Sangha Virtual

 Estudos Budistas

Tradição do Ven. Thich Nhat Hanh

 

 

A Qualidade das Sementes

 

A qualidade da nossa vida

Depende da qualidade

Das sementes

Que repousam no fundo da nossa consciência.

 

Se somos felizes ou não, isso depende das sementes que estão na nossa consciência. Se nossas sementes de compaixão, compreensão e amor forem fortes, essas qualidades serão capazes de se manifestar em nós. Se as sementes de raiva, hostilidade e tristeza em nós forem fortes, então vamos experimentar muito sofrimento. Para compreender alguém, temos que conhecer a qualidade das sementes que estão na consciência armazenadora dessa pessoa. E precisamos lembrar que ela não é a única responsável por essas sementes. Seus ancestrais, os pais e a sociedade são co-responsáveis pela qualidade das sementes na sua consciência. Quando compreendermos isso, teremos capacidade de sentir compaixão por aquela pessoa. Com compreensão e amor saberemos como regar as belas sementes, tanto as nossas quanto as dos outros; reconheceremos as sementes do sofrimento e encontraremos meios de transformá-las.

 

Quando uma pessoa nos procura pedindo orientação, é necessário que a olhemos profundamente a fim de vermos as sementes que estão depositadas no fundo da sua consciência. Se apenas oferecermos uma orientação ou um conselho qualquer, não estaremos ajudando-a realmente. Se olharmos com profundidade, poderemos reconhecer a qualidade das sementes que se encontram nessa pessoa. Isso se chama “observar as circunstâncias”.

 

Então poderemos recomendar um caminho de prática específico para nutrir as sementes positivas e transformar as negativas.

 

Se sentimos que não podemos ajudar uma pessoa, é porque não olhamos com suficiente profundidade as suas circunstâncias. Todos têm algumas sementes de felicidade. Em alguns, elas são fracas, enquanto em outros são fortes. Você pode ser a primeira pessoa, em muitos anos, a tocar as sementes de felicidade de seu amigo. A ajuda está na nossa capacidade de ver e regar essas sementes sadias. Se você só vê ambição, raiva e orgulho é porque ainda não olhou em profundidade.

 

O filósofo francês Jean-Paul Sartre disse: "O homem é a soma de seus atos." Cada um de nós é o conjunto das nossas ações, e nossas ações são a causa e o resultado das sementes na nossa consciência armazenadora. Quando fazemos alguma coisa, nossa ação é uma causa (karma-hetu). Quando ela traz um resultado, é o efeito (karma-phala, "fruto da ação"). Todo ato que realizamos por meio do corpo, da fala e da mente planta sementes em nós, e nossa consciência armazenadora preserva e mantém essas sementes.

 

Existem três tipos de ação: ação da mente, ou pensamento, ação da fala e ação do corpo. O pensamento precede os outros dois tipos de ação. Muito embora possamos ainda não ter feito nem dito nada de maneira nociva, nosso pensamento pernicioso pode ser o suficiente para fazer o universo tremer. O efeito das nossas palavras sobre os outros é chamado de ação da fala. Proferir palavras que trazem sofrimento ou que reguem sementes de amor depende de nossa própria felicidade, da qualidade das sementes que estão na nossa consciência armazenadora. Ação corporal refere-se aos nossos atos físicos, sejam nocivos ou benéficos. As sementes de todos os três tipos de ação são guardadas na oitava consciência, a consciência armazenadora.

 

Muitos praticantes budistas recitam diariamente os Cinco Lembretes. O quinto é: "Minhas ações são meus únicos pertences. Eu não posso escapar das conseqüências das minhas ações. Minhas ações são o solo sobre o qual me mantenho de pé." Quando morremos e nos transformamos de uma forma de ser em outra, deixando para trás nossas propriedades e aqueles que amamos, só as sementes das nossas ações vão conosco. A consciência não guarda apenas as ações da mente. Também as sementes das ações do nosso corpo e das ações da nossa fala viajam deste para outro mundo, com nossa consciência armazenadora.

Para saber se uma pessoa é feliz, basta olhar para as sementes em sua consciência armazenadora. Se houver sementes fortes de infelicidade, raiva, discriminação e ilusão, ela estará sofrendo muito e é provável que, por meio de suas ações, vá regar essas sementes doentias em outros. Se suas sementes de compreensão, compaixão, perdão e alegria forem fortes, a pessoa não só poderá ser verdadeiramente feliz como também será capaz de regar as sementes de felicidade nos outros. Nossa prática diária consiste em reconhecer e regar as sementes sadias em nós e nos outros. Nossa felicidade e a felicidade dos outros dependem de nós.

 

Existem quatro práticas associadas ao Esforço Correto, parte do Nobre Caminho Óctuplo que o Buda ensinou como caminho para a libertação.

 

A primeira prática do Esforço Correto é evitar que as sementes não-saudáveis, que ainda não se manifestaram, venham a se manifestar. "Não-saudáveis" significa não-condutoras à libertação. Se essas sementes nocivas forem regadas, elas se manifestarão e crescerão fortes. Mas se as abraçarmos com nossa plena consciência, mais cedo ou mais tarde, elas se enfraquecerão e voltarão para a consciência armazenadora.

 

A segunda prática do Esforço Correto é ajudar as sementes não-saudáveis, que já surgiram na nossa consciência mental, a retomarem para a consciência armazenadora. Novamente, a plena consciência é decisiva. Se conseguirmos reconhecer quando uma semente nociva se manifesta na nossa consciência mental, poderemos evitar que ela nos capture.

 

A terceira prática do Esforço Correto é encontrar maneiras de regar as sementes sadias que estão na nossa consciência armazenadora, e que ainda não brotaram, ajudando-as assim a se manifestarem na nossa consciência mental.

 

E a quarta prática é manter no nível da consciência mental, tanto quanto possível, as formações mentais que já surgiram das sementes sadias. (Posteriormente falaremos mais neste livro sobre como a consciência mental funciona.)

 

Nossa prática do Esforço Correto é alimentada pela alegria. Se todos os dias regarmos as sementes de felicidade, amor, lealdade e reconciliação, nos sentiremos alegres e isso encorajará essas sementes a permanecerem mais tempo, a se fortalecerem. Uma história sobre o Buda vem ilustrar o que acabamos de dizer.

 

O Buda perguntou ao monge Sona: "É verdade que antes de se tornar monge, o senhor era músico?” Sona respondeu que sim. O Buda perguntou: “O que acontece se a corda do seu instrumento estiver muito frouxa?"

 

"Quando você a tange, não haverá nenhum som", respondeu Sona.

"O que acontece quando a corda está muito esticada?"

"Ela quebra.”

"O mesmo acontece com a prática do Caminho", disse o Buda. "Mantenha a saúde. Seja alegre. Não obrigue a si mesmo a fazer coisas que não pode fazer."

 

A fim de sustentar nossa prática, necessitamos conhecer nossos limites físicos e psicológicos e encontrar um equilíbrio entre esforço e repouso. A prática não deve ser forçada. Deve ser agradável, alegre, nutritiva e curadora. Ao mesmo tempo, devemos ter cuidado para não nos deixarmos levar por prazeres sensuais. As quatro práticas do Esforço Correto estão inseridas no Caminho do Meio entre esses dois extremos.

 

(Do livro “Transformações na consciência” – Thich Nhat Hanh)

 

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