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 Estudos Budistas

Tradição do Ven. Thich Nhat Hanh

 

Sexualidade (Perguntas e Respostas)

 

Pergunta: A definição de sexualidade na sociedade sempre me confundiu. Me sinto muito mais a vontade com o papel mais restrito e sagrado da sexualidade dentro da tradição budista. Há uma pergunta que ainda fica em minha mente: Quais são a essência e importância da sexualidade? 

 

Thay: Na semana passada em uma discussão de Dharma, eu discuti sobre o que nós chamamos “sexo vazio”. "Sexo vazio" significa sexo sem amor, sem compromisso, sem comunhão ou entendimento mútuo entre as duas partes. Em nossa sociedade moderna às vezes pessoas muito jovens de doze, treze ou quatorze anos de idade já estão praticando sexo. Penso que isto é muito perigoso, porque aquele sexo pode ser descrito como “sexo vazio”. Uma vez que o sexo vazio foi experimentado, a chance de se ter comunicação profunda, compromisso profundo será rara. Eu não sei resolver este problema, mas nós temos discutir conjuntamente isto. 

  

Há uma tendência em acreditar que o sentimento de solidão em você só pode ser dissolvido se você entrar muito intimamente em uma relação sexual. Eu ouvi uma pessoa até mesmo dizer que o melhor modo para se conhecer uma pessoa é ter sexo com ela. Quando não há nenhum compartilhamento sobre as preocupações mais profundas, quando não há nenhuma comunicação real, nenhuma compreensão mútua, e nenhum compromisso sério, eu acredito que sexo seja algo muito destrutivo. Porque em primeiro lugar você vê que a junção de dois corpos não pode solucionar aquele sentimento de solidão dentro de você. O pior é que pode criar uma abertura entre você e a outra pessoa, e sua solidão estará mais profunda. Você ficará frustrado, porque no princípio você pensou que a junção de dois corpos lhe ajudaria a se sentir menos só. Mas você descobrirá logo que não é a maneira de remover o sentimento de solidão. Comunicação, compreensão mútua, harmonia, especialmente compartilhar os mesmos ideais de vida, só podem ser alcançadas pela prática de olhar profundamente e escutar profundamente. Eu aconselharia que se esse tipo de compreensão mútua, de relação íntima entre as duas almas não for alcançado, então a junção dos dois corpos não deveria acontecer. 

 

O ato sexual pode ser muito sagrado, muito bonito, e também muito espiritual se está junto a compreensão profunda, aspiração profunda. Nós sabemos que sexualidade também existe para assegurar a continuação de nossa espécie, e a energia sexual em cada pessoa é apenas a tendência natural das espécies. Há muitas pessoas que ficam em dificuldades, porque a energia sexual neles é muito opressiva, muito forte. É um tipo de energia que você deveria saber administrar, tomar cuidado caso contrário não o deixará ficar calmo, o empurrará a fazer e dizer coisas que podem causar muito dano. Foram destruídas muitas famílias, e muitas crianças sofrerão por toda vida, porque as pessoas não souberam controlar a sua energia sexual. 

 

Sendo um monge budista, me ensinaram que você precisa de energia para estudar o Dharma, para praticar meditação, contemplação, e assim por diante. Da mesma forma que um monge, você deveria saber canalizar a sua energia na direção dos estudos e da prática. Se você não souber canalizar naquela direção, ela irá em outra direção, e você pode ficar em dificuldades se não souber como administrar e tomar cuidado com sua energia sexual. O Buda aconselhou aos monges e monjas que não comessem ou que comessem muito pouco pela noite. Por que se você comer bem ao meio-dia, se você mastigar a comida muito cuidadosamente, então você se nutrirá. Se você comer demais, terá mais energia que precisa. Em Plum Village nossos monges e monjas também trabalham usando força física, e também praticam corrida e coisas assim. Nós aprendemos a tomar cuidado dos nossos corpos e de nossa energia. 

 

Em Plum Village não há televisão. As televisões em Plum Village só são usadas para assistirmos às discussões de Dharma. As televisões aqui também praticam. Elas só recebem videoteipes de discussões de Dharma; não recebem outros tipos de programas. Elas praticam como o sino de plena consciência. Elas emitem só o Dharma, nunca difundem os materiais anti-Dharma. Em Plum Village não se consomem revistas, filmes e livros que podem despertar e regar a semente do desejo dentro de você. Nem mesmo se cantam canções de amor, daquele tipo de amor que levam você para baixo. Em Plum Village cantamos muito, mas nossas canções sempre refletem a alegria da prática do Dharma. Nos centros de prática isto também é muito importante.

 

Nós criamos um ambiente onde todo o mundo sabe o melhor a fazer da sua energia. Nós estamos conscientes que as pessoas ao redor de nós sofrem muito, e é por isso que nós administramos nosso tempo e energia, e isto é usado para responder ao sofrimento ao redor de nós. Fazendo assim, nós cultivamos a energia de compaixão dentro de nós. Plum Village tem programas para ajudar as crianças famintas, refugiados, e pessoas em muitos países. Os monges e monjas e outros em Plum Village participam desse trabalho; e passam a ter contato com o sofrimento que está acontecendo no mundo e eles também usam a sua energia e tempo ajudando as pessoas. Claro que, eles passam e organizam retiros de plena consciência e plena atenção, e isso também é um modo de ajudar. Nós fazemos o melhor uso de nossa energia, nosso tempo, e nossos recursos, de forma que o sofrimento dentro de nós e ao redor de nós seja aliviado. 

 

Eu penso que a questão relativa a sexualidade aqui é como administrar, como tomar cuidado com as fontes de energia em nós. No princípio, o tipo de energia que nós tínhamos era não diferenciado, mas logo aquela energia será canalizada em muitas direções. Se você souber canalizar isto na direção da prática, da aprendizagem, de ajudar as pessoas que sofrem próximas a você, esteja certo que terá bastante paz. Mas se você não faz isto, a energia sexual será a sua fonte principal de energia e você não terá nenhuma paz, e poderá causar sofrimento a você e ao seu redor. É por isso que o Terceiro Treinamento de Plena Atenção e o Quinto Treinamento de Plena Atenção são ligados um ao outro. Consumo e proteção a integridade de casais e crianças estão ligados. Se você não souber consumir, então você não sabe praticar o tipo de proteção que se relaciona ao Terceiro Treinamento de Plena Atenção. 

 

 

(Palestra de Dharma no dia 27 de julho  de 1998 em Plum Village, França - Thich Nhat Hanh)

 

 

P: Thay, durante o retiro você disse rapidamente que há praticas que os monásticos de Plum Village usam para cuidar da energia sexual que há neles. Você poderia nos instruir nessas práticas para nos ajudar no terceiro treinamento de plena consciência?

 

Thay: A energia sexual é apenas um tipo de energia e todos temos energia sexual dentro de nós. Ela não deve ser olhada como algo maligno. Nós temos nossa humanidade dentro de nós, mas também temos nossa animalidade dentro de nós. A prática da meditação budista, a prática do serviço da compaixão não é algo que esteja acima da animalidade que há dentro de nós. Temos que reconhecer que temos a natureza de Buda, mas também temos que reconhecer que temos a natureza animal.

 

Essas duas naturezas não têm que se contradizer. A natureza de Buda em nós pode muito bem abraçar a natureza animal. Não há necessidade de haver uma luta entre as duas. Nós precisamos de alguma habilidade para fazer isso. É preciso harmonizar as duas. A natureza de Buda deve fazer o papel de irmão mais velho abraçando os irmãos mais novos em harmonia e compaixão. Plena consciência é usada para reconhecer todos os tipos de energia em nós incluindo o ódio e o desespero. Não deveríamos fazer com que a prática seja uma briga, porque será destrutivo, causando muito estrago em nós. A prática budista é baseada na compreensão da não dualidade.

 

Você tem a natureza de Buda em você, mas também tem a natureza animal. Você tem plena consciência, mas também tem momentos de esquecimento. Tem compaixão, mas às vezes fica com raiva e ódio. Tudo isto forma uma comunidade em nós. Quando você toca a música da plena consciência, pode harmonizá-los em paz. Você não tem que excluir ninguém nem nada em você, incluindo a energia da raiva, e a do sexo. Não tem que suprimir, excluir. O que há de maravilhoso na prática da plena consciência é que ela não está lá para suprimir e lutar, ela está lá apenas para reconhecer.

 

Plena consciência é a capacidade de reconhecer o que está lá sem intenção de estar apegado, sem intenção de lutar contra isso, suprimir. É chamado reconhecimento simples ou reconhecimento do espelho. Você deveria ser capaz de reconhecer, abraçar o que está lá, não importando se é positivo ou negativo, prazeroso ou desagradável. Quando a plena consciência é forte o suficiente, sabemos a natureza do que está dentro de nós e sabemos como transformar esta energia. Sabemos como canalizar esta energia para uma boa direção. O bom jardineiro não despreza o lixo, ele sabe como transformá-lo em adubo necessário para as flores.

 

É o mesmo com a prática. Energias negativas como a raiva, a frustração, não tem que ser suprimidas, jogadas fora. Você deve saber como tomar conta delas, transformá-las em boas energias. Transformação. Se a semente do amor, do serviço, for reconhecida em nós, muitas coisas excitantes podem ser feitas por nós como praticantes, tal como construir uma Sangha, ajudar as pessoas a sofrer menos, trazer um sorriso ao rosto de uma criança e muitas outras coisas maravilhosas. Você está motivado pelo desejo de fazer essas coisas. É um canal para onde é preciso conduzir as outras energias porque é preciso muita energia para fazer tudo isso. Você precisa da energia do cérebro, da fala e do corpo. Você pode canalizar outras energias nessa direção porque temos a mente do amor, temos nossa bodichitta (mente iluminada), nosso desejo profundo de transformação e de ajuda. Você pode canalizar porque é um bodhisattva.

 

Por isso você tem tanto desejo de ajudar e transformar o sofrimento e levar o bem estar ao mundo. É necessária muita energia para preencher seu desejo de ser bodhisattva. Você tem que saber que com alguma habilidade pode canalizar energias negativas e transformá-las, fazer uso delas na direção desejada. Você precisa da Sangha para ajudá-lo. Se você tem uma boa prática e se há um membro da Sangha que sempre está lá para ajudá-lo, para lembrá-lo, não será difícil para você fazer uso das energias transformando-as nas boas coisas que você quer tanto fazer.

 

Sexo é um tipo de energia e se você permitir à energia ir embora em uma direção, não terá energia suficiente para canalizar na direção desejada. Na comunidade monástica advertimos aos monges que fiquem em grupos de pelo menos três. Não dois, pelo menos três ou quatro. Aprendemos como a acordar na mesma hora, ir dormir na mesma hora. Esta disciplina mental nos ajuda muito. Se você sabe como organizar seu dia, se você tem companheiros que ajudam, que lembram, então você conseguirá gastar sua energia e seu tempo em atividades positivas. Cuidar da energia sexual se torna mais fácil se você tem uma boa rotina, se há irmãos ou irmãs te ajudando. Se você estiver numa Sangha com um determinado tipo de rotina, então será muito mais fácil de lidar com a energia sexual.

 

(Palestra de Dharma no dia 6 de junho  de 2002 em Plum Village, França - Thich Nhat Hanh)

 

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