Sangha Virtual

 Estudos Budistas

Tradição do Ven. Thich Nhat Hanh

 

Sabedoria e Compaixão

 

Na tradição Mahayana a que pertenço, há algo que é essencial: sabedoria e compaixão. Sabedoria e compaixão têm que andar juntas como as duas asas de um pássaro.

 

Sabedoria ou visão - prajna em sânscrito - não é o conhecimento intelectual. Compreensão intelectual constitui uma boa base. Mas é apenas isso, um fundamento. Visão aqui é exatamente como entendido em português; prajna significa ver algo de dentro, entender alguma coisa. Eu acho que isso é realmente algo importante para percebermos. Nós não estamos separados do objeto da nossa atenção.

 

A prática de perguntar a nós mesmos: "Estou certo?" é um convite maravilhoso para nos movermos para além da nossa ideia limitada ou a "designação convencional" de algo. Por exemplo, podemos olhar para uma banana e imediatamente a chamamos de uma banana porque acreditamos que sabemos o que uma banana é e nós não vamos além desse nível superficial. Nós olhamos para um telefone e o chamamos de um telefone - que é o que ele é, e isso é tudo o que é. Isso é bom em um nível - precisamos usar estes termos de referência comuns para viver nossas vidas diárias, mas o problema aqui é que nós fazemos o mesmo com a nossa felicidade, a nossa iluminação, nossa ilusão, samsara, nirvana, um Buda ou um ser senciente. Nós rotulamos as coisas muito rapidamente na vida diária. Achamos que sabemos o que é um Buda, que pensamos que sabemos o que é um ser senciente e pensamos que sabemos o que uma banana é. E com essa visão limitada essas coisas parecem ser muito separadas de nós.

 

Na tradição de Plum Village, falamos muito sobre "Interser," a natureza interdependente de tudo o que existe. Thay nos ensina a ser capazes de ver a nuvem em uma folha de papel, ser capazes de ver todas as gerações de antepassados ​​em todas as células do nosso corpo.

 

Então, por que você acha que os seres sencientes e o Buda são separados? Por que acha que a felicidade é uma coisa separada inteiramente do sofrimento? Nós criamos um mundo de dualidade, de sujeito e objeto, disto e daquilo, de mim e de você; da inspiração sendo totalmente diferente e separada da expiração.

 

Em 1999, tivemos a oportunidade de visitar o grande templo do Mestre Zen Linji no norte da China. Ao entrarmos, olhei por acaso para uma seção de caligrafia que dizia "não dois" ou "não dualidade." Isto é porque aquilo é.

 

Rotulagem é normal e natural; é o que devemos fazer em nossa vida cotidiana a fim de funcionar eficazmente. Precisamos entender que há um nível mais profundo além do conceito chamado de "rótulo". O convite de nosso professor Thay para praticarmos essa consciência é para nos perguntarmos: "Tenho certeza?" sempre que notarmos que estamos rotulando. Eu estou realmente certo que entendo o que o Buda é? Tenho certeza que entendo o que minha felicidade é, que entendo quem você é, que entendo quem eu sou? Se formos realmente honestos, acho que temos que responder que não. Nós não podemos estar tão certos.

 

Ainda acho que não somos muito honestos conosco mesmos na vida diária, e pecamos por termos muita certeza. Temos muita certeza de como as coisas devem ser em nós mesmos, nos outros, em nossa Sangha e certos que sabemos qual o jeito certo de fazer as coisas.

 

A outra asa do pássaro é a compaixão. Compaixão é descrita nos textos como uma tremedeira do coração, como quando olhamos para a situação dos outros e três palavras surgem em nossa consciência: "assim como eu". Compaixão é a manifestação concreta da sabedoria; é a sabedoria aplicada. Se só temos sabedoria e nenhuma compaixão, é uma sabedoria muito fria e seca. Se só temos compaixão e não temos sabedoria, acabamos ficando completamente exaustos e não sabemos o caminho certo para sermos capazes de ajudar qualquer pessoa, inclusive a nós mesmos.

 

Compaixão e sabedoria verdadeira manifestam-se no terreno da compreensão de nossa interconexão. Em um retiro realizado na Universidade de Saint Michael em Vermont, em 1998, Thay ensinou que o convite do Sutra do Diamante é para gerarmos o entendimento de que não há nenhuma distinção entre o presente, o doador e o receptor. Thay contou a história de uma vez em que ele acertou seu polegar com um martelo. Sem ficar culpando a outra mão ou pensando, "Eu estou te ajudando", a mão ilesa, sem absolutamente qualquer pensamento, agarrou o polegar ferido e acariciou-o, tentando aliviar a dor. É uma reação natural. Não há nenhuma ideia de que eu esteja dando algo para você, mas é a resposta absolutamente natural nessa situação.

 

O Dalai Lama também coloca muito bem: "Considere todos os seres vivos como se fossem a nossa mãe." Em Plum Village, incentivamos o desenvolvimento do que chamamos de "um espírito de generosidade, infundindo em nossa prática”. Nossa prática é como uma oferenda para nós mesmos, para nossos entes queridos e para aqueles que nos rodeiam? Qual é o nosso objetivo? É uma coisa pequena como a minha paz, minha alegria, minha própria libertação? Ou é algo maior? Um pequeno objetivo pode ser um bom lugar para começar, mas é só um começo. Ao longo do tempo, temos que progredir. Como é que o espírito de generosidade e de não separação, o espírito de dar e receber se infunde na minha prática?

 

Eu acho que para muitos de nós é muito mais fácil dar do que receber. Achamos muito difícil receber presentes dos outros, seja um elogio, dinheiro, um livro ou o dom da presença de alguém. Em receber também damos; dando também recebemos.

 

Nos textos budistas, existem três tipos de presente que são descritos. Há o presente das coisas materiais: livros, dinheiro, roupas, uma refeição e assim por diante. Há o dom do não-medo— é um dom muito lindo para oferecer, o dom da solidez, da audácia, e por fim há o dom do Dharma. Como monásticos, que não temos muitos recursos materiais, temos a oportunidade de oferecer o Dharma. Em termos de posses, temos três mantos e uma tigela. Se eu puxar o seu nome no nosso amigo oculto anual, prepare-se para receber uma bela pedra ou uma pinha, ao invés de um iPad! Mas a oferta do Dharma é descrita como o dom Supremo, o dom que supera todos os outros, porque estamos oferecendo métodos, ferramentas para que as pessoas sejam capazes de transformar o seu sofrimento e experimentar a verdadeira alegria.

 

Perguntas para reflexão:

O que significaria para você oferecer não-medo? A si mesmo? Para os outros? O que significa para você oferecer o Dharma, e como isso é diferente de oferecer conselhos?

 

(Do livro “Nothing To It: Ten Ways to Be at Home with Yourself”)

Phap Hai é professor de Dharma e o monge sênior da tradição de Plum Village)

(Traduzido por Leonardo Dobbin)

 

Caso queira obter esse texto em formato Word clique aqui