da nossa própria segurança. Tomar conta do bem-estar dos outros é tomar conta do nosso próprio bem-estar. É a mente da discriminação, separação, que está na base de toda violência e ódio.

 

Minha mão direita escreveu todos os poemas que eu compus. Minha mão esquerda não escreveu nenhum poema. Mas minha mão direita não pode pensar: “Você, mão esquerda, não é boa para nada”. Minha mão direita não tem absolutamente complexo de superioridade. É por isso que é muito feliz. Minha mão esquerda não tem nenhum complexo, nem o de inferioridade. Nas minhas duas mãos há a sabedoria da não discriminação.

 

Um dia eu estava martelando um prego, a mão direita não estava muito firme e acertou no pregoe no dedo. A mão direita largou o martelo e tomou conta da mão esquerda de um modo bastante carinhoso como se estivesse tomando conta de si mesmo. Ela não diz:” Você mão esquerda sabe que eu mão direita estou tomando conta de você e você tem que lembrar para retribuir no futuro.” Não há esse tipo de pensamento. Minha mão esquerda não diz assim:” Você mão direita me feriu muito. Me dê o martelo eu irei acertá-la, eu quero justiça”. As duas mãos sabem que estão juntas, estão uma na outra.

 

Eu acho que se israelenses e palestinos soubessem que são irmãos, como duas mãos, eles não iriam se punir nunca mais. A comunidade internacional não tem ajudado a eles ver isso. Muçulmanos e hindus também. Se eles soubessem que discriminação está na base do nosso sofrimento, aprenderiam a tocar a semente da não discriminação neles. Aquele tipo de despertar, de entendimento profundo que trará reconciliação e bem-estar.

 

Eu penso que é muito importante para os indivíduos que tem muito tempo para olhar para a situação em profundidade e insight que violência não pode remover a violência, apenas escuta profunda e fala amorosa podem ajudar a restaurar comunicação e remover as percepções erradas que são a base de toda violência, ódio e terrorismo. Com esse tipo de insight, ele pode ajudar outras pessoas a ter o mesmo tipo de insight.

 

Eu acredito que nos EUA há muitas pessoas despertas para refletir que a violência não pode remover violência. Que não há um caminho para a paz, mas paz é o caminho. Essas pessoas têm que se juntar e mostrar essa preocupação de forma forte e oferecer essa luz, a luz e insight coletivo para a nação. Para que a nação possa sair da situação todos têm o dever de ajudar trazendo esse tipo de insight coletivo. Esse insight e compaixão nos farão fortes e corajosos o bastante para trazer uma solução para nós e para o mundo.

 

Toda vez que inspiramos voltamos para nós mesmos e trazemos elementos de plena consciência de harmonia de paz em nós, isto é um ato de paz. Toda vez que sabemos como olhar para outro ser vivo, reconhecermos o seu sofrimento que o faz agir ou falar assim e somos capazes de ver que ele é vítima de seu próprio sofrimento que ele não pode lidar. Quando esse tipo de compreensão surge em nós, podemos olhar para o outro com os olhos da compaixão. Quando olhamos com olhos de compaixão, nós não sofremos e fazemos a outra pessoa sofrer menos.

 

Estes são atos de paz que podem ser partilhados com outras pessoas. Em Plum Village temos a oportunidade de praticar juntos como uma comunidade. Somos 700 pessoas vivendo como uma família numa maneira muito simples. Somos capazes de construir uma irmandade. Embora vivamos de forma simples temos muita alegria por causa da quantidade de compreensão e compaixão que podemos gerar. Convidamos outras pessoas para vir e praticar conosco. Vamos para muitos países da Europa, Ásia, América para oferecer retiros de plena consciência de forma que as pessoas tenham chance de se curar, se transformar e se reconciliar.

 

Cura, transformação e reconciliação é o que acontece sempre nos nossos retiros. Isso pode ser muito nutritivo para você. Temos convidado israelenses e palestinos ao nosso centro para praticar conosco. Quando chegam sempre trazem muita raiva, suspeitas, medo e ódio dentro deles. Mas depois de uma semana ou duas de prática de respiração atenta, sentar atentamente e caminhar estão aptos a reconhecer sua dor, abraça-la e trazer alívio. Quando eles são iniciados na prática de ouvir atentamente estão aptos a ouvir aos outros grupos e perceber que os outros grupos podem sofrer como nós.

 

Quando você sabe que eles sofrem também pela violência, pelo ódio, pelo medo e desespero, você começa a olhá-los com o olhar da compaixão. Nesse momento você começa a sofrer menos e os faz sofrer menos. A comunicação se torna possível com o uso da fala amorosa e escuta atenciosa. Eles sempre se tornam um grupo no final da prática e nos reportam o sucesso da sua prática. Eles sempre voltam ao Oriente Médio com a intenção de criar comunidades de prática de forma que outros possam se juntar a eles e sofrer menos.

 

Penso que essa prática é muito efetiva. Nos últimos 4 ou 5 anos fizemos assim e sempre tivemos sucesso. Acreditamos que se este tipo de prática for aplicado em nível nacional, nível internacional poderá ter o mesmo efeito. Infelizmente os líderes políticos não foram treinados neste tipo de prática: respiração consciente, caminhar consciente, abraçar a dor e a angústia para se transformar. Eles foram treinados apenas em ciências políticas. É por isso que é muito importante que nossos amigos aqui (no Congresso americano) tentem trazer para a vida política a dimensão espiritual. Não vagamente, mas em termos concretos, prática concreta.

 

Falar assim não ajudará muito, mas se você for para um retiro de 5 ou 7 dias a prática de inspirar e expirar, andar consciente, comer consciente, voltar a si mesmo e tomar conta da dor interior é realmente concreta. Você é apoiado por centenas de pessoas praticando ao seu redor e você se transforma, se cura depois de um certo número de dias de prática. Quando você está num retiro assim está em contato com pessoas que são experientes na prática e podem te oferecer a energia coletiva de consciência que pode te ajudar a reconhecer, abraçar a dor dentro de você para sua transformação e cura.

 

É por isso que em um retiro, sempre levamos praticantes experientes em número suficiente de forma a oferecer a energia coletiva de plena consciência e concentração para cura. O professor, não importa seu talento, não pode fazer isso. Você precisa de uma Sangha, uma comunidade de prática, onde todos sabem como ser paz, como falar paz, como pensar paz, de forma que os praticantes iniciantes possam aproveitar o insight coletivo. É isso que estamos pedindo aos nossos amigos políticos que deveríamos ter praticantes experientes suficientes para que possamos oferecer a prática aos novos na prática. Isso é extremamente importante.

 

(Palestra de Dharma de Thich Nhat Hanh na Biblioteca do Congresso dos EUA em 9 de outubro de 2004 – transcrito do vídeo do YouTube

https://youtu.be/c4m7kXw5mvc)

Traduzido por Leonardo Dobbin)

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