Sangha
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Estudos Budistas
Tradição
do Ven. Thich Nhat Hanh
Reconhecer estados não aflitivos como felicidade, em vez de "nada"
Nesse discurso sobre os quatro princípios da Atenção Plena na contemplação das formações mentais, ou seja, a "contemplação da mente na mente" seria algo como "Quando a raiva se manifesta, o praticante sabe 'Existe a formação mental da raiva. A formação mental da raiva está presente em mim'. Quando a formação mental do desejo sexual se manifesta, o praticante sabe 'Existe a formação mental do desejo sexual presente em mim'. E, é claro, com formações mentais como raiva e desejo quando elas se manifestam, nós devemos reconhecê-las, com certeza. Reconhecê-las para transformá-las. Abraçar e transformar, com certeza.
Mas o 'sutra' também diz "quando não existe formação mental de raiva" nós devemos estar cientes disso. "A formação mental da raiva não está presente em mim." Quando não há formação mental de desejo obsessivo em mim, o praticante sabe, “a formação mental do desejo obsessivo não está presente em mim”.
Se lemos o 'sutra' sem o olhar do praticante, nós vamos pensar "Por que eles têm que torná-lo tão prolixo?" "Quando existe desejo obsessivo, o praticante sabe que existe desejo obsessivo, quando não existe desejo obsessivo, o praticante sabe que não existe desejo obsessivo". "Quando existe raiva, o praticante sabe que existe raiva, quando não existe raiva, o praticante sabe que não existe raiva". O 'sutra' continua sempre assim. E nós temos a impressão de que o 'sutra' é prolixo.
Mas, de fato, não é nada prolixo. Nem uma única palavra do sutra deve ser desperdiçada. Quando nós não temos uma formação mental de raiva em nós esse é o exato momento em que temos muita alegria, mas nesse momento, não sentimos nenhuma alegria. Só quando a formação mental de raiva se manifesta nós sabemos, nesse momento, que sofremos muito. Mas quando a raiva não está presente, nós a consideramos natural. Nós não pensamos em felicidade. Então, primeiramente felicidade significa a ausência de sofrimento. Paz significa a ausência de guerra.
Quando nós temos desejo obsessivo, nós sofremos muito. Mas quando não temos nenhum desejo obsessivo em nós, sentimos tanta liberdade e paz, mas não desfrutamos isso. Então no 'sutra' diz "Quando não há desejo obsessivo nós sabemos, Em mim não há desejo obsessivo”. E nós temos que nos lembrar "Querido eu, onde há desejo obsessivo, há sofrimento. Não se esqueça disso!" Vocês entenderam? A frase que diz "Não há desejo obsessivo em mim" significa "Querido eu, onde quer que haja desejo obsessivo, definitivamente há sofrimento." Graças a isso, podemos aproveitar e sentir a felicidade com o nosso estado de não desejo obsessivo.
Em Plum Village, nós geralmente falamos sobre termos dor de dente. À meia noite, à 1 ou 2 horas da madrugada de repente, nossos dentes doem muito. E nós sabemos muito bem que o dentista vai trabalhar só às 9 horas da manhã então temos que sofrer de agora até às 9 horas ou mais. Só então temos consciência de que, "Não ter dor de dente é bom. Não ter dor de dente é maravilhoso. Não ter dor de dente me faz feliz." Mas muitas vezes quando não temos dor de dente, não nos sentimos nada felizes.
Agora, seguindo esse princípio, devemos praticar assim, "Meu dente dói, e quando isso acontece, eu sei que estou com dor de dente." E quando não estou com dor de dente, devo reconhecer a mim mesmo, “Eu não tenho nenhuma dor de dente.” Quando sei que não estou com dor de dente, eu vou me sentir feliz imediatamente. Não ter dor de dente só pode ser reconhecido contra o pano de fundo de ter dor de dente.
Da mesma forma, a paz só pode ser reconhecida tendo como contexto a guerra. Logo o sofrimento e felicidade estão intrinsicamente ligados entre si. Sem o sofrimento a felicidade não poderia ser reconhecida.
Nós temos a experiência, nós temos memórias de dor e sofrimento. Elas são muito importantes. Se você já sofreu muito, se você já passou por muito sofrimento, essa experiência é muito preciosa, por que, graças a isso, você pode reconhecer os momentos de felicidade que você pode absolutamente ter. Assim, o praticante é capaz de cultivar a felicidade apenas se lembrando da dor e do sofrimento do passado. Uma pessoa já pode tocar felicidade no momento presente. Não é tão difícil assim.
Cada momento da nossa vida diária pode ser um momento de felicidade se colocarmos esse momento dentro do pano de fundo do sofrimento no passado e do sofrimento no presente, acontecendo em nós e ao nosso redor.
Quando temos tristeza ou dor, se soubermos manejá-la e abraçá-la, embora a dor ainda esteja lá, não sofremos mais. Porque nos ocorre que podemos fazer algo para lidar com nosso sofrimento. Há aqueles que estão em perigo, mas eles não fazem nada a respeito. Eles apenas permitem que seu sofrimento os devastem, os dominem e os esmaguem.
Mas como praticantes, nós sabemos que podemos fazer algo a respeito disso. Podemos dizer: "Esta é a lama que eu realmente preciso a fim de reconhecer e cultivar meus lótus." Assim que tivermos esse insight, a situação muda imediatamente. Assim, um praticante deve ser capaz de gerir a sua própria dor e sofrimento. E uma vez que sabemos como administrar nossa dor e sofrimento, saberemos cultivar a felicidade. Elas estão intrinsicamente ligadas entre si.
(Palestra de Darma: em 26 de novembro de 2009– transcrito do vídeo do YouTube
https://youtu.be/Cwy_zkRIyTY)
Traduzido por Leonardo Dobbin)
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