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 Estudos Budistas

Tradição do Ven. Thich Nhat Hanh

 

Sem avidez, Nirvana & deixar ir

 

Os últimos quatro exercícios de respiração consciente são sobre objetos da mente, sobre nossa percepção. É interessante saber que na prática da meditação, classificamos a realidade em quatro áreas. O primeiro é o corpo, o segundo são os sentimentos, o terceiro é a mente e o quarto são os objetos da mente. Não falamos da realidade, do cosmos, do universo, como algo fora da mente. Falamos disso como objetos de nossa mente. O sol, a lua, as estrelas, o cosmos são objetos da mente, não uma realidade que existe fora de nossa mente.

 

Os últimos quatro exercícios de respiração consciente nos ajudam na prática da concentração, para que possamos liberar e transformar nosso sofrimento. O 13º exercício é a prática de um samadhi chamado impermanência, contemplando a impermanência. O 14º é a contemplação do não desejo. O 15º é a contemplação do nirvana, o supremo. O 16º, que é o último exercício, é contemplar deixar ir.

 

O 14º tem a ver com nossa ideia de felicidade. Muitos de nós acreditam erroneamente que nossa felicidade, nossa verdadeira felicidade, é feita de objetos de desejo como dinheiro, riqueza, fama, poder, sexo e assim por diante. Acreditamos que a felicidade só é possível quando podemos comprar tudo o que queremos. A felicidade é possível quando temos muito poder, muita fama, muito sexo. Mas sabemos que há quem tenha essas coisas de sobra, e sofra profundamente, até se suicida.

 

Veja alguns deles, eles destroem o corpo, a mente, a vida, correndo atrás desses objetos de desejo. No que diz respeito ao poder, quanto poder precisamos para ser felizes? Se você ocupar o cargo de presidente dos Estados Unidos da América, pensará que terá poder suficiente para fazer o que quiser. Pergunte ao presidente. Ele dirá que precisa de mais poder. Quando olhamos para o objeto de nosso desejo, temos que ver o perigo nele. Se pudermos ver o perigo de autodestruição no objeto de nosso desejo, seremos libertados. Seremos livres e nossa felicidade é feita de liberdade.

 

Um peixe pode gostar de morder a isca, se não souber que dentro da isca há um anzol. Se ele morder, ficará agarrado e perderá a vida. O objeto de desejo tem um anzol dentro. Precisamos ver o perigo de autodestruição nesse objeto de desejo. Somente se tivermos insight, podemos nos livrar dele. Caso contrário, continuaremos correndo atrás.

 

De acordo com esse ensinamento e prática, as condições de felicidade já estão disponíveis, e mais do que suficientes para você ser feliz. Você não precisa correr atrás de mais nada. É possível viver de forma mais simples e feliz aqui e agora. Em Plum Village, nenhum de nós tem uma casa particular, uma conta bancária particular, um telefone particular.

 

Quando visitei o Vietnã, após 49 anos de exílio, tive a oportunidade de me dirigir a uma plateia de intelectuais no Instituto de Ciência Política Ho Chi Min. Os melhores teóricos da linhagem marxista estavam lá me ouvindo. Eu disse a eles: "Queridos amigos, em Plum Village nenhum de nós tem um carro particular, nenhum de nós tem uma conta em um banco particular. Os verdadeiros comunistas somos nós.” Eles riram, riram e riram. Eles não ficaram com raiva absolutamente. Na verdade, muitos deles têm uma conta bancária na Suíça.

 

No entanto, você pode ser bastante feliz. Estamos felizes porque podemos receber amigos para praticar conosco. Podemos ver a transformação e a cura ocorrendo em Plum Village. Aonde quer que vamos e oferecemos retiros de plena consciência, vemos transformação e cura acontecendo sempre em nossos retiros. Isso nos deixa muito felizes. Sentimos que somos úteis, nossa vida tem um sentido. Vivendo de forma simples juntos, centenas de pessoas, podemos construir irmandade sustentando-nos. Viver com simplicidade e ser feliz com essa vida simples é algo possível. Você não precisa correr atrás desses objetos de desejo.

 

O 15º exercício, sobre a contemplação da dimensão última, é a nata do ensinamento e a prática budista. A realidade final está disponível. No budismo, falamos das duas dimensões da realidade, a dimensão histórica e a dimensão última. Na dimensão histórica, parece que há nascimento e morte, começo e fim, acima e abaixo direita e esquerda, sofrimento e felicidade. Quando tocamos com atenção plena e concentração, podemos tocar a dimensão histórica profundamente e também podemos tocar a dimensão última ao mesmo tempo. Ao entrar em contato profundo com a dimensão histórica, entramos em contato também com a dimensão última. A dimensão última está disponível.

 

É como a ciência moderna. Sabemos que existem dois tipos de ciências agora. A ciência clássica, representada por Newton, e a física quântica. Elas têm duas versões diferentes da realidade e deve haver uma conexão entre as duas. No budismo, também temos o ensinamento dos dois tipos de verdade, a verdade convencional e a verdade última. Na verdade convencional, vemos que existe "eu e você", existe o Buda diferente dos seres vivos, existe sofrimento diferente da felicidade, existe vida diferente da morte. A prática da meditação budista pode nos ajudar a tocar a realidade muito mais profundamente. Vamos transcender a visão dualística e tocar a dimensão última, tocar o nirvana aqui e agora e perder todo o nosso medo, raiva e desespero.

 

É como uma onda na superfície do oceano. Em termos de onda, você tem o início da onda e o fim da onda, há uma subida da onda e uma queda da onda. Existe esta onda e a outra onda. Esta onda pode ser mais alta ou mais baixa do que a outra onda. A onda pode estar sujeita a muitos tipos de medo, raiva, complexos. Mas se a onda volta a si mesma e toca profundamente sua verdadeira natureza que é a água, ela percebe que é ao mesmo tempo onda e água. Como onda ela tem que sofrer um começo e um fim, uma subida e uma descida, essa onda e outra onda, mas como água ela não tem que sofrer.

 

Quando ela reconhece que é água, ela perde todo o seu medo, raiva e ciúme. Ela fica alegre ao subir e alegre ao cair. A onda não precisa ir em busca de água em outro lugar. Ela é água aqui e agora. A dimensão última é tão fácil quanto a dimensão histórica, também está em nós. Com plena atenção, concentração e insight, tocamos profundamente a dimensão histórica e, ao mesmo tempo, tocamos a dimensão última, o nirvana, e ficamos livres da noção de nascimento e morte, de ser e não ser.

 

(Palestra de Dharma de  30 de setembro de 2011 em Magnolia Grove,.– transcrito do vídeo do YouTube

https://youtu.be/4tD7lEgqFA8)

Traduzido por Leonardo Dobbin)

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