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 Estudos Budistas

Tradição do Ven. Thich Nhat Hanh

 

Viva a vida completamente: a superficialidade e a profundidade do nosso ser

 

No Dharma desta manhã nós tivemos uma breve introdução sobre medos. Porque todos nós temos medos internos e esses medos encobertos controlam nossos comportamentos, pensamentos e nossa linguagem, sem que saibamos. No começo da humanidade, havia o profundo e o superficial. Treinamos para viver a profundidade do nosso ser também, ao invés de vivermos superficialmente. Seguindo nossa vida diária, talvez estejamos lidando com pessoas, coisas ou trabalhando usando apenas a superficialidade do nosso ser.

 

Algumas vezes nós pensamos que somos superficiais. Mas o fato é que somos mais profundos que isso. Estudar e treinar a nós mesmos em Mindfulness (plena atenção) significa praticarmos viver em profundidade no nosso ser. A nossa superfície empurra a nossa parte profunda. Nós reagimos facilmente, constantemente à beira de lágrimas e risos nós fazemos isso, fazemos aquilo. Falamos sobre isso e aquilo

 

Nós pensamos que temos liberdade enquanto nos comportamos ou lidamos com os outros daquele modo ou enquanto falamos, trabalhamos ou fazemos coisas. Mas o fato é que nós somos forçados por elementos acomodados no fundo do nosso ser. Então, às vezes fazemos as coisas de uma certa maneira, não sabemos por quê. Nós pensamos de uma certa maneira, mas não sabemos por quê. Nós falamos de uma certa maneira, mas nós não sabemos por quê.

 

Entre nossas duas personalidades, a profunda e a superficial existe um buraco. Esse buraco entre essas duas personalidades — profunda e superficial é cada vez maior. Até o dia que nós percebemos que não nos reconciliamos com nós mesmos nossas vidas e não podemos nos conectar com nós mesmos. Nos tornamos estranhos para nós mesmos e também nos tornamos estranhos convidados nas nossas vidas.

 

No Vietnã, as pessoas dizem que existe um tipo de fantasma conhecido como "ma hòi" À meia noite aquele fantasma deixa metade de si deitado bem dormindo na cama. e a outra metade vai para outro lugar alimentando a noite. Fico curioso em saber se vocês já ouviram falar sobre isso antes.

 

Nós estamos fazendo o mesmo, mas nós não fazemos à meia noite, nós fazemos durante o dia. Durante o dia, deixamos a profundidade — a metade inferior do nosso ser e só ficamos com a outra, a metade superior que fica no nosso cotidiano. Encontrando uma pessoa, outra pessoa, lidando com este assunto, com aquele assunto, pensando, falando, reagindo.

 

Por esse motivo nossa vida não é profunda. Porque nós estamos vivendo metade — ou ainda menos que metade. Por isso, praticar significa conectar essas duas metades de nós mesmos. Sempre que falamos, pensamos ou fazemos algo, devemos estar cientes de que parte no fundo do nosso ser está fazendo tudo isso. O que é falado, pensado e feito têm suas raízes.

 

Essas partes profundas estão intrinsecamente ligadas ao universo e aos nossos ancestrais Talvez no momento presente, pensamos "não estou me sentindo triste, assustado ou zangado" Porque toda a tristeza, medo e raiva estão sedimentados no fundo, mas estamos apenas vivendo a metade superior. Então, naquele momento pensamos que não estamos tristes, com raiva ou com medo. No entanto, o fato é que a tristeza, a raiva, o medo, estão em nós e eles estão nos manipulando furtivamente. Estão nos controlando indiretamente.

 

Chamamos a isso de "nós internos", “Samyojana”, "Triền sử" em vietnamita. São os grilhões que nos prendem e nos empurram. Quando vivemos a prática, somos mais cautelosos, somos mais introvertidos. Olhamos para dentro profundamente. “Por que falamos assim? Por que nos sentimos tão tristes assim? Por que nós pensamos assim?” Porque existem sementes no nosso interior, porque existem "nós internos", porque existem energias comuns, e costumes sedimentados no fundo de nosso ser. Eles nos fazem agir de determinada maneira, falar e pensar de determinada maneira.

 

Praticar sem ser capaz de fazer isso não leva a nenhuma transformação. Por isso, nós temos que costurar ou juntar essas duas partes que temos permanentemente e não temer enquanto fazemos isso. Porque às vezes temos medo de nós mesmos e não queremos voltar para o profundo, esta parte inferior dentro de nós. Porque nessa parte profunda existem muitas áreas selvagens e desertas e temos medo disso.

 

Quando estabelecemos um ponto que liga essas duas partes é quando estabelecemos uma atmosfera harmoniosa. Nós sentimos que há uma circulação em nossas veias — 'veias' aqui significa nossas veias espirituais. Nesse momento, nos sentimos menos doentes porque a divisão do nosso ser em metades causa muitas doenças.

 

Devemos ter encontrado alguém que está falando e rindo o dia todo, como se fosse uma pessoa muito feliz. e perguntamos "Por que você não para um pouco para recuperar o fôlego, querido irmão?" "Por que você não para um pouco para recuperar o fôlego, querida irmã?" "Por que falar e rir o dia todo assim?" É assim que essa pessoa vai responder "Se eu parar, eu me sinto morta" "Se eu parar de falar e rir eu me sinto morta".

 

Isso acontece porque nessa pessoa, há um vazio enorme. Essa pessoa tem que fazer tudo o que puder para cobrir este vazio — seja com sons, com pensamentos, ou com falas e risadas. De outra forma tem que voltar ao enorme vazio interior e, para essa pessoa, é demais para suportar. Mas este enorme vazio está lá no fundo, no fundo do seu ser. Eles só querem cortar essa parte superior, e preenchê-la.

 

Para essas pessoas, voltar para si mesmas é algo excruciante e essas pessoas definitivamente não querem voltar. Eles não querem ouvir os sinos. Eles não gostam de meditação andando. Também não gostam de meditação sentada. Porque fazendo tudo isso, são forçadas a voltar para a parte mais profunda do ser.

 

Naquele que fala e ri o dia todo como se fosse uma pessoa muito feliz, é possível ver naquela pessoa um tipo de doença — negligência. O que significa que eles estão sendo divididos por eles mesmos. Essa pessoa precisa de uma Sangha e praticar para voltar para dentro de si e conectar essas duas partes.

 

Se estamos seguindo os ensinamentos do Buda com muito cuidado, vemos que foi isso que Buda nos ensinou a fazer. O Buda disse "Ó bhikkhus, este é o pé de árvore, sente-se aqui. Esse é um lugar vazio, quieto, sente-se aqui. Esse é um caminho deserto, siga esse caminho". Nós não precisamos de muito. Nós apenas precisamos de um pé de árvore, um lugar vazio e quieto ou um caminho deserto para voltarmos à nossa parte mais profunda.

 

Mas se nós estivermos sempre com medo e o dia todo, todos os dias, nós queremos estar na multidão, encontrando pessoas. Significa que estamos constantemente fugindo, não querendo voltar. Isso é o que Buda disse no sutra "Isso é um pé de árvore, um lugar vazio e quieto. Esse é um caminho deserto, volte para si mesmo. Pratique" Não precisamos de grandes templos ou grandes estátuas para fazer isso.

 

Nossa tristeza ou medo ou raiva ou preocupação ou ansiedade estão acomodados nas profundezas, na parte inferior do nosso ser que nunca queremos estar em contato então nós nos comportamos como fantasmas 'ma hời', abandonando uma parte, e levando apenas a parte superior conosco no nosso cotidiano.

 

Essa não é a solução. Estamos fugindo. É por isso que devemos fazer tudo o que pudermos para voltar e conectar essas metades. Onde quer que formos, trazemos essa parte profunda conosco. Sentemos com esta parte profunda Um dia, veremos os resultados por nós mesmos.

 

Quando olharmos para alguém, quando ouvimos alguém falar, quando vermos como eles pensam como eles estão lidando com as coisas poderemos ver a 'parte profunda' dentro dessa pessoa. Uma vez que virmos essa 'parte profunda' neles, veremos por que eles falam, agem ou pensam dessa maneira.

 

Depois de entendê-los será mais fácil aceitá-los. Será mais fácil amá-los, ter compaixão. Se virmos apenas a parte superior dessa pessoa — sua 'parte superficial', vamos ficar chateados, ficar com raiva, querer criticá-los de todas as maneiras possíveis. Não podemos ver que tudo o que eles falaram, fizeram ou pensaram têm suas raízes na parte profunda, na parte inferior, da qual eles foram bem separados.

 

(Parte da Palestra de Dharma de 4 de fevereiro de 1993 durante o retiro de inverno de Plum Village de 1992-1993 .– transcrito do vídeo do YouTube

https://youtu.be/_fF1h6ee7JA)

Traduzido por Leonardo Dobbin)

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