Sangha Virtual

 Estudos Budistas

Tradição do Ven. Thich Nhat Hanh

 

Reconhecendo as causas do sofrimento (parte 1)        

 

Depois de estudar, refletir e praticar a Primeira Nobre Verdade, entendemos que finalmente vamos parar de fugir da dor. Agora já podemos dar ao nosso sofrimento um nome especifico, e identificar suas características próprias, Isso já nos proporciona alguma felicidade e alegria, desta vez sem "dificuldades" (anashrava).

 

Mesmo assim, depois de diagnosticar a nossa doença ainda continuamos por algum tempo a gerar sofrimento. Lançamos gasolina ao fogo através de palavras, pensamentos e atos, muitas vezes sem perceber. O primeiro giro da roda da Segunda Nobre Verdade é o Reconhecimento: Eu continuo a criar sofrimento. O Buda disse: "Quando algo passa a existir, temos que reconhecer sua presença e observar com profundidade a sua natureza. Quando contemplamos, descobrimos os tipos de nutrientes que contribuíram para produzir sofrimento no passado, e que ainda hoje continuam a alimentá-lo." A seguir ele enunciou os quatro tipos de nutrientes capazes de nos conduzir a felicidade ou ao sofrimento: alimento, impressões sensoriais, intenção e consciência.

 

O primeiro nutriente e o alimento. Aquilo que comemos ou bebemos pode promover o sofrimento mental ou físico, Temos que ser capazes de discernir entre o que e saudável e o que nos prejudica. Precisamos praticar a Compreensão Correta ao fazermos compras, cozinharmos e nos alimentarmos. O Buda nos deu um exemplo sobre isso: Um jovem casal e seu filho de dois anos tentavam atravessar o deserto, e a comida acabou. Depois de muita reflexão, os pais entenderam que para sobreviver teriam que matar a criança e comer sua carne.

 

Calcularam que se comessem a cada dia um certo percentual da carne da criança e carregassem o restante nas costas teriam o suficiente para o resto da jornada. Mas a cada pedaço de carne que comiam, eles choravam mais e mais. Depois de contar a história, o Buda perguntou: "Caros amigos, vocês acham que o jovem casal teve prazer em comer a carne de seu filho?" "Não senhor, não seria possível ter prazer em algo assim." O Buda disse: "Entretanto, muitas pessoas comem a carne de seus pais, seus filhos e seus netos, sem ter consciência disso."

 

Grande parte de nosso sofrimento resulta do fato de não prestarmos atenção ao que comemos. Temos que desenvolver formas de comer que preservem a saúde e o bem-estar de nosso corpo e de nosso espírito. Quando fumamos, bebemos ou consumimos toxinas, estamos comendo nossos próprios pulmões, fígado e coração. Se temos filhos e mesmo assim continuamos a fazer estas coisas, estamos comendo a carne de nossos filhos. Eles necessitam de pais fortes e saudáveis.

 

Temos que pensar com seriedade na forma pela qual plantamos e criamos nossos alimentos, para podermos preservar o bem-estar coletivo, minimizando o sofrimento da nossa espécie e das outras, e permitindo que a Terra continue a ser uma fonte de vida para todos nos. Se quando comemos destruímos outras criaturas ou o meio ambiente, estamos comendo a carne de nossos filhos. Precisamos analisar e discutir todos juntos o problema da alimentação - como comer, o que comer, e o que recusar. Esta seria uma verdadeira discussão sobre o Darma.

 

O segundo tipo de nutriente são as impressões sensoriais. Nossos seis órgãos dos sentidos - olhos, ouvidos, nariz, língua, corpo e mente - estão em constante contato (sparsha) com os objetos dos sentidos, e esse contato se torna o alimento da nossa consciência, Quando dirigimos pelas ruas de uma cidade vemos muitos anúncios, e essas imagens penetram na nossa consciência, Quando lemos uma revista, os artigos e anúncios são alimento para nossa consciência, Anúncios que estimulam nosso desejo de posses, sexo ou comida podem ser tóxicos.

 

Se depois de ler um jornal, ouvir as noticias no dia ou participar de uma conversação, nos sentirmos ansiosos ou fatigados, temos certeza de que estivemos em contato com toxinas. Os filmes, por exemplo, representam alimento para nossos olhos, ouvidos e mentes. Quando vemos televisão, os programas são os nossos alimentos. Crianças que passam cinco horas por dia vendo televisão estão ingerindo imagens que regam as sementes negativas do desejo, medo, raiva e violência. Estamos sempre expostos a diferentes sons, cores, formas, cheiros, gostos, objetos de tato e idéias que são tóxicos e que roubam 0 bem-estar de nosso corpo e de nossa consciência.

 

Quando sentimos desespero, medo ou depressão, talvez isto se deva ao fato de termos ingerido toxinas em demasia através das impressões sensoriais. Não são só as crianças que precisam ser protegidas dos filmes, programas de televisão, livros, revistas e jogos violentos ou doentios. Nos também nos destruímos através desses veículos. Se estivermos conscientes, saberemos quando ingerimos as toxinas do medo, do ódio e da violência ou, ao contrario, alimentos que

encorajam compreensão, compaixão e a determinação de ajudar os outros. Com a prática da atenção plena, saberemos que ao ouvir, olhar ou tocar determinada coisa, ficamos leves e em paz, enquanto que ao ouvir, olhar ou tocar outras coisas, o resultado foi ansiedade, tristeza ou depressão.

 

Desta forma, saberemos com o que devemos ter contato e o que precisamos evitar. Nossa pele nos protege das bactérias, Os anticorpos nos protegem dos invasores internos. Temos que ter dispositivos equivalentes em nossa consciência para nos proteger dos objetos sensoriais não-saudáveis, que podem nos envenenar.

 

O Buda nos oferece esta imagem drástica: "Existe uma vaca com uma terrível doença de pele, tão terrível que ela quase já não tem mais pele. Quando você a traz para perto de um muro antigo ou de uma velha arvore, todas as criaturas vivas na casca da arvore saem, agarram-se no corpo da vaca, e a sugam. Quando levamos a vaca para a água, a mesma coisa acontece. Apenas exposta ao ar, pequenos insetos se acercam e começam a sugar." O Buda continuou: "Esta também é a nossa situação," Estamos sempre expostos a invasões de todos os tipos - imagens, sons, cheiros, toques, idéias - e muitas delas se alimentam dos desejos, da violência, do medo e do desespero que existem em nos. O Buda nos aconselhou a colocar uma sentinela, chamada atenção plena, em cada uma das portas dos sentidos, para nos proteger. Use seus olhos de Buda para observar cada nutriente que você vai ingerir. Se perceber que é tóxico, recuse-se a olhar, ouvir, provar ou tocar. Ingira apenas o que você tem certeza de que e seguro.

 

Os Cinco Treinamentos da Atenção Plena- podem nos ser muito úteis. Precisamos nos unir como indivíduos, famílias, cidades e nações para discutir estratégias de auto-proteção e sobrevivência. Para sair da perigosa situação em que nos encontramos, a pratica da atenção plena precisa ser coletiva.

 

(Do livro “A Essência dos ensinamentos de Buda”– Thich Nhat Hanh)

Comente esse texto em http://sangavirtual.blogspot.com

 

 

Caso queira obter esse texto em formato Word clique aqui