Sangha Virtual

 Estudos Budistas

Tradição do Ven. Thich Nhat Hanh

 

Os quatro elementos do verdadeiro amor

 

Nos ensinamentos budistas sobre o amor, aprendemos que existem quatro elementos que podem proporcionar amor verdadeiro e felicidade. O primeiro elemento é “maitri”. "Maitri" significa "amizade", "irmandade". A palavra “maitri” vem da raiz “mitra”. "Mitra" significa "amigo".

 

Quando você ama alguém você oferece sua amizade, sua irmandade e a amizade e a fraternidade não o privam da liberdade. Quando você ama, você mantém sua própria liberdade e ajuda a manter a liberdade da pessoa que você ama. Você não priva ele ou ela de sua liberdade, da oferta de felicidade.

 

Em seu relacionamento com a outra pessoa, pergunte se você tem “maitri” para oferecer a ela. Estamos em igualdade de condições. "Ao amar você, mantenho minha liberdade." "E por amar você, respeito sua liberdade." E isso é “maitri”, que traduzimos mal como “bondade amorosa”. Deveria haver uma palavra melhor. Um amigo que não entende um amigo não pode realmente oferecer sua irmandade, sua amizade.

 

É por isso que, para cultivar “maitri”, é preciso cultivar a compreensão. Você passa seu tempo com ele ou ela, com atenção plena, e descobre todos os dias suas necessidades, suas dificuldades, seus obstáculos, suas aspirações profundas, e nessa base de compreensão você oferece "maitri", felicidade.

 

O segundo elemento é “karuna”. “Karuna” significa a capacidade de compreender o sofrimento e ajudar a removê-lo, transformá-lo. A pessoa que você ama tem sofrimento nele ou nela, tem dificuldades nele ou nela. Você, como alguém que a ama, deve ser capaz de identificar esse sofrimento, essa dificuldade, e tentar ajudar a removê-la.

 

A capacidade de ajudar a remover esse sofrimento chama-se “compaixão”. Transforma o sofrimento na pessoa que você ama, porque você vê o sofrimento na pessoa do seu ente querido. Se você não for capaz de ajudá-la a remover esse sofrimento, você não é um verdadeiro amante. Costumamos traduzir “karuna” como “compaixão”.

 

A outra pessoa sofre e você sofre com ela, você compartilha o sofrimento. Esse é o significado da palavra “compaixão”. Mas no amor verdadeiro você não precisa sofrer com ela. Você entende apenas e a sua capacidade de compreensão ajuda o outro a não sofrer mais.

 

Quando um paciente vai ao médico, supõe-se que o médico seja capaz de ver o que há de errado no paciente, qual é a doença e a raiz da doença na pessoa. Isso é exatamente “karuna”. O médico, depois de ter identificado a doença e a raiz da doença, é capaz de prescrever algo para a remoção daquela doença. O médico não precisa sofrer junto com o paciente. É por isso que “compaixão” não é uma tradução perfeita.

 

O Buda também está sentado lá; as pessoas vêm e choram com ele e ele não precisa chorar com elas. Ele diz: "Queridos amigos, eu entendo o seu sofrimento, mas há uma maneira de vocês se curarem." Se o Buda passa seu tempo chorando com eles, não tem tempo sobrando para ajudar na transformação e cura.

 

Portanto, em seu relacionamento, pergunte-se se você tem o elemento de compaixão em seu amor. Se fizer isso, então você está sendo realmente útil, está ajudando aquela pessoa a sofrer menos. A sua presença já ajuda a pessoa a se sentir melhor. Sua fala, suas ações, sua capacidade de ouvir profundamente ajudam-na a transformar e remover o sofrimento. Esse é o elemento chamado “karuna”. Em nosso relacionamento deveríamos ser capazes de cultivar “karuna” todos os dias.

 

O terceiro elemento é chamado de “mudita”, alegria. O tipo de alegria que é compartilhada por ambos. Se você ama, mas no seu relacionamento só existe tristeza, você o faz chorar e ele te faz chorar isso não é amor. O verdadeiro amor deve incluir alegria.

 

Você é capaz de desfrutar de sua própria alegria e o outro é capaz de desfrutar da sua alegria. Porque vocês não são mais duas entidades separadas. Você é um com a pessoa que ama. É por isso que quando você vê aquela pessoa feliz, você se sente muito feliz. E quando você vê aquela pessoa infeliz você é capaz de fazer algo para ajudar. Você considera a felicidade dela como sua. Você não diz: “Isso é problema seu”. No amor verdadeiro não existe uma declaração como essa.

 

Alegria empática. Sua alegria é a alegria dele e a alegria dele é a sua alegria. Você tem que ser capaz de oferecer alegria. A questão é: no seu relacionamento você é capaz de oferecer alegria? Ou você a faz chorar o tempo todo? Se você a faz chorar o tempo todo, isso não é amor verdadeiro. A vontade de amar, a vontade de fazê-la feliz, sim, pode estar presente. Mas a capacidade de amar, de fazê-la feliz ainda não existe. Precisa ser cultivada.

 

O quarto elemento é “upeksha”. "Upeksha" significa "não discriminação". Esta é uma forma superior de amor. Você a ama não porque essa pessoa pertença à mesma raça, tenha o mesmo tipo de cor de pele ou compartilhe o mesmo tipo de caminho espiritual. Não é por causa disso. Você ama aquela pessoa porque ela sofre e precisa do seu amor, só isso. “Não-discriminação”, o caminho da “não-discriminação”. Suponha que você tenha quatro filhos. Você percebe que todos eles são seus filhos. Você não quer preferir um aos outros três. Você pratica “upeksha”, equanimidade.

 

Você ama o Sr. John Kerry [candidato do Partido Democrata de 2004], porque ele fala para você, mas você não ama o Sr. Bush porque ele está fazendo coisas que você não gosta. Não há equanimidade em seu amor. Mesmo que John Kerry tenha ideias próximas às suas, você ainda ama o Sr. Bush. Você diz: "Bem, Sr. Bush... eu também tenho que ajudá-lo, porque se eu puder ajudá-lo, eu ajudo a outra metade da população dos EUA. Tenho que fazer algo para lhe oferecer mais compreensão, mais compaixão, para que ele lide com o problema no Oriente Médio, no Iraque, de uma forma mais compassiva”. Temos que amá-lo. Então você ama os dois. É muito difícil persuadir os eleitores americanos a amar ambos. Eu tentei, mas não consegui.

 

Porque equanimidade é inclusão. Quando você ama, seu amor deve incluir todos, sejam eles negros ou brancos, ou pardos ou amarelos, sejam eles católicos ou protestantes, judeus, ou budistas, ou comunistas. Você tem que amar a todos eles. É por isso que a equanimidade revela um nível mais elevado de amor.

 

Não é que porque aquele jovem é seu filho que você tem que amá-lo e excluir os outros jovens. Você é um verdadeiro amante! Você tem que incluir os filhos de outras famílias. E quando você consegue amar os filhos e as filhas de outras famílias, você está em condições de ser um político, de ser um professor. Portanto, todos nós temos que cultivar a qualidade da equanimidade. O rei deveria amar a todos no país como seus próprios filhos e filhas. Um rei deveria praticar a equanimidade.

 

Na tradição do Budismo diz-se que maitri, karuna, mudita e upeksha podem ser cultivados todos os dias, porque são quatro qualidades que não têm limites. Amor infinito. Os quatro elementos são chamados de “Os Quatro Ilimitados” porque “maitri” pode se tornar ilimitado. Este é o tipo de amor que podemos chamar de “Amor sem fronteiras”. Quando você desenvolve seu amor até esse nível, você é chamado de Bodhisattva, você é chamado de Buda. Existem Budas e Bodhisattvas em nosso meio, no mundo.

 

Existe uma organização de médicos que serve as pessoas em todo o lado, não só na França, na Grã-Bretanha, mas também na África, na Ásia. Eles se chamam "Médicos sem Fronteiras". “Sem fronteiras”, essa é a palavra. Amor sem limites, fronteiras.

 

Você pode desenvolver essas quatro qualidades, porque quando o seu coração consegue abraçar a todos, a cada ser vivo ele não tem mais fronteira. Seu coração se torna imenso. Quando o amor em seu coração é assim você não sofre mais. Você pode aceitar tudo.

 

O Buda deu uma imagem muito bonita. Ele disse: Suponha que você tenha uma tigela de água e um punhado de sal. Você coloca o sal na água e mexe. A água fica intragável, está muito salgada. Você não pode matar a sua sede, porque essa solução é salgada. Mas suponha que você jogue aquele punhado de sal em um rio. Embora o sal esteja diluído na água, as pessoas continuam a beber a água. Eles não sofrem nada. Por quê? Porque o rio é imenso! E é por isso que um punhado de sal não pode fazer o rio sofrer. E mesmo que você jogue punhado após punhado, como o rio é imenso, o rio não sofre.

 

Então a técnica é ampliar o seu coração, transformá-lo em algo ilimitado. E quando o seu coração se torna imenso você pode aceitar tudo. As pequenas coisas, como um punhado de sal, não te fazem mais sofrer. Mas se o seu coração for pequeno, as pequenas coisas podem deixá-lo muito infeliz. Mas caso você tenha um coração grande, que possa incluir todos, todos os seres vivos, você não sofre mais. Essa é a qualidade da equanimidade: abrangente.

 

(Palestra de Darma de Thich Nhat Hanh em 25 de novembro de 2004– transcrito do vídeo do YouTube

https://youtu.be/tyIVH77MOv8)

Traduzido por Leonardo Dobbin)

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