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 Estudos Budistas

Tradição do Ven. Thich Nhat Hanh

 

Amor Verdadeiro

 

Devemos realmente compreender a pessoa que queremos amar. Se nosso amor não passa de uma vontade de possuir, ele não é amor. Se somente pensamos em nós mesmos, se reconhecemos apenas as nossas necessidades e ignoramos as necessidades da outra pessoa, não somos capazes de amar. Devemos olhar em profundidade para ver e compreender as carências, as aspirações e o sofrimento da pessoa amada. É essa a verdadeira base do amor. É impossível deixar de amar uma pessoa, quando de fato a compreendemos.

 

De vez em quando, sente-se junto à pessoa que você ama, segure sua mão e pergunte, "Querida, será que estou sendo compreensivo o bastante? Ou estou fazendo com que você sofra? Por favor, responda para que eu possa aprender a amá-la direito. Não quero que você sofra. E se isso acontecer por ignorância minha, diga-me, por favor, para que eu possa amá-la melhor, para que você seja feliz." Se essas palavras forem ditas com uma voz que transmita nossa real disposição de compreender, a outra pessoa poderá até chorar. Surgem novamente possibilidades inúmeras.

 

Talvez um pai não tenha tempo ou coragem para fazer essa pergunta ao próprio filho. O amor entre eles não será tão pleno quanto poderia ser. É necessário que se tenha coragem para fazer essas perguntas; se não as fizermos, porém, quanto mais amarmos uma pessoa, mais poderemos estar destruindo quem tentamos amar. O amor verdadeiro necessita da compreensão. Com compreensão, quem amamos certamente vicejará.

 

Meditação sobre a compaixão

 

O amor é um desejo de trazer paz, alegria e felicidade a uma outra pessoa. A compaixão é um desejo de eliminar o sofrimento que atinge o outro. Todos temos em nossas mentes as sementes do amor e da compaixão, e podemos ampliar essas belas e maravilhosas fontes de energia. Podemos fazer crescer o amor incondicional que nada espera em troca e que, portanto, não conduz à ansiedade e à mágoa.

 

A essência do amor e da compaixão é a compreensão, a capacidade de reconhecer o sofrimento físico, material e psicológico de outros, de nos sentirmos "na pele" do outro. Mergulhamos em seu corpo, seus sentimentos e suas formações mentais e presenciamos seu sofrimento com nossos próprios olhos. A observação superficial, na qualidade de alguém "de fora", não basta para que vejamos seu sofrimento. Precisamos nos tornar como um objeto de nossa observação. Quando estivermos em contato com o sofrimento do outro, nascerá em nós um sentimento de compaixão. O significado literal do termo “compaixão" é "sofrer com o outro".           .

Começamos por escolher como nosso objeto de meditação alguém que esteja passando por sofrimento físico ou material, alguém que seja fraco e adoeça com facilidade, um pobre, oprimido ou desprotegido. Esse tipo de sofrimento é fácil de se ver. Depois, podemos praticar o contato com formas mais sutis de sofrimento. Às vezes, a pessoa não parece estar sofrendo absolutamente, mas podemos perceber que ela tem mágoas que deixaram marcas ocultas. Gente com excesso de conforto material também sofre. Examinamos profundamente a pessoa que é o objeto da nossa meditação sobre a compaixão, tanto durante a meditação sentada, quanto quando estivermos realmente com ela. E preciso que nos proporcionemos tempo suficiente para entrarmos em contato profundo com seu sofrimento. Continuemos a observa-Ia até que a compaixão surja e impregne o nosso ser.

 

Quando observamos em profundidade, o fruto da nossa meditação naturalmente se transformará em algum tipo de ação. Não diremos simplesmente: “Eu o amo muito" mas em vez disso, "Farei alguma coisa para diminuir seu sofrimento." A idéia da compaixão está presente de fato quando ela consegue eliminar o sofrimento do outro. Devemos descobrir formas para fortalecer nossa compaixão e para lhe dar expressão. Quando entramos em contato com o outro, nossos pensamentos e atos deveriam transmitir nosso desejo de compaixão, mesmo que o outro diga e faça algo que não seja fácil de se aceitar. Praticamos dessa maneira até percebermos com clareza que nosso amor não depende de o outro ser amável ou não. Só assim podemos saber que nossa compaixão é firme e verdadeira. Nós mesmos ficaremos mais à vontade, e a pessoa que vem sendo objeto da nossa meditação acabará também se beneficiando. Seu sofrimento diminuirá lentamente, e sua vida aos poucos se tornará mais luminosa e mais alegre graças à nossa compaixão.

 

Podemos também meditar sobre o sofrimento daqueles que nos fazem sofrer. Quem quer que já nos tenha feito sofrer, sem sombra de dúvida sofre também. É preciso apenas que acompanhemos nossa respiração e olhemos em profundidade. Veremos, naturalmente, seu sofrimento. Parte das suas dificuldades e tristezas pode resultar da falta de prática dos pais quando ele ainda era pequeno.

 

Seus próprios pais, porém, podem ter sido vítimas dos seus respectivos pais. O sofrimento foi transmitido de geração para geração, renascendo nele. Se percebermos isso, não iremos mais culpá-lo por nos fazer sofrer, já que sabemos que ele também é uma vítima. Olhar em profundidade é compreender. Uma vez que tenhamos compreendido os motivos para seu comportamento condenável, nosso rancor com relação a ele desaparecerá, e nós sentiremos o profundo desejo de que ele sofra menos. Podemos sorrir, sentindo-nos refrescados e leves. A presença do outro não é necessária para que se produza uma reconciliação. Quando olhamos em profundidade, estamos nos reconciliando com nosso verdadeiro eu. Para nós, o problema já não existe. Mais cedo ou mais tarde, ele perceberá nossa atitude e partilhará do frescor da corrente de amor que flui naturalmente do nosso coração.

 

Meditação sobre o amor

 

A imagem do amor traz paz, alegria e felicidade a nós mesmos e aos outros. A observação consciente é o elemento que alimenta a árvore da compreensão, e o amor e a compaixão são suas flores mais belas. Quando a imagem do amor toma conta de nós, temos de ir até a pessoa que vem sendo o objeto de nossa observação consciente, para que nossa idéia do amor não seja apertas um produto da imaginação, mas uma fonte de energia que tenha um real efeito no mundo.

 

A meditação sobre o amor não se reduz a ficar sentado, imóvel, e a visualizar que o nosso amor se espalha no espaço afora como ondas de some luz. O som e a luz têm a capacidade de penetrar em toda parte, e o amor e a compaixão também. Se, no entanto, nosso amor for uma espécie de imaginação, dificilmente ele exercerá qualquer influência real. E no meio da nossa rotina diária e em nosso verdadeiro contato com os outros que podemos saber se a nossa imagem do amor está realmente presente e até que ponto ela é estável. Se o amor for real, ele se revelará em nosso dia a dia, na forma pela qual nos relacionarmos com as pessoas e com o mundo.

 

Bem lá no fundo de nós se encontra a fonte do amor, e podemos ajudar os outros a entrar em contato com ela. Uma palavra, um ato ou um pensamento podem amenizar o sofrimento de outra pessoa e lhe dar alegria. Uma palavra pode confortar e dar confiança, destruir a dúvida, ajudar alguém a evitar um erro, harmonizar um conflito ou abrir a porta para a liberação. Um ato pode salvar a vida de uma pessoa ou ajudá-la a perceber uma rara oportunidade. Um pensamento que seja pode produzir os mesmos resultados porque os pensamentos sempre levam a palavras e atos. Se o amor estiver em nosso coração, qualquer pensamento, palavra ou obra pode realizar um milagre. Como a compreensão é a própria base do amor, as palavras e os atos que dele brotarem serão sempre úteis.

 

Meditação do abraço

 

O abraço é um belo costume ocidental, e nós do Oriente gostaríamos de lhe acrescentar a prática da respiração consciente. Quando você abraçar uma criança, sua mãe, seu marido ou seu amigo, se inspirar e expirar três vezes, sua felicidade se multiplicará pelo menos dez vezes.

 

Se você estiver distraído, pensando em outras coisas, seu abraço também será distraído, não muito profundo, e você pode nem apreciar muito esse abraço. Por isso, ao abraçar seu filho, seu amigo, seu cônjuge, lembre-se da minha recomendação de antes inspirar e expirar conscientemente numa volta ao momento presente. Depois, enquanto estiver abraçando a pessoa, respire três vezes conscientemente, e o abraço será melhor do que qualquer outro.

Praticamos a meditação do abraço num retiro para psicoterapeutas no Colorado. Um participante, ao voltar para casa em Filadélfia, abraçou a mulher no aeroporto como nunca fizera antes. Graças a esse abraço, a esposa participou do nosso retiro seguinte, em Chicago.

 

Demora algum tempo para que as pessoas se acostumem a esse tipo de abraço. Se você estiver se sentindo um pouco vazio por dentro, pode querer bater delicadamente nas costas do seu amigo enquanto o abraça para provar que realmente está ali. Para realmente estar ali, porém, basta que você respire, e de repente ele se tornará inteiramente real. Vocês dois de fato existem naquele momento. Pode ser um dos melhores momentos da sua vida.

 

Imagine que sua filha apareça diante de você. Se você realmente não estiver ali - se estiver pensando no passado, preocupado com o futuro ou dominado pela raiva ou pelo medo - a criança, embora parada ali à sua frente, não existirá para você. Ela é como uma sombra, e você também pode ser como uma sombra. Se quiser estar com ela, terá de voltar para o momento presente. Com a respiração consciente e a união do corpo e da mente, você volta a ser uma pessoa real. Se você se torna uma pessoa real, sua filha também se torna real. Ela é essa presença maravilhosa, que torna possível nesse momento um belo encontro com a vida. Se você a abraçar e respirar, despertará para a preciosidade que é o ser amado e a vida se faz presente.

 

O rio

 

Era uma vez um lindo rio que abria seu caminho entre montes, florestas e prados. Ele começou como um alegre regato, uma fonte que sempre cantava e dançava enquanto ia descendo do alto da montanha. Naquela época, o rio era muito jovem e, quando chegou à planície, ele passou a ser mais lento. Estava pensando em ir até o oceano. Enquanto ia crescendo, ele aprendia a ser bonito, formando curvas graciosas entre os montes e os prados.

 

Um dia ele percebeu nuvens em si mesmo. Nuvens de todas as cores e formatos. Nesse período ele não fez nada a não ser perseguir as nuvens. Queria possuir uma nuvem, ter uma só para si. No entanto, as nuvens flutuam e viajam pelo céu e estão sempre mudando sua forma. Às vezes lembram um sobretudo, às vezes, um cavalo. O rio sofria multo com a natureza inconstante das nuvens. Seu prazer, sua alegria eram simplesmente correr atrás das nuvens, uma a uma, mas o desespero, a raiva e o ódio invadiram sua vida.

 

Um dia, então, veio um vento fone que soprou para longe todas as nuvens. O céu ficou totalmente vazio. Nosso rio achou que a vida não valia. a pena porque não havia mais nuvens a perseguir. Ele teve vontade de morrer. "Se não há nuvens, por que eu deveria viver?" Mas, como poderia um no se suicidar?

 

Naquela noite o rio teve a oportunidade de voltar a si mesmo pela primeira vez. Estivera correndo atrás de algo externo a si mesmo há tanto tempo que jamais vira seu verdadeiro eu. Aquela noite foi a primeira ocasião em que ele ouviu seu próprio choro, o som das águas batendo de encontro às margens. Como foi capaz de ouvir sua própria voz, ele descobriu algo de grande importância.

 

Percebeu que estivera buscando o que já estava em si mesmo. Descobriu que as nuvens não são nada alem de água. As nuvens nascem da água e à água voltarão. Descobriu ainda que ele próprio também era água.

 

Na manhã do dia seguinte, quando o sol apareceu, ele notou algo lindo. Viu o céu azul pela primeira vez. Jamais percebera sua existência antes. Só se interessava pelas nuvens e deixara de ver o céu, que é o lar de todas as nuvens. Elas são inconstantes, mas o céu é estável. Percebeu que o céu imenso estivera em seu coração desde o início. Esse belo vislumbre lhe trouxe a paz e a felicidade. Quando via a maravilha e a amplidão do céu azul, ele sabia que sua paz e sua estabilidade jamais se perderiam outra vez.

 

Naquela tarde, as nuvens voltaram, mas dessa vez ele não sentiu o desejo de possuí-Ias. Via a beleza de cada uma e conseguia dar boas-vindas a todas elas. Quando uma nuvem chegava, ele a cumprimentava com amor e carinho. Quando aquela nuvem queria partir, ele acenava feliz, com amor e carinho. Tinha consciência de que todas as nuvens eram ele mesmo. Não precisava escolher entre as nuvens e si mesmo. Existia a paz e a harmonia entre eles.

 

Naquela noite aconteceu algo assombroso. Ao abrir seu coração para o céu noturno, o rio recebeu a imagem da lua cheia - linda, redonda, como uma jóia dentro d'água. Ele nunca imaginara que pudesse receber uma imagem tão bela. Há um belíssimo poema em chinês que diz o seguinte: "A lua linda e nova passeia no mais vazio dos céus. Quando os rios-mentes dos seres vivos forem livres, essa imagem da beleza da lua se refletirá em cada um de nós."

 

Era esse o estado de espírito do rio naquele momento. Ele recebeu no seu coração a bela imagem da lua; e a água, as nuvens e a lua saíram de mãos dadas a praticar a meditação andando muito lentamente até o oceano.

 

Não há o que perseguir. Podemos voltar a nós mesmos, apreciar nossa respiração, nosso sorriso, nosso eu e o belo ambiente em que vivemos.

 

 

(Do livro “Paz a Cada Passo” – Thich Nhat Hanh)

 

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