Sangha Virtual

 Estudos Budistas

Tradição do Ven. Thich Nhat Hanh

 

Plena Consciência e Felicidade

 

A prática do budismo é a prática de viver profundamente cada momento de sua vida diária, e o coração da prática é a plena consciência, porque ela é a capacidade de estar lá, totalmente presente no aqui e agora. Quando tivermos a energia de plena consciência seremos capazes de estar no aqui agora e esta é a condição básica para tocar em profundidade a vida. Se você estiver distraído, se sua mente é capturada pelas suas lamentações com respeito ao passado, ou medo e incertezas sobre o futuro, então você não será capaz de estar totalmente presente no aqui e agora. Portanto, você perde as maravilhas da vida disponíveis neste momento. É por isto que a plena consciência é o coração da prática budista, é estar plenamente consciente em cada momento de sua vida diária.

 

Quando você bebe seu chá matinal, deveria bebê-lo de tal modo que a vida seja possível naquele momento. Paz, estabilidade e alegria são possíveis no momento em que o chá é bebido. Você tem que estar concentrado, plenamente consciente do chá de forma que o ato de beber seu chá seja um ato real de plena consciência. É apenas bebendo seu chá em plena consciência que você pode realmente desfrutá-lo. Você tem que estar totalmente presente neste momento, tem que ajudar o chá a se revelar cem por cento para você. Você tem que oferecera si mesmo cem por cento ao chá e aí você e o chá se tornarão perfeitos naquele momento. E assim o ato de beber o chá poderá trazer a você muita felicidade. Isto é simples, é algo que você pode fazer, e isto é a prática.

 

Quando você senta com seu filho, sente-se de tal forma que você esteja lá cem por cento para ele. Você verá que seu filho se revelará para você cem por cento. Se você estiver disponível para ele, ele estará cem por cento disponível para você. Portanto, sente-se com seu filho de tal modo que você esteja totalmente presente e vivo e de forma que o momento de sentar junto se torne um momento eterno, um momento de alegria, de paz. Se você for pego por suas preocupações, pelos seus lamentos, seu medo, sua raiva, você não estará lá e seu filho também não.

 

Quando você olha para o céu matinal, olhe de tal forma que o céu se revele cem por cento, e a condição básica é que você esteja lá cem por cento para o céu. Eu lembro que um dia recebi uma visita de um repórter de São Francisco. Ele estava lá para uma entrevista comigo e eu o convidei a tomar chá no jardim. Eu propus que ele esquecesse a entrevista, que apenas desfrutasse o chá comigo e eu daria a ele as instruções de como estar lá integralmente para o chá e ele gostou.

 

Ele teve uma amostra da prática de plena consciência, e é por isso que o artigo que ele escreveu foi bom. Qual o propósito da entrevista se você não conhece a prática? E então andei com ele até o seu carro. Na metade do caminho pedi a ele que parasse e propus que ele olhasse para o céu azul e praticasse “inspirando estou consciente do céu azul, expirando eu sorrio para o céu azul.” Nós ficamos lá olhando o céu azul, inspirando e expirando juntos e sorrindo. Ele me disse; “É maravilhoso, é a primeira vez que olho o céu dessa maneira, muito profunda.” O céu se revelou para ele inteiramente porque ele estava presente cem por cento para o céu.

 

Muitos de nós já olhamos para o céu, vimos o céu é claro, mas não dessa maneira. Se nossa plena consciência é clara então o céu se revelará para nós dessa maneira profunda. Portanto, beba seu chá, sente-se com seu filho, olhe para o céu de tal forma que a vida seja possível naquele momento. Isto é a vida.

 

A palavra budismo vem da raiz Budh, que significa acordar, despertar, saber o que está acontecendo. Budh significa também saber o que está acontecendo e aquele que está desperto, aquele que tem um conhecimento consciente do que está acontecendo, o chamamos de Buda. Buda não é o nome de uma pessoa, Buda é apenas uma palavra que descreve alguém que está realmente presente, acordado, sabendo o que está acontecendo, e é por isso que a energia que habita no Buda é a da plena consciência.

 

Plena Consciência é a capacidade de estar plenamente presente no momento. E quando bebemos nosso chá perfeitamente em plena consciência nós somos Budas, mas porque não praticamos não somos um Buda em tempo integral. Somos Budas por poucos segundos e depois somos um não-Buda de novo. Por isso que com o apoio de uma comunidade podemos nos tornar mais e mais Buda.

 

Praticando plena consciência você desenvolverá a capacidade de ser livre. Cultivamos nossa liberdade e sabemos que liberdade é a base da felicidade. Não há felicidade sem liberdade. Quando andamos podemos andar como uma pessoa livre ou um escravo, depende somente do modo como você anda. Se você for capturado pela sua raiva, pelas suas preocupações sobre o futuro, suas culpas do passado então você não será uma pessoa livre. Você caminha, mas é um escravo. Mas se você é capaz de dar passos sólidos, pacíficos, e se você desfrutar de cada passo que dá, estará livre das suas preocupações, seu medo, suas lamentações e aí será uma pessoa livre. E sendo livre poderá ser feliz.

 

Portanto a quantidade de felicidade que você tem depende da quantidade de liberdade que você tem no seu coração. Portanto a prática da plena consciência, estar presente no aqui e agora, é realmente a prática da liberdade. Não se permita ser capturado pelo passado, futuro, pelas suas preocupações ou ansiedades. Liberte-se de forma a estar presente no aqui e agora e tocar as maravilhas da vida que estão disponíveis no aqui e agora. Esta é a prática da plena consciência.

 

Quando praticamos a meditação caminhando investimos cem por cento de nós mesmos no ato de andar. Quando nossa mente e corpo estão totalmente concentrados no ato de dar um passo, a energia que nos ajuda a fazer isso é a plena consciência. Quando a plena consciência está presente, estamos concentrados e o objeto de nossa concentração é o passo que estamos dando. Plena consciência mais concentração nos trará a solidez, a liberdade e a felicidade. Durante todo o tempo que andamos, se mantivermos a energia da plena consciência viva em nós, entraremos no momento presente. Quando você olha uma pessoa andando, sentando, deitando, cozinhando, regando a horta, pode ver se esta pessoa está ancorada no momento presente ou não.

 

Nossa prática é aprender como ficar ancorado no aqui e agora, todo o tempo. Não nos perdermos no esquecimento. Esquecimento significa que permitimos a nós mesmos sermos levados embora pelo passado, pelo futuro e assim por diante. Esta é a maneira de cultivar a liberdade e quando você faz isso, seu irmão próximo a você aprenderá com você. Ele voltará a si mesmo e andará como você, respirará como você, sentará como você e se tornará um sino de plena consciência para outras pessoas. Todos estão praticando liberdade e sabemos que a quantidade de liberdade determina a quantidade de felicidade que você tem.

 

Quando você volta ao momento presente tem uma chance de reconhecer muitas das maravilhas da vida que estão disponíveis nesse momento. Você precisa tocá-las para sua nutrição, para sua cura e transformação porque há muitas coisas que são refrescantes e curadoras e nutritivas ao nosso redor, e mesmo dentro de nós há muita bondade. Quando nós voltamos a nós mesmos reconhecemos coisas que não são boas, mas se continuamos lá, dentro de nós, seremos capazes de tocar a bondade que existe. O mesmo é verdade com relação a outras pessoas. Quando você foca sua atenção no outro, tem a impressão que essa pessoa não tem nenhuma coisa boa, mas esta é sua primeira impressão apenas. Se você realmente tem plena atenção e concentração será capaz de descobrir que a pessoa também tem potencial de ser uma boa pessoa, e se você souber como tocar a bondade dentro dela então ela será transformada em uma pessoa bem agradável.

 

Se você viver de um modo superficial poderá apenas reconhecer o que está errado, mas não somos capazes de perceber o que não está errado em nós e nas pessoas ao nosso redor. Temos a tendência a pensar que o que está errado se sobrepõe e é por isso que temos muita depressão, raiva e medo, mas se formos capazes de nos estabelecermos firmemente no aqui e agora seremos capazes de reconhecer os elementos positivos que ainda estão disponíveis em nós e ao nosso redor.

 

Suponha que você chegue a um jardim e veja várias árvores morrendo e fica deprimido. Você não é capaz de notar que há ainda muitas árvores que estão saudáveis e bonitas. Você deveria ser capaz de notar a presença dessas belas e saudáveis árvores de forma a desfrutá-las. E sendo apoiado por esses aspectos bonitos e positivos da vida, você será forte o suficiente para tomar conta do que está errado, no nosso exemplo as árvores que estavam morrendo. Nós protegemos o que não está errado e tentamos ajudar o que está errado.

 

Permitir a nós mesmos ser subjugado por sentimentos negativos quando entramos em contato com o que está errado não é uma coisa boa a fazer. Portanto deveríamos ser capazes de estar lá, de forma a reconhecer os elementos positivos para nossa nutrição e cura. E precisamos de um amigo, um irmão que pratique, de forma a nos ajudar a perceber isso. Um bom irmão de Dharma nos dirá que há ainda muitas coisas maravilhosas em torno de nós e se você souber como tocá-las terá a nutrição e a cura que precisa. Então você será forte o suficiente para tomar conta do que está errado.

 

(Dharma Talk de Thich Nhat Hanh no dia 25 de novembro de 1999)

 

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