Sangha Virtual

 Estudos Budistas

Tradição do Ven. Thich Nhat Hanh

 

Solidão e a ilusão da conexão

 

Sabemos que, uma vez que estamos em casa, não nos sentimos mais solitários. Se você estiver em casa, estará quente, confortável, seguro, realizado. O lar é um lugar onde a solidão desaparece. Mas onde está o lar? O Buda disse muito claramente que o lar está em nós e há uma ilha para onde você tem que voltar. A ilha do eu. Esta é uma prática, não uma teoria.

 

A solidão é o mal-estar do nosso tempo. Sentimo-nos muito solitários mesmo estando rodeados por muitas pessoas, estamos sozinhos juntos. Existe um vácuo dentro de nós e você não se sente confortável com esse tipo de vácuo. Tentamos preenchê-lo conectando-nos com outras pessoas, acreditamos que quando pudermos nos conectar com outras pessoas o sentimento de solidão desaparecerá e a tecnologia nos fornece muitos dispositivos para nos conectarmos.

 

Estamos sempre conectados, mas nos sentimos solitários, continuamos nos sentindo solitários. Verificamos e enviamos e-mail várias vezes ao dia, postamos mensagens muitas vezes ao dia. Queremos compartilhar, queremos receber. Você fica ocupado durante todo o dia todo para se conectar, mas isso não ajuda com a solidão, não ajuda a reduzir a quantidade de solidão em nós. Isso é o que acontece no momento presente em nossa civilização moderna.

 

Nossos relacionamentos não são bons, não estamos em um bom relacionamento com nosso parceiro, com nosso irmão, com nossa irmã, com nossos pais, com nossa sociedade. Nos sentimos muito solitários e usamos tecnologias para tentar dissipar esse sentimento de solidão, mas não tivemos sucesso.

 

Na tradição de Plum Village todas as vezes que nos sentamos numa almofada é para nos conectarmos a nós mesmos porque na nossa vida quotidiana estamos desligados de nós próprios. Andamos e não sabemos que estamos caminhando, estamos lá, mas não sabemos que estamos lá, estamos vivos, mas não sabemos que estamos vivos. Estamos nos perdendo, não somos nós mesmos e isso está acontecendo, quase o dia todo.

 

O ato de sentar é um ato de revolução. Você se senta e você corta, você para esse estado do seu ser, se perdendo, não sendo você mesmo. Quando você se senta, se conecta a si mesmo e você não precisa de um iPhone ou de um computador para fazer isso. Só precisa sentar-se com atenção e respirar com atenção e em alguns segundos você se conecta consigo mesmo. Você sabe o que está acontecendo, o que está acontecendo no seu corpo, o que está acontecendo em seus sentimentos, nas suas emoções, o que está acontecendo em suas percepções e assim por diante.

 

Você já está em casa e portanto cuide de sua casa. Você saiu de casa por um longo tempo e o lar tornou-se uma bagunça. Ir para casa significa sentar-se e estar com você mesmo, conectar-se consigo mesmo e aceitar a situação como ela é. É uma bagunça sim, mas eu aceito porque eu saí de casa por muito tempo, eu permiti que coisas assim acontecessem em casa. Agora estou em casa, eu vou reorganizar tudo.

 

Com minha inspiração, minha expiração, minha respiração consciente, eu começo a sorrir para tudo. Eu vou arrumar minha casa, eu permito que meu corpo libere a tensão enquanto inspiro e expiro. O Buda me ensinou como fazer isso, como inspirar e como liberar a tensão em meu corpo.

 

Estou ciente da minha sensação de solidão, de tristeza, de medo, da ansiedade. Eu sorrio para a sensação de solidão e medo da ansiedade. Eu digo: "Minha querida solidão, eu sei que você está aí, espero cuidar de você." E você faz as pazes com sua solidão, faz as pazes com seu medo. Há uma criança ferida, em você, você a reconhece e a abraça ternamente em seus braços. Este é o ato de ir para casa e cuidar dela.

 

Toda vez que der um passo seja inspirando ou expirando, você voltará para si mesmo. Cada passo te traz para a casa do aqui e agora de forma que você pode conectar com você mesmo, seu corpo, seus sentimentos. Isso é uma conexão real e você não precisa de muita tecnologia para fazer isso. Esta é a revolução, este é o caminho para nos curarmos a nós mesmos, e a nossa sociedade.

 

Estamos nos perdendo, você está perdido, tem que se encontrar novamente. Você tem que ir para casa e o Natal é um tempo quando você precisa praticar ir para casa. Há uma ilusão de conexão. Você acha que com aquela tecnologia, com esses dispositivos, pode se conectar, mas na verdade não pode. Como você pode se conectar com outra pessoa se não consegue se conectar com você mesmo? O ensinamento do Buda de voltar para casa na ilha do eu é a maneira de curar nossa sociedade, para nos curarmos.

 

Com o ato de inspirar, você vai para dentro. A saída é para dentro. Quando você dá um passo, você vai para dentro de si mesmo, porque esse passo traz você de volta ao aqui e agora e ajuda você a se conectar com seu corpo. Seu corpo é sua respiração, seu corpo são seus pés, seus pulmões e você está se conectando com seu corpo, pés, respiração, pulmões. Você está em casa porque o corpo faz parte da sua casa.

 

Quando você passa duas horas com seu computador você se esquece inteiramente de que tem um corpo e sem seu corpo como pode estar vivo? Em Plum Village muitos de nós programamos um sino da atenção plena em nosso computador a cada 15 minutos. Ouvimos o sino e paramos de trabalhar, paramos de pensar, voltamos à nossa inspiração. Gostamos de inspirar e nos conectamos com nós mesmos e sorrimos. Nos tornamos vivos de novo. Sabemos que temos um corpo que é uma maravilha. Nosso corpo é uma maravilha. Conectar-se é, em primeiro lugar, conectar-se com o corpo.

 

Se houver um sentimento seja de tristeza, raiva ou solidão, eles somos nós. Conectamos com nossa inspiração e expiração e, então, com essa inspiração atenta, conectamos com nossos sentimentos sorrimos aos nossos sentimentos, dizemos: "Não se preocupe, estou em casa, eu cuido de você." Você abraça seus sentimentos com ternura, seja o medo, raiva ou solidão, e nos acalentamos com esse tipo de prática. Este é um ato de ir para casa verdadeiramente e você não precisa de um dispositivo tecnológico para fazê-lo.

 

Seja um lar para você mesmo. O Buda disse: seja uma ilha para você mesmo. Refugiar-se na ilha do eu. essa é a prática recomendada pelo Buda. Quando você anda do estacionamento para seu escritório, por que não vai para casa a cada passo? Por que você continua a pensar, a preocupar-se, a sofrer?  Cada passo pode levá-lo para casa. Você anda como um Buda. Você age como uma pessoa livre. Isto é possível.

 

Você se recupera, se conecta consigo mesmo a cada passo. A liberdade é possível e você está se recuperando, você não está mais se perdendo. Você se conecta com seu corpo, se conecta com seus sentimentos a cada passo e cada passo te traz liberdade.

 

Se você pode encontrar um lar para você mesmo, pode ajudar seu parceiro a encontrar o dele ou dela. Porque ela também é solitária, também está procurando um lar para ter um pouco de calor e segurança. Por isso, quando você tem um lar, pode ir para o seu parceiro, pode ir para a outra pessoa. Como você tem uma casa, está em condições de ajudá-la a ter uma casa também. Você está confiante porque sabe como se conectar consigo mesmo, como ter um lar para si mesmo. Esta confiança em você a inspirará a fazer o mesmo. Ela conseguirá encontrar um lar em você e ela se apoiará nisso para construir um lar nela.

 

Antes que você possa ir até ela para ajudá-la, você tem que se ajudar a si mesmo, tem que se conectar consigo mesmo. Quando você for capaz de se conectar consigo mesmo, a próxima etapa será possível, você será bem-sucedido ao se conectar com a outra pessoa. Mas sem a primeira etapa, a segunda etapa não será possível. Você realmente não precisa de um iPhone ou algo parecido, você precisa de seus olhos para olhar para ela com compaixão. Mesmo se ela não estiver na mesma cidade, você pode se conectar com ela facilmente porque você já é você mesmo. Você já está em casa e o que quer que diga, o que quer que pense irá ajudá-la, irá ajudá-lo a se recuperar.

 

Quando ela for capaz de voltar para si mesma, seu relacionamento se tornará um relacionamento real porque vocês dois têm casa. Quando vocês estão juntos, encontram o lar um no outro ao mesmo tempo que em cada um de vocês. Esta é uma casa coletiva para vocês dois. Esta é a base de tudo. Se você quiser ajudar a sociedade, se quiser ajudar a comunidade, se quer ajudar o seu país, tem que se basear nisso.

 

Quando você tem um verdadeiro lar, você tem felicidade, tem segurança, tem satisfação e então está em condições de ir para o outro seja um indivíduo, ou uma sociedade um grupo de pessoas. Esta é a maneira prescrita pelo Buda, tudo tem que começar com você mesmo.

 

O ensinamento, a prática são muito claros. Cada respiração, cada passo cada meditação, cada ação como beber, limpar, se feito com plena consciência, ajuda-o a ir para casa e a desfrutar das maravilhas da vida ao seu redor e em você. Seu corpo é uma maravilha, e as colinas, os riachos de água - são todas maravilhas e têm o poder de curar.

 

(Palestra de Dharma de Thich Nhat Hanh em 13 de dezembro de 2012 – transcrito do vídeo do YouTube

https://youtu.be/_IjC9t8Y6qI)

Traduzido por Leonardo Dobbin)

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