Sangha Virtual

 Estudos Budistas

Tradição do Ven. Thich Nhat Hanh

 

Se você não conseguir ser, você não pode ter êxito em fazer

 

O Buda disse: "Se em algum momento de sua vida você adotar uma idéia ou uma percepção como a verdade absoluta, você fecha a porta de sua mente. Este é o fim da busca da verdade. E não apenas você já não procurará a verdade, mas mesmo se a verdade vier em pessoa e bater à sua porta, você se recusará a abrir. O apego a visões, o apego a idéias, o apego às percepções são o maior obstáculo para a verdade."

 

É como quando você sobe uma escada. Quando você chega ao quarto degrau, pode pensar que está no degrau mais alto e que não irá mais alto, de modo que você se segura ao quarto degrau. Mas na verdade há um quinto degrau, e se você quiser chegar a ele, tem que estar disposto a abandonar o quarto degrau. Idéias e percepções devem ser abandonadas o tempo todo, para dar lugar a ideias melhores e percepções mais verdadeiras. É por isso que devemos sempre nos perguntar: "Estou certo disso?"

 

Eu tenho um amigo que é um corretor da bolsa. No início, ele era muito eloqüente e usava esse talento para convencer seus clientes a comprar ações. Mas depois de encontrar os ensinamentos budistas e aprender o mantra "Você tem certeza?” mudou de opinião e método. Quando as pessoas lhe perguntam se ele tem certeza, ele diz, "Eu não posso dizer que eu tenha certeza. Esta é a minha opinião, baseada na minha melhor compreensão neste momento.” Ele é honesto. O resultado foi que as pessoas procuram ainda mais seus conselhos.

 

Podemos achar que a ambição - o desejo de se tornar alguém especial - é muito forte em nós. Conquistar coisas e "tornar-se alguém" é visto como significativo, no entanto, pode nos levar a sofrer muito, apesar de nossas muitas realizações. Como podemos lidar com o desejo de nos tornarmos alguém?

 

Sua ação, o que você faz, depende de quem você é. A qualidade de sua ação depende da qualidade do seu ser. Suponha que você queira oferecer felicidade a alguém. Você está ansioso para fazer uma pessoa feliz. Esta é uma boa idéia, mas se você mesmo não está feliz, não pode fazer isso. Para fazer outra pessoa feliz, você mesmo tem que ser feliz. Portanto, há uma ligação entre o fazer e o ser. Se você não conseguir ser, você não pode ter êxito em fazer.

 

A felicidade se torna possível quando nos damos conta de que temos um caminho, quando sabemos para onde estamos indo. Se você não tem a impressão de que está no caminho certo, se não sabe aonde está indo, você sofre, se sente perdido e confuso. Felicidade é sentir que você está no caminho certo a cada momento. Você não precisa chegar ao final do caminho para ser feliz. Você está feliz aqui e agora.

 

Estar no "caminho certo" tem a ver com os modos muito concretos que você vive sua vida a cada momento. É possível viver conscientemente cada momento de sua vida diária. Isso faz você feliz, e também faz as pessoas ao seu redor felizes. Mesmo se você não tem "feito" nada ainda para torná-los felizes, uma vez que você esteja andando nesse caminho e é feliz assim, você se torna companhia agradável, refrescante e compassiva, e as pessoas se beneficiam de estar perto de você. Olhe para a árvore no jardim da frente: a árvore não parece fazer qualquer coisa. Ele apenas está lá, vigorosa, fresca e bonita. Esse é o milagre de ser. Se uma árvore for menos do que uma árvore então todos nós vamos estar em apuros. Se uma árvore pode ser uma árvore real, há esperança, há alegria.

 

Então, se você pode ser você mesmo, isso já é amar, isso já é ação. A ação é baseada em não-ação, e não-ação é a prática de ser. Há pessoas que "fazem" muito, e que causam uma série de problemas. Mesmo que eles tenham a melhor das intenções, quanto mais eles tentam ajudar, mais problemas eles criam. Há um monte de ativistas em torno de nós que não são pacíficos, felizes, e assim causam mais problemas. É por isso que o que nós queremos fazer é ser de tal forma que a paz e a compaixão sejam possíveis em cada momento. Palavras e ações provenientes desta fundação só podem ser úteis. Se você pode fazer uma pessoa sofrer menos, fazê-la sorrir, você vai se sentir muito feliz, muito recompensado.

 

Se uma monja é feliz, não é porque ela tem poder ou fama, mas porque ela sabe que sua presença está ajudando um monte de gente. Sentir que você é útil, útil para a sociedade - isto é a felicidade. Quando você tem um caminho e você desfruta de cada passo em seu caminho, você já é alguém. Você não precisa se tornar outra pessoa. Você já é o que quer se tornar, praticando não ação, a arte de ser.

 

Quando eu era um jovem monge, eu aprendi que os ensinamentos do Buda poderiam ser resumidos em quatro frases curtas. As pessoas perguntavam ao Buda como ser feliz, e ele disse que todos os budas ensinam a mesma coisa:

 

As coisas ruins, não as faça.

As coisas boas, tente fazê-las.

Tente purificar, subjugar sua própria mente.

Esse é o ensinamento de todos os budas.

 

Eu não fiquei impressionado. Eu pensei comigo mesmo: "Isso é muito simples. Todos concordam que você tem que fazer coisas boas e deixar de fazer coisas ruins. Subjugar e purificar sua mente é muito vago." Mas, depois de 65 anos de prática eu tenho uma perspectiva diferente sobre este ensinamento. Olhando com cuidado, tenho visto que estas quatro frases são muito significativas.

 

Agora eu entendo que as coisas ruins que você deve evitar são aquelas que criam sofrimento para você e para outras pessoas, incluindo outros seres vivos e o meio ambiente. Plena atenção ajuda a saber se uma coisa é boa ou ruim, se ao fazer aquilo vai trazer felicidade ou sofrimento a si mesmo e para as pessoas ao seu redor. Quando você deixa de fazer coisas ruins, está praticando a compaixão, porque você absteve-se de trazer sofrimento a si mesmo e a outras pessoas. Praticar compaixão é praticar a felicidade, porque a felicidade é a ausência de sofrimento. Em seguida, tente fazer coisas boas. Tente fazer o que traz a paz, estabilidade e alegria para você e para outras pessoas.

 

Você pratica o amor, a compaixão, e você sabe que praticar assim traz felicidade. A felicidade não pode existir sem amor. Todos os grandes mestres espirituais nos disseram para amar e os meios concretos são abster-se de causar sofrimento e oferecer felicidade.

 

É fácil dizer, fácil de entender, mas nem sempre é fácil de fazer ou de evitar de fazer. Assim, essas duas primeiras coisas dependem inteiramente da terceira coisa: purificar e subjugar sua mente. A mente é a base de tudo.

 

O Buda disse que todo o sofrimento vem da mente, mas também toda a felicidade vem da mente. Purificar a mente é transformar o seu modo de perceber as coisas, remover as percepções erradas. Quando você remove suas percepções erradas, também remove a sua raiva, o seu ódio, a sua discriminação, e seu desejo.

 

Nossa mente pode ser intoxicada por três tipos de veneno: a primeiro é o desejo, o segundo é o ódio ou a violência, e o terceiro é a ilusão. Purificar a mente é neutralizar e transformar esses venenos em você. Você neutraliza esses venenos com as três sabedorias, as energias de plena atenção, concentração e insight.

 

Se a sua mente está cheia de confusão, raiva e desejo, então ela não é pura. Por isso mesmo se você quiser fazer coisas boas, você não consegue e mesmo que queira se abster de fazer as coisas ruins, você também não pode. Você pode oferecer felicidade e abster-se de causar sofrimento facilmente e belamente somente quando sabe como subjugar e purificar sua mente. Esta é a coisa mais especial no budismo, a arte de subjugar e purificar sua mente. Uma vez que a nossa mente está subjugada e transformada, a felicidade se torna possível.

 

Quando você anda daqui para o pinheiro, começa com um passo, e pode treinar-se para que este passo tenha dentro de si a energia da plena atenção, concentração e insight . Se você realmente praticar a meditação andando, vai descobrir que cada passo que dá gera a energia de plena consciência, concentração e insight, trazendo-lhe muita felicidade. Quando anda assim você é o primeiro a estar consciente de que está dando um passo: esta é a energia da atenção plena. Eu estou aqui. Eu estou vivo. Eu estou dando um passo. Você pisa e você sabe que está dando um passo. Isso é consciência de andar. A atenção ajuda a estar no aqui e agora, totalmente presente, plenamente vivo para que você possa dar o passo. Mestre Zen Lin Chi disse. O milagre não é andar no ar, ou na água, ou no fogo. O verdadeiro milagre é caminhar na terra. Caminhar com plena consciência, concentração. e insight é realizar um milagre. Você está realmente vivo. Você está verdadeiramente presente. tocando as maravilhas da vida dentro de você e ao seu redor.

 

(Do livro de Thich Nhat Hanh - "The art of power” - Tradução Leonardo Dobbin)

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