Sanghuinha Virtual

 Textos para Crianças

Tradição do Ven. Thich Nhat Hanh

 

O Eremita e o poço

 

Eu gostaria de contar a você a história de meu encontro com o Buda dentro de mim. Quando eu era uma criança como você, vivia no Norte do Vietnã, na província de Thanh Hoa. Quando eu tinha 9 anos de idade, achei uma revista com desenhos em preto e branco do Buda na capa. Ele estava sentado na grama. Sentava de modo bonito e parecia muito pacífico e feliz. Sua face era calma e relaxada, com um leve sorriso. Eu olhei para a figura do Buda e aquilo me fez ficar em paz também.

 

Mesmo sendo um garoto pequeno, eu percebi que as pessoas a minha volta não eram habitualmente calmas e pacíficas daquele modo. Portanto quando vi o Buda parecendo tão pacífico e feliz apenas sentando na grama, eu quis ser como ele. Embora eu não soubesse nada sobre o Buda ou sobre sua vida, quando eu vi aquela figura, senti amor por ele. Depois disso, tive um desejo muito forte de me tornar alguém que pudesse sentar como ele fazia, de modo bonito e em paz.

 

Um dia quando eu tinha 11 anos, meu professor na escola anunciou que iríamos ao topo da Montanha Na Son fazer um piquenique. Eu nunca tinha ido lá antes. O professor nos disse que no topo da montanha vivia um eremita. Ele explicou que um eremita era alguém que vivia sozinho e praticava dia e noite para se tornar como o Buda. Que fascinante! Eu nunca tinha visto um eremita antes, e fiquei muito excitado com a perspectiva de subir a montanha e o encontrar.

 

No dia anterior da saída, preparamos comida para o piquenique. Cozinhamos arroz, fizemos os bolinhos de arroz, e os enrolamos em folhas de bananas. Preparamos sementes de gergelim, amendoim e sal para o arroz ficar imerso. Você pode nunca ter comido uma bola de arroz imersa em sementes de gergelim, amendoim e sal, mas eu posso te dizer que é muito delicioso. Também fervemos água para beber, porque não era seguro beber água diretamente do rio. Ter água fresca para beber é maravilhoso também.

 

Cento e cinqüenta estudantes da minha escola foram juntos à viagem ao campo. Nos dividimos em grupos de cinco. Carregando nossa cesta de piquenique conosco, andamos um bom tempo, cerca de 16 quilômetros, antes de alcançarmos os pés da montanha. Então começamos a subir.

 

Havia muitas árvores e pedras bonitas ao longo do caminho. Mas não as apreciamos muito porque estávamos ansiosos em alcançar o topo da montanha. Meus amigos e eu subimos tão rápido quanto podíamos – nós praticamente corremos montanha acima. Quando eu era pequeno, não sabia, como sei agora, sobre a alegria da meditação caminhando – sem correr, apenas desfrutando cada passo, as flores, as árvores, o céu azul e a companhia dos amigos.

 

Quando meus amigos e eu chegamos ao topo, estávamos exaustos. Tivemos que beber toda nossa água no caminho e não sobrou nada. Além disso, eu estava com muito desejo de achar o eremita. Nós achamos sua cabana feita de bambu e palha. Dentro, vimos uma pequena cama de bambu e um altar também feito de bambu, mas ele não estava lá. Que desapontamento! Eu pensei que o eremita deveria ter ouvido que muitos garotos estavam subindo a montanha, e como ele não gostava de muita falação e barulho, ele teria se escondido.

 

Era hora do almoço, mas eu não queria almoçar porque estava tão cansado e desapontado. Pensei que talvez andando pela floresta teria uma chance de encontrar o eremita. Quando eu era pequeno tinha muita esperança – tudo era possível.

 

Portanto deixei meus amigos e comecei a subir ainda mais a montanha. Enquanto andava por dentro da floresta, ouvi o som de água gotejando. Você provavelmente já ouviu também. É como o som do vento ressonando ou um piano sendo suavemente tocado – muito claro e leve, como cristal. Era tão apelativo e pacífico que eu comecei a subir na direção do som adorável, levado também pela minha grande sede.

 

Não muito depois eu cheguei a um poço natural feito de pedras. Eu sabia que as águas das fontes vêm das profundezas da Terra. Onde a água surgia na superfície, um poço natural feito de rochas grandes com muitas cores a sua volta formavam uma piscina pequena. A água era profunda e tão clara que era possível ver o fundo. A água parecia tão fresca e convidativa que eu ajoelhei, peguei um pouco com a palma das minhas mãos e bebi. Você não pode imaginar minha felicidade. A água tinha um gosto maravilhosamente doce. Era tão delicioso, tão refrescante! Eu me senti completamente satisfeito. Eu não tinha nenhum desejo restante em mim – mesmo o desejo de conhecer o eremita tinha ido. É o sentimento mais maravilhoso, o sentimento de uma brisa, quando não se deseja nada mais.

 

De repente, me ocorreu que no final das contas, talvez eu tivesse encontrado o eremita. Eu comecei a pensar que o eremita tinha poderes mágicos, que ele tinha se transformado no poço de forma que eu pudesse conhecê-lo, e que ele cuidava de mim. Isto me fez feliz.

 

Deitei no chão perto do poço e olhei para o céu. Vi os galhos de uma árvore contra o céu azul. Eu estava tão relaxado que logo caí num sono profundo. Não sei por quanto tempo dormi, talvez 3 ou 4 minutos. Quando acordei, não sabia onde estava. Quando vi o galho da árvore contra o céu e o poço maravilhoso, eu me lembrei de tudo.

 

Era hora de voltar e me juntar aos outros meninos ou eles ficariam preocupados comigo. Eu disse adeus ao poço e comecei a voltar. Enquanto andava pela floresta, uma frase se formou no meu coração: “Eu provei a melhor água do mundo.”  Eu sempre me lembrarei dessas palavras.

 

Meus amigos estavam felizes de me ver quando retornei. Eles estavam rindo e falando alto, mas eu não tinha vontade de falar. Não estava ainda pronto para dividir minha experiência com o eremita e o poço com os outros garotos. O que aconteceu foi algo muito precioso e sagrado, e eu queria manter isso para mim. Eu sentei no chão e comi meu almoço em silêncio. O arroz e as sementes de gergelim tinham gosto muito bom. Eu me senti em paz e feliz.

 

Eu conheci meu eremita na forma de um poço. A imagem do poço e o som da água caindo ainda estão vivas em mim hoje. Você também pode conhecer seu eremita, talvez não como um poço mas como algo igualmente maravilhoso. Talvez uma rocha, uma árvore, uma estrela ou um lindo por do sol. O eremita é o Buda dentro de você.

 

Talvez você não tenha conhecido seu eremita ainda, mas se você olhar em profundidade ele se revelará para você. Está dentro de você.  Na verdade, todas as coisas maravilhosas que você está procurando – felicidade, paz e alegria – podem ser achadas dentro de você. Você não precisa procurar em outro lugar.