Sangha Virtual

 Estudos Budistas

Tradição do Ven. Thich Nhat Hanh

 

Soltando suas Vacas

 

Muita alegria e felicidade vêm de sair ou deixar algo para trás. Suponha que você está sofrendo com o barulho, poluição e estresse da cidade. É sexta-feira de tarde e você quer sair. Você entra no seu carro e dirige. Uma vez que está no campo com bonitas árvores, céu azul e o canto dos pássaros, você sente alegria. A alegria que você experimenta de estar no campo nasceu de ter abandonado a cidade, de ter deixado algo para trás.

 

Há muitas coisas que não somos capazes de deixar para trás, que nos prendem. Pratique olhar em profundidade para essas coisas. No começo, pode achar que elas são vitais para sua felicidade, mas elas podem, na verdade, serem obstáculos para sua verdadeira felicidade, causando seu sofrimento. Se você não está feliz por que está preso nelas, deixá-las para trás será fonte de alegria para você. O Buda e muitos de seus discípulos experimentaram isso, e nos passaram sua sabedoria. Por favor, olhe para as coisas que você acha necessárias para o seu bem estar e felicidade e descubra se elas te trazem felicidade ou estão quase te matando.

 

Um dia o Buda estava sentado com um grupo de monges na floresta perto de Sravasti. Eles haviam acabado de almoçar e estavam em uma pequena palestra de Dharma. De repente um fazendeiro se aproximou. Estava visivelmente chateado e gritou, “Monges! Vocês viram minhas vacas?”

 

O Buda disse, “Não vimos nenhuma vaca.”

 

“Sabem monges”, o homem disse, “Eu sou a pessoa mais miserável na Terra. Por alguma razão minhas doze vacas fugiram esta manhã. Eu tenho apenas dois acres de plantação de gergelim e este ano os insetos comeram todas as plantas. Penso que vou me suicidar.” O fazendeiro estava realmente sofrendo.

 

Cheio de compaixão o Buda disse. “Não senhor, não vimos suas vacas. Talvez você deva procurá-las em outro lugar.”

 

Quando o fazendeiro se foi, o Buda virou para seus monges, olhou para eles profundamente, sorriu e disse, “Queridos amigos, vocês sabem que são as pessoas mais felizes do mundo. Vocês não têm vacas para perder.“ [risos]

 

Portanto amigos, se vocês têm vacas, olhem profundamente para a natureza delas para ver se elas estão trazendo felicidade ou sofrimento. Vocês deveriam aprender a arte de soltar suas vacas. A chave é deixar ir e libertar a si mesmo. Um monge ou monja deveria apenas ter três robes e uma tigela, porque liberdade é a posse mais valorosa.

 

Há um poema que descreve o Buda deste modo: “O Buda é como a lua cheia velejando através do céu vazio.” O Buda tinha muito espaço ao seu redor porque ele não possuía nada. Ele não tinha nenhuma vaca. Por isso sua felicidade era imensa. Os monges e monjas que o seguem hoje deveriam seguir seu exemplo de não possuir nada, não possuir muitas vacas. Conheço um monge que era muito ocupado tentando construir um grande templo. Ele disse: “Antes de me tornar um monge, eu era muito ocupado, e pensava que uma vez sendo monge, seria menos ocupado. Mas na verdade estou mais ocupado que nunca.” Seu templo se tornou uma vaca. Quando ele disse isso a um amigo, o amigo riu e perguntou: “Porque você não se torna um monge de verdade?”

 

Liberdade é a base de nossa felicidade. Não podemos ser felizes se estamos presos. Solidez e liberdade são a base autêntica de nossa felicidade. É por isso que praticamos para restabelecer nossa liberdade e criar espaço ao nosso redor. Também, quando você ama e é amado, se não há liberdade, seu amor pode ser sufocante. Você não pode ser livre com este tipo de amor que tira sua liberdade e não permite que você seja você mesmo. Este tipo de amor não é autêntico; é uma vaca. Você deve achar coragem de deixar suas vacas irem.

 

Valorizamos a liberdade. Como monges e monjas, não podemos trocar nossa liberdade por nada – nem mesmo um templo. Isto é felicidade real. Todos temos que olhar para a natureza de nossas vacas e ver se elas nos fazem infelizes. Depois de meditar profundamente na sua natureza, podemos tomar uma decisão. Quando fizermos a decisão correta, ganharemos liberdade e experimentaremos uma felicidade incrível. Seremos muito mais felizes que antes, e desfrutaremos do fato de termos sido capazes de soltar nossas vacas.

 

Tenho um amigo na Alemanha que é um executivo. Ele tinha muitas vacas. Ele participou de um de meus retiros e adorou. Contudo, ele disse que não podia participar de um segundo retiro porque tinha que ir a uma reunião em Frankfurt. Eu disse: “Cuidado com suas vacas.” Aquela noite ele foi embora para a reunião. Contudo, durante a meditação sentada do segundo retiro, fiquei surpreso ao vê-lo na sala de meditação. Aproximei-me dele depois da sessão e perguntei: “Porque você está aqui? Não foi a Frankfurt?” Ele me disse, “Thay, na metade do caminho eu comecei a soltar minhas vacas, fiz um retorno e voltei para o retiro.” Eu disse, “Congratulações! Você é um bom praticante, porque consegue facilmente soltar suas vacas.”

 

Estou certo que cada vaca que soltarem, aumentará sua liberdade e felicidade. Este é o tipo de alegria e felicidade que o Buda recomenda.(...)

 

Quando eu uso a palavra “vaca”, seu primeiro significado é algo que você pensa que é essencial para sua felicidade. É algo que você nunca questionou: uma posição na sociedade, um negócio, um diploma, uma ideologia. Mas quando você consegue, parece que não tem a felicidade que queria, e você continua a sofrer, mesmo se tem suas vacas. Nós somos convidados a praticar olhar em profundidade na natureza de nossas vacas para ver se elas são realmente necessárias para nosso bem-estar e felicidade. Se descobrirmos que é apenas uma vaca que cria mais ansiedade e medo, então seremos capazes de deixá-la ir. É por isso que eu pedi a todos vocês para olhar em profundidade e chamar suas vacas por seus verdadeiros nomes.

 

Entre as vacas de meu amigo na Alemanha que citei havia algumas que pareciam muito espirituais. Ele era presidente de muitas organizações budistas. Ele participava de muitas reuniões e fez muito trabalho. Tomava muito de seu tempo e energia e causava a ele muito stress. Ele não conseguia desfrutar de sua respiração, caminhada ou enquanto sentava. Ele não se sentia feliz. Para ser feliz, ele tinha que liberar algumas de suas vacas. Quanto mais vacas liberamos, maior será nossa liberdade e felicidade. É isso o que quero dizer por vacas.

 

Talvez você tenha um trabalho, mas acha que não é suficiente, então consegue um segundo trabalho. Você trabalha depois da hora, pensando que precisa criar mais oportunidades para aumentar sua riqueza e fama. Você fica preso neste modo de pensar por muito tempo. Mas um dia você descobre que não é realmente feliz, e você realmente quer felicidade. Você não quer perder sua energia em preocupações, raiva e assim por diante. Você está determinado a liberar suas vacas. Cada um de nós pode olhar profundamente, identificar suas vacas e liberá-las. Uma vaca pode ser também uma ideologia ou uma idéia que temos bastante orgulho. Pensamos que somos alguém muito especial se seguimos aquela idéia ou ideologia. Mas se, na verdade, não nos deu felicidade verdadeira, é uma vaca que precisamos liberar.

 

Eu falei antes sobre um monge que estava muito ocupado construindo um templo. Você poderia perguntar, “O que está errado em um monge construir um templo?” Quando ele estava construindo, ele se preocupava tanto sobre o templo que não tinha tempo para praticar meditação caminhando, respiração consciente, ou desfrutar tocar o momento presente. Ele estava sacrificando sua própria felicidade. Ele sacrificou a coisa mais importante e se focou em coisas menos importantes. Quando o monge reclamou a seu amigo, seu amigo disse: “Por que você não se torna um monge verdadeiro? Um monge de verdade é livre de vacas.” Portanto mesmo um templo pode ser uma vaca. Não significa que ele não deveria construir o templo, mas há modos de construir templos sem transformá-los em vacas, e de forma que você se mantenha uma pessoa livre. Se algo é uma vaca ou não depende de seu comportamento. Liberar uma vaca não significa liberar responsabilidades.

 

(Traduzido do  livro “The Path of Emancipation” – Thich Nhat Hanh – por Leonardo Dobbin)

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