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 Estudos Budistas

Tradição do Ven. Thich Nhat Hanh

 

 

Verdadeiro Poder

 

Frederick era pelos padrões convencionais um homem poderoso. Ele era um executivo financeiramente próspero que se orgulhava de seus alto ideais. Contudo ele não podia realmente estar presente para ele, para sua esposa, Claudia, ou para os dois filhos jovens. Ele estava cheio de uma energia que sempre o empurrava a fazer mais, ser melhor, e focalizar no futuro. Quando seu filho mais jovem veio para ele sorrindo lhe mostrar um quadro tinha feito, Frederick estava tão absorvido nos seus pensamentos e preocupações sobre o trabalho que realmente não viu o filho como precioso, um milagre de vida. Quando ele voltava para casa do trabalho e abraçava Claudia, ele não estava completamente presente. Ele tentava, mas realmente não estava lá. Claudia e as crianças sentiam a ausência dele.

 

No princípio, Claudia apoiou Frederick e a sua carreira completamente. Ela estava orgulhosa de ser sua esposa, e tinha muito prazer organizando recepções e outros eventos sociais. Como ele, ela estava comprometida com a idéia que indo à frente, tendo um salário maior e uma casa maior aumentaria a felicidade deles. Ela o escutou para entender as suas dificuldades. Às vezes eles ficavam acordados até muito tarde da noite e falavam sobre as preocupações dele. Eles estavam juntos, mas o foco da sua atenção e concentração não eram as suas vidas, sua felicidade, ou a felicidade das crianças. O foco das conversas era empresarial, as dificuldades e obstáculos que ele encontrava no trabalho e os seus medos e incertezas.

 

Claudia fez seu melhor para apoiar seu marido, mas aos poucos ela ficou exausta e subjugada pela sua tensão contínua e distração. Ele não tinha tempo para si mesmo, deixando só sua esposa e as duas crianças. Ele queria estar com eles, mas acreditava que não pudesse dispor desse tempo. Ele não tinha tempo para respirar, olhar para a lua, ou desfrutar dos seus passos. Embora ele fosse supostamente o chefe, a sua ganância em ir à frente era seu chefe verdadeiro, que exigia cem por cento do seu tempo e atenção.

 

Claudia estava só. Ela realmente não era vista pelo seu marido. Ela tomava conta da família e da casa, fazia obra beneficente como voluntária, e passava tempo com os amigos. Ela se formou na faculdade e então começou a trabalhar como psicoterapeuta. Embora ela achasse significado nestas atividades, ainda se sentia sem apoio no casamento. Os filhos desejavam saber por que o pai estava tão ausente. Eles sentiam sua falta e freqüentemente perguntavam por ele.

 

Quando o filho mais velho, Philip, teve que ir ao hospital devido a uma cirurgia de coração, Claudia ficou mais de sete horas só com Philip porque Frederick não podia ficar longe do seu negócio. Até mesmo quando Claudia se internou no hospital para uma cirurgia de remoção de um tumor benigno, Frederick não veio.

 

Mesmo assim Frederick acreditava que estava fazendo a coisa certa, trabalhando duro, porque estava fazendo isto para a família e para as pessoas trabalhavam com ele, que dependiam dele. Ele se sentia responsável por cumprir seus deveres no trabalho, e o trabalho lhe dava um sentido de realização e satisfação. Mas ele também era levado por um sentimento forte de orgulho. Estava orgulhoso de ser próspero, de ser capaz tomar decisões importantes, e de ter uma renda alta.

 

Claudia pedia regularmente para Frederick reduzir a velocidade, de ter tempo para ele e para a família, e desfrutar sua vida. Ela lhe falou que sentia que ele era escravizado pelo trabalho. Era verdade. Eles tinham uma casa bonita com um jardim luxuoso, em um bairro agradável. Frederick amava jardinagem, mas não estava em casa o bastante para passar tempo no jardim. Frederick sempre respondeu aos apelos de Claudia dizendo que gostava do seu trabalho, e o negócio não podia sobreviver sem ele. Ele lhe falava freqüentemente que em alguns anos, depois que se aposentasse, teria bastante tempo para ele, ela, e os filhos.

 

Aos cinqüenta e um anos, Frederick morreu imediatamente em um acidente de carro. Ele nunca teve uma chance de se aposentar. Ele pensou que era insubstituível, mas levou só três dias para a companhia preencher a sua posição. Eu conheci Claudia em um retiro de plena atenção, e ela me contou a história do marido. Embora não lhes faltasse nada em termos de fama, sucesso, e riqueza, eles não eram felizes. Mesmo assim muitos de nós acreditamos que a felicidade não é possível sem o poder financeiro ou político. Nós sacrificamos o momento presente por causa do futuro. Nós não somos capazes de viver todo momento de nossas vidas diárias profundamente.

 

Pensamos freqüentemente que se tivermos poder, se tivermos sucesso em nosso negócio, as pessoas nos escutarão, nós teremos bastante dinheiro, e seremos livres para fazer tudo o que queremos. Mas se olharmos profundamente, veremos que Frederick não teve nenhuma liberdade, nenhuma capacidade para desfrutar a vida, nenhum tempo para seus familiares. O negócio dele o separou. Ele não teve nenhum tempo para respirar profundamente, sorrir, olhar para o céu azul, e estar em contato com todas as maravilhas de vida.

 

É possível ter êxito em sua profissão, ter poder mundano, e estar ao mesmo tempo contente. No tempo do Buda, havia um homem de negócios muito poderoso e amável chamado Anathapindika. Ele era um discípulo do Buda que tentou sempre entender seus empregados, clientes e colegas. Os seus trabalhadores o salvaram muitas vezes de ataques de ladrões por causa da sua generosidade. Quando um fogo ameaçou destruir o negócio, seu pessoal e os vizinhos arriscaram suas as vidas para apagá-lo. Os trabalhadores o protegeram porque o viam como um irmão e pai; e o negócio dele cresceu. Quando ele faliu, não sofreu, porque os amigos se lançaram para lhe ajudar depressa a reconstruir o negócio. Ele teve uma direção espiritual na sua vida empresarial. Ele era inspirador e hábil, assim a sua esposa e filhos se uniram à sua prática espiritual e se preocupavam com os pobres. Anathapindika era um bodhisattva; teve um coração grande e muita compaixão.

 

Ele não estava contente por causa da riqueza, mas por causa do seu amor. Ele permitiu que o amor fosse a sua motivação, a força que o empurrava adiante. Ele teve tempo para sua esposa e filhos. Ele teve tempo para a comunidade espiritual, a sangha de monjas, monges, e leigos praticando compreensão e amor. Anathapindika quer dizer "o que ajuda os que são pobres, destituídos, e sós." As pessoas lhe deram este nome porque ele estava cheio de bondade e compaixão. Ele soube como amar e tomar conta de si e da sua família, e como amar e cuidar das pessoas do seu país. Ele sempre ajudou as pessoas quando estavam em dificuldades, assim teve muitos bons amigos.

 

Ele investiu em amizade, em família, na sangha, assim teve bastante tempo para apreciar e cuidar das pessoas que amou. Ele estava muito contente em servir ao Buda e à comunidade dele. Quando as pessoas falavam sobre a sangha, os olhos de Anathapindika ficavam luminosos. Quando as pessoas falavam sobre as pessoas pobres, os olhos dele ficavam luminosos. Quando as pessoas falavam sobre os seus filhos, os olhos dele também ficavam luminosos.

 

Para mim o que a maioria de nós chama a linha de resultado (bottom line) é de fato amor. Se nós almejamos só poder e fama, não podemos ser felizes igual a Anathapindika. Anathapindika era um homem de negócios cuja causa era o amor; amor era a sua base. É por isso que ele teve muita felicidade.

 

Freqüentemente quando iniciamos em nossa profissão, fazemos isso por causa do amor por nossa família, nossa comunidade. No princípio, nossas intenções são boas. Então lentamente somos consumidos pela busca do sucesso em nosso trabalho. O desejo de sucesso, poder, e fama substituem nosso foco na família e na comunidade. É quando começarmos a perder nossa felicidade. O segredo para manter a felicidade é nutrir o nosso amor diariamente. Não permita que o sucesso ou aspiração por dinheiro e poder substitua seu amor. No princípio, Frederick amava a esposa, amava os filhos, e começou seu negócio com aquele amor. Mas ele se traiu permitindo que o desejo de ter sucesso tivesse precedência sobre a necessidade de amar. Se você olhar para trás e vir que sua aspiração para o sucesso é maior que seu desejo de amor e tomar conta de seus familiares, saberá que começou a seguir Frederick.

 

No Budismo vemos o poder diferentemente do modo que a maioria das visões no mundo. Os budistas estão tão preocupados com poder como qualquer um, mas nós estamos interessados no tipo de poder que traz felicidade e não sofrimento.

 

Normalmente as pessoas perseguem o poder financeiro e político. Muitas pessoas acreditam que se atingirem estes tipos de poder, podem fazer muitas coisas e podem ser felizes. Mas se nós olharmos profundamente, veremos que as pessoas que estão correndo atrás de poder sofrem grandemente. Nós sofremos primeiro durante a perseguição, porque muitas pessoas estão lutando pela mesma coisa. Nós acreditamos que o poder que estamos procurando é escasso e evasivo e disponível somente à custa de outra pessoa. Mas até mesmo se alcançarmos poder, nunca nos sentiremos bastante poderosos. Eu conheci pessoas que são ricas, com muito poder e fama, mas eles estão sempre descontentes, e alguns até se suicidam. Assim dinheiro, fama, e poder podem todos contribuir de alguma forma para a sua felicidade, mas se falta amor, até mesmo se você tiver muito dinheiro, fama, e poder, não pode ser completamente feliz.

 

Quem tem mais poder que o presidente dos Estados Unidos? Presidente George W. Bush é o comandante em chefe do exército mais poderoso no mundo, o líder da nação mais forte e mais rica no mundo. Não são muitas pessoas têm aquele tipo de poder. Mas isto não significa que o presidente é uma pessoa feliz. Até mesmo com todos estes chamado poderes, eu acredito que ele ainda se sente impotente e sofre profundamente. Ele está preso em um dilema: continuar ou não continuar no Iraque? Continuar com a guerra é difícil, e não continuar também é difícil. É igual a quando você come algo e fica preso em sua garganta. Você não pode cuspir e não pode engolir. Eu não penso que Presidente Bush durma bem. Como você pode dormir bem quando seus jovens estão morrendo diariamente no Iraque? Como você pode evitar os pesadelos quando centenas de milhares de pessoas estão morrendo por causa de sua política? Você tem muita sorte de não ser o presidente dos Estados Unidos; se fosse, estaria sofrendo muito agora mesmo. Está muito claro que se os líderes políticos não tiverem compaixão e entendimento como a sua fundação, abusarão do seu poder e farão o próprio país, e outros países sofrerem.

 

Vários anos atrás, o executivo principal de uma das maiores corporações da América foi ao Centro de Dharma Green Mountain em Vermont praticar durante dois dias comigo e alguns monges e monjas. Uma manhã eu estava na sala de meditação conduzindo uma meditação guiada quando o vi sentado lá. Depois ele falou conosco sobre a vida de um bilionário. Eles têm muito sofrimento, preocupações, e dúvidas. Eles pensam que todo mundo fica perto deles por causa do seu dinheiro, para tirar vantagem, e eles não têm nenhum amigo. Este homem tem muita influência política e recursos financeiros, mas veio aprender a cultivar o poder espiritual. Eu tive a oportunidade de compartilhar com ele alguns ensinamentos de como manter a calma, como respirar, e como andar. Ele participou da meditação sentada, meditação andando, e meditação comendo. Ele lavou seus pratos depois do café da manhã. Eu penso que ele tinha um guarda-costas que não permitiu o acompanhasse ao monastério. Eu lhe dei um sino pequeno de forma que ele pudesse praticar escutar o sino, voltar à respiração, e restabelecer a calma em momentos difíceis. Eu não sei se ele pôde continuar com a prática porque estava totalmente só no mundo dos negócio, sem uma comunidade para o apoiar. O mundo que ele vive é muito exigente e agitado porque se move muito rápido.

 

Assim temos que reconhecer a verdade que se não há nenhum amor ou motivação profunda para servir a este amor, então não importa o quanto rico ou poderoso você seja, ainda não poderá ser feliz. Você está contente quando pode se relacionar com outras pessoas e outros seres vivos. Se não, você se sente totalmente só, em seu próprio mundo; ninguém o entende e você não entende ninguém. Amor é crítico para a nossa felicidade.

 

Isto não só é verdade para indivíduos, mas também para nações. Muitos países querem fazer progresso econômico e material. Minha definição de progresso é estar contente, estar realmente contente. De que serve ter mais dinheiro se você sofrer mais? Você se torna uma vítima de seu próprio sucesso. Nós temos que medir o progresso em termos de verdadeira felicidade. Uma nação pode ficar muito rica, muito desenvolvida, e ser chamada uma superpotência, mas as pessoas naquele país ainda sofrerem profundamente. O desejo de riqueza material se torna mais importante que a saúde e felicidade das pessoas. Eles não têm tempo para tomar conta deles mesmos e dos seus familiares, e isso é lamentável. Para mim uma sociedade civilizada é uma onde as pessoas têm o tempo para viver suas vidas diárias profundamente, amar e cuidar da sua família e comunidade.

 

(Traduzido Do livro The art of power – Thich Nhat Hanh)

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