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 Estudos Budistas

Tradição do Ven. Thich Nhat Hanh

 

Dois tipos principais de obstáculos no caminho espiritual

 

Não há necessidade de dizer: "Abre-te, Sésamo!". Já está aberto. A questão é: "Entrar na realidade suprema está dentro da nossa capacidade?". Porque existem dois tipos de obstáculos que nos impedem de entrar na Porta do Supremo.

 

O primeiro tipo de obstáculo são os "obstáculos das aflições". São eles: euforia, desânimo, raiva, ódio, decepção, etc. Bem, na consciência dos cientistas, e na nossa, existem tais aflições que podem nos obscurecer. Se o nosso coração e mente estiverem nublados por esses estados mentais aflitivos, entrar no mundo supremo será impossível.

 

O cientista Albert Einstein era extremamente inteligente. Mas se aprendermos um pouco sobre sua vida pessoal, veremos que ele também teve muita dor e dificuldades em seus relacionamentos com sua esposa e filhos, passando por um divórcio e vivendo em sofrimento. Se Einstein não tivesse tido esses obstáculos de aflições, Einstein já teria ido muito mais longe. Essa é a convicção de Thầy. Ele poderia ter ido duas ou três vezes mais longe.

 

O mesmo acontece conosco. Nós podemos ou não ser cientistas, podemos ou não ser estudiosos budistas. Se tivermos obstáculos de aflições, embora a porta do supremo já esteja aberta, nunca poderemos entrar.

 

O segundo tipo são os "obstáculos do conhecimento" (sở tri chướng, jñeyā-varaṇa em sânscrito, em chinês). Sở tri (jñeyā, ) significa o que já aprendemos e/ou conhecemos.

 

Existem dois tipos de obstáculos (āvaraṇa): obstáculos das aflições e obstáculos do conhecimento. Obstáculos das aflições são desejo, raiva, ignorância, arrogância, suspeita e visões equivocadas. Obstáculos do conhecimento são o que acumulamos intelectualmente.

 

Se ainda estamos presos à ideia de tempo, se ainda estamos presos à ideia de que mente e consciência são uma coisa e o mundo é outra, que o observador é uma coisa e o observado é outra, que Deus ou o criador é uma coisa e as criaturas são outra — se ainda estamos presos a tais visões dualistas, ainda não estamos livres para entrar no supremo, o mundo do nirvana.

 

O Buda nos mostrou o método para superar os obstáculos das aflições e do conhecimento para alcançar o supremo. Não precisamos bater à porta dizendo: "Sésamo, abre-te". Precisamos apenas praticar a atenção plena correta, a concentração correta e o insight, ou seja, smṛti, samadhi e prajñā em sânscrito, respectivamente. Estes são os Três Treinamentos.

 

Essas três disciplinas são chamadas siksa em sânscrito, que significa "aprendizagem" ou "treinamento". Esta é a Tríplice Ciência do Buda. A ciência do Buda não precisa de ferramentas, equipamentos ou máquinas. Não há necessidade de telescópios ou aceleradores. Precisamos apenas da mente. Mas o sucesso ou não da mente depende de conseguirmos nos libertar completamente dos obstáculos das aflições e do conhecimento.

 

Por um lado, a bagagem das aflições deve ser abandonada. Por outro, a outra bagagem das visões e ideias dualistas também deve ser abandonada. Com isso, temos liberdade suficiente para alcançar o supremo. Os cientistas tiveram esse tipo de liberdade? O conhecimento científico ajudou os cientistas a alcançar a liberdade e a libertação? A ciência pode ajudar a tecnologia a se desenvolver, e muitos de nós estamos sendo levados por essa corrente. Enquanto isso, nossa ganância, raiva, ódio, presunção etc., estão se inflando a cada dia.

 

Enquanto isso, o caminho do Buda nos diz que, com esses Três Treinamentos, ou seja, atenção plena correta, concentração correta e insights, podemos limpar e purificar nossos corações e mentes para que os obstáculos das aflições possam ser aliviados; e que, se pudermos abandonar toda a nossa visão e conhecimento toda a nossa visão dualística e conhecimento dualístico — alcançaremos a liberdade. Somente com essa liberdade, podemos entrar no supremo.

 

Os cientistas têm o intelecto. Mas os corações e mentes dos cientistas estão muito provavelmente sendo sobrecarregados por esses dois tipos de bagagem. Então, mesmo quando a porta já se abriu, mesmo quando o Sésamo já se abriu, ainda não se pode entrar. Só se pode andar para frente e para trás em frente à porta.

 

Portanto, estudando o budismo, você deve estudar discursos como o Rohitassa Sutta (“Discurso a Rohitassa”) ou o Kālāma Sutta (“Carta da livre investigação”, Kinh Kalama) para ver o que o Buda ensinou exatamente sobre como entrar no supremo. Porque o budismo também é uma ciência. Mas é uma ciência espiritual. A ferramenta em uso é a mente. É preciso afiá-la, aprimorá-la. É preciso iluminar a mente. Só então se pode entrar.

 

Então, talvez o retiro de 21 dias que realizaremos no próximo ano tenha como tema "A Ciência do Buda". Nele, falaremos sobre as relações entre o budismo e a ciência. Provavelmente, convidaremos alguns cientistas da física quântica e astrônomos para uma discussão. Apresentaremos o caminho do Buda porque a ciência do Buda é a ciência da atenção plena correta, concentração correta e insights.

 

Mas essa ciência não usa apenas o intelecto. O intelecto sozinho não é suficiente. No budismo, além da consciência mental, também temos a consciência armazenadora. Somente quando se transforma a consciência armazenadora, pode haver a Sabedoria do Grande Espelho. Só então, pode-se alcançar o supremo.

 

(Palestra de Darma de Thich Nhat Hanh: em 16 de maio de 2010– transcrito do vídeo do YouTube

https://youtu.be/AaKijm7mijs)

Traduzido por Leonardo Dobbin)

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