Sangha Virtual

 Estudos Budistas

Tradição do Ven. Thich Nhat Hanh

 

O Segundo Selo do Dharma

 

Os Três Selos do Dharma são impermanência, não-eu e nirvana. Qualquer ensinamento que não suporte esses três selos não pode ser considerado um ensinamento do Buda.

 

O Segundo Selo do Dharma é o não-eu. Nada tem uma existência separada ou um eu separado. Tudo tem que interser com todo o resto.

 

A primeira vez que provei biscoitos de manteiga de amendoim, estava no Tassajara Zen Mountain Center, na Califórnia, e os amei! Aprendi que, para fazer biscoitos de manteiga de amendoim, você mistura os ingredientes para preparar a massa e, em seguida, coloca cada biscoito em uma assadeira usando uma colher. Imaginei que, no momento em que cada biscoito sai da tigela e é colocado na bandeja, começa a pensar em si mesmo como separado. Você, o criador dos cookies, sabe mais e tem muita compaixão por eles. Você sabe que eles são originalmente todos um e que, mesmo agora, a felicidade de cada cookie ainda é a felicidade de todos os outros cookies. Mas eles desenvolveram "percepção discriminativa" e, de repente, estabeleceram barreiras entre si. Quando você os coloca no forno, eles começam a conversar: "Saia do meu caminho. Eu quero estar no meio". "Eu sou morena e bonita, e você é feia!" "Você não pode se espalhar um pouco nessa direção?" Temos a tendência de nos comportar dessa maneira também, e isso causa muito sofrimento. Se soubermos tocar nossa mente não discriminativa, nossa felicidade e a felicidade dos outros aumentarão muito.

 

Todos nós temos a capacidade de viver com sabedoria não discriminativa, mas temos que nos treinar para ver dessa maneira, para ver que a flor somos nós, a montanha somos nós, nossos pais e nossos filhos somos todos nós. Quando vemos que todos e tudo pertencem à mesma corrente de vida, nosso sofrimento desaparece. Não-eu não é uma doutrina ou uma filosofia. É um insight que pode nos ajudar a viver a vida mais profundamente, sofrer menos e aproveitar a vida muito mais. Precisamos viver a percepção do não-eu.

 

Tolstoi escreveu uma história sobre dois inimigos. "A" sofreu muito por causa de "B", e seu único motivo na vida era erradicar "B". Toda vez que ouvia o nome de B, toda vez que pensava na imagem de B, ficava furioso. Então, um dia, A visitou a cabana de um sábio. Depois de ouvir A profundamente, o sábio ofereceu a ele um copo de água refrescante, depois ele derramou a mesma água na cabeça de A e o lavou. Quando eles se sentaram para tomar um chá, o sábio disse a ele: "Agora você é B."

 

A ficou surpreso! "Essa é a última coisa que eu quero ser! Eu sou A e ele é B! Não pode haver nenhuma conexão."

 

"Mas você é B, acredite ou não", disse o sábio. Então ele lhe trouxe um espelho e, com certeza, quando A olhou, viu B! Toda vez que ele se mexia, B no espelho fazia exatamente o mesmo. O som da voz de A se tornou o som de B. Ele começou a ter os sentimentos e percepções de B. A tentou voltar a si mesmo, mas não conseguiu. Que história maravilhosa! Devemos praticar para que possamos ver os muçulmanos como hindus e hindus como muçulmanos.

 

Devemos praticar para que possamos ver israelenses como palestinos e palestinos como israelenses. Devemos praticar até que possamos ver que cada pessoa somos nós, que não estamos separados dos outros. Isso reduzirá bastante nosso sofrimento. Somos como os biscoitos, pensando que somos separados e brigando uns com os outros, quando na verdade somos todos da mesma realidade. Nós somos o que percebemos. Este é o ensino do não-eu, de interser.

 

Quando Avalokiteshvara declarou que olhos, ouvidos, nariz, língua, corpo e mente estão vazios, ele quis dizer que eles não podem existir sozinhos, por si só. Eles precisam se inter-relacionar com todo o resto. Nossos olhos não seriam possíveis sem elementos não oculares. É por isso que ele pode dizer que nossos olhos não têm existência separada. Temos que ver a natureza do interser para realmente entender. É preciso algum treinamento para ver as coisas dessa maneira.

 

Não-eu significa que você é feito de elementos que não são você. Durante a última hora, diferentes elementos entraram em você e outros elementos saíram de você. Sua felicidade, de fato sua existência, vem de coisas que não são você. Sua mãe é feliz porque você é feliz. E você é feliz porque ela é feliz. Felicidade não é uma questão individual. A filha deve praticar de uma maneira que ela possa entender melhor sua mãe e sua mãe possa entendê-la melhor. A filha não consegue encontrar a felicidade fugindo de casa, porque carrega sua família nela. Não há nada que ela possa deixar para trás. Não há nada do que ela possa se livrar, mesmo se ela fugir e não contar a ninguém para onde está indo. Sua consciência armazenadora carrega todas as sementes. Ela não pode se livrar de uma única semente.

 

Os ensinamentos da impermanência e do não-eu foram oferecidos pelo Buda como chaves para abrir a porta da realidade. Temos que nos treinar a olhar de uma maneira que saibamos que quando tocamos em uma coisa, tocamos em tudo. Temos que ver que o um está no tudo e o tudo está no um. Tocamos não apenas os aspectos fenomenais da realidade, mas também o fundamento do ser. As coisas são impermanentes e sem existência separada. Elas têm que sofrer nascimento e morte. Mas se as tocamos muito profundamente, tocamos a base do ser que é livre de nascimento e morte, livre de permanência e impermanência, de eu e não-eu.

 

(Do livro “The heart of the Buddha’s teaching”– Thich Nhat Hanh)

(Traduzido por Leonardo Dobbin)

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