Sangha Virtual

 Estudos Budistas

Tradição do Ven. Thich Nhat Hanh

 

Transformando o sofrimento com entendimento e amor

 

Não tenhamos medo do sofrimento, vamos aprender como fazer bom uso do sofrimento para criar a felicidade. Essa é a maneira budista. O ensinamento básico do Buda são as Quatro Nobres Verdades e a Primeira Verdade é o sofrimento, a Terceira é a felicidade, o fim do sofrimento. Se você não entende o sofrimento, não sabe como fazer bom uso dele para criar a flor da felicidade que é a Terceira Nobre Verdade, a cessação do sofrimento, a existência da felicidade.

 

Quando praticamos ir para casa para nós mesmos e entrarmos em contato com o sofrimento dentro de nós, estamos fazendo a coisa certa. Entramos em contato com a Primeira Nobre Verdade, há sofrimento em nós. Temos que reconhecer o fato que há lixo em nós. Este sofrimento pode carregar dentro de si, o sofrimento de nosso pai e nossa mãe, geralmente é assim. Você pode olhar profundamente em seu próprio sofrimento e pode ver o sofrimento de seu pai, sua mãe em seu sofrimento. Se olharmos mais profundamente podemos ver o sofrimento de nossos ancestrais também porque muitos de nossos ancestrais não sabiam como lidar com o sofrimento. Eles não puderam transformar, e por isso eles nos transmitiram o sofrimento. Herdamos deles um tipo de sofrimento coletivo.

 

Às vezes sofremos e não sabemos por que, não parece que eu criei esse sofrimento para mim. Devo ter herdado de meu ancestral, meu pai, minha mãe. Mas se você encontrar o Buda-Dharma, terá a chance de abraçar seu próprio sofrimento e olhar profundamente para chegar a um entendimento, entendimento da Primeira Nobre Verdade. Esse é o segundo nível de verdade, entender a criação do sofrimento, como o sofrimento está sendo criado, como o sofrimento veio e se estabeleceu lá.

 

O que é maravilhoso é que uma vez que você entendeu a natureza do seu sofrimento, começa a se transformar. A compreensão sempre traz compaixão. Quando você entende o seu próprio sofrimento, não se culpa mais. Quando você entende que o outro está sofrendo, não o culpa mais. Você vê que ele é vítima do próprio sofrimento o sofrimento de seu pai e de sua mãe. Como ele sofre e não foi capaz de lidar e compreender o seu sofrimento, então continuou a ser vítima do seu próprio sofrimento. E você pode ser uma segunda vítima, uma terceira vítima. O filho pode ser vítima do sofrimento dos pais.

 

Com esse tipo de compreensão: essa pessoa tem muito sofrimento nele ou nela, aquela pessoa não sabe como lidar e transformar o sofrimento... Essa pessoa precisa de ajuda, não precisa de punição. Quando a compaixão nasce em você, você sofre menos imediatamente. Em vez de tentar puni-la por ter te feito sofrer, você é motivado pelo desejo de fazer algo, de dizer algo para ajudá-la a sofrer menos. Esse é o milagre da prática: compreender o sofrimento, gerar compaixão.

 

Quando há compaixão em seu coração, você sofre menos imediatamente. Nós temos que concordar um com o outro que a verdadeira felicidade é feita de compreensão e compaixão, a verdadeira felicidade não é feita com fama, poder, sexo e riqueza. Há muitas pessoas que têm essas quatro coisas, mas sofrem muito profundamente. Vocês têm que concordar um com o outro, com o treinamento dos Cinco Treinamentos de Plena Atenção, de que a verdadeira felicidade é feita de compreensão e amor.

 

Uma pessoa que não tem amor e compaixão dentro de si não pode ser uma pessoa feliz. Uma pessoa sem compaixão e amor nunca pode se relacionar com qualquer outra pessoa, está completamente isolada, não pode ser uma pessoa feliz. É por isso que sabemos que o amor e a compaixão são condições básicas para a felicidade e sabemos como gerar compaixão e amor, tocando e entendendo o sofrimento. É por isso que temos que aprender a voltar para nós mesmos para entrar em contato e tentar entender o nosso sofrimento.

 

Se você entender o seu próprio sofrimento, será capaz de compreender o sofrimento da outra pessoa, do seu país, do seu povo. De acordo com esse ensinamento, a compreensão do sofrimento traz sempre compaixão e vontade de ajudar. Você pode amar alguém se não o compreender? Não. O pai que não entende as dificuldades e o sofrimento de seu filho nunca pode amá-lo e fazê-lo feliz, mesmo que tenha boa vontade, grande vontade de amar. Mas quanto mais ele ama, mais faz seu filho sofrer porque não há compreensão. Se o pai entende o sofrimento e as dificuldades do filho pode amá-lo e fazê-lo sofrer menos.

 

É por isso que compreensão é o outro nome do amor, compreender já é amar. Quando se ama com amor verdadeiro, significa que você entendeu. Compreender aqui é antes de tudo compreender o sofrimento.

 

Por isso é muito bom olhar para a outra pessoa e fazer a pergunta "Querida, você acha que entendo você o suficiente? Entendi todo o seu sofrimento e dificuldades? Porque eu sei que se eu não entender suas dificuldades e seu sofrimento eu não posso te amar e te fazer feliz. Se você acha que eu não te entendi o suficiente, por favor me ajude. Por favor, me diga o que está em seu coração. Por favor, me fale de seu sofrimento, de suas dificuldades para que eu possa entender. Uma vez que eu tenha entendido, não vou mais fazer você sofrer." Essa é a vontade de amar, a vontade de compreender o sofrimento.

 

Você não pode amar alguém se não a compreender e compreender aqui é antes de tudo, compreender o sofrimento. O sofrimento é um ingrediente muito importante para gerar compreensão e amor. Suponha que você mande seus filhos para um lugar onde não haja sofrimento. Seus filhos não têm meios para cultivar a compreensão e o amor e não podem ser felizes. Seus filhos têm que enfrentar o sofrimento e se eles souberem entender o sofrimento, crescerão como um bom ser humano e serão capazes de desenvolver compreensão e amor e se tornarem uma pessoa feliz.

 

É por isso que a minha ideia do Reino de Deus não é um lugar onde não haja sofrimento. Se não há sofrimento, não há compreensão e amor também. Se não há lama, não há lótus, você não pode fazer crescer lótus em bolas de gude. Você tem que crescer nosso lótus na lama, tem que criar, gerar compreensão e amor na base do sofrimento.

 

O ensinamento de Buda é muito prático, você tem que voltar e tocar o sofrimento em si mesmo e tentar entendê-lo. Uma vez que tenha entendido, você sofre menos e pode entender o sofrimento da outra pessoa. Você terá compaixão por ela e pode ajudá-la a sofrer menos, isso é amor verdadeiro.

 

Portanto minha definição do Reino de Deus não é um lugar onde não há sofrimento, mas um lugar onde as pessoas sabem como fazer bom uso dele. Estou muito feliz por ter essa definição do Reino de Deus. O Reino de Deus é um lugar onde as pessoas sabem fazer bom uso do sofrimento, onde as pessoas sabem como aprender a entender o sofrimento a fim de gerar a energia da compreensão e do amor. A ideia de que o Reino de Deus, a Terra Pura de Buda seja um lugar onde não exista sofrimento é uma ideia bastante ingênua.

 

Com esse tipo de insight, você não tem mais medo do sofrimento, não está mais disposto a fugir do sofrimento. Você para e começa a olhar para ele com calma, com paz e é capaz de abraçá-lo com ternura e um olhar profundo para começar a entender a sua natureza. O Buda disse que se você souber como olhar para a natureza do seu sofrimento e identificar a fonte do nutriente, você já está no caminho da transformação e cura.

 

(Palestra de Dharma de Thich Nhat Hanh em 9 de julho de 2012 – transcrito do vídeo do YouTube

https://youtu.be/WGfWYI6SXMY)

Traduzido por Leonardo Dobbin)

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